Tuesday, January 29, 2019

COMO A NEUROPSICOLOGIA PODE CONTRIBUIR PARA A EDUCAÇÃO NO BRASIL?

A neuropsicologia pode contribuir ao menos de três maneiras, todas elas indiretas:
Diagnóstico: Quando o neuropsicólogo investiga um aluno com dificuldades de comportamento ou de aprendizagem escolar, o objetivo é identificar e formar um juízo sobre os fatores de risco que possam estar contribuindo para as dificuldades. Esses fatores de risco podem ser inerentes à criança (déficits cognitivos, dificuldades de temperamento, doenças etc.) ou ao ambiente (pobreza, família, escola etc.). Em uma investigação neuropsicológica não é possível identificar causas, mas é possível identificar fatores de risco, construindo um juízo (qualitativo) sobre sua importância relativa e prognóstico, além de identificar possibilidades de intervenção;
Intervenção: A experiência com reabilitação neuropsicológica indica que as intervenções devem ser desenhadas como uma psicoterapia, uma neuropsicoterapia. Os modelos da terapia cognitivo-comportamental são muito eficientes. Muitas vezes não é possível uma restituição ou habilitação funcional ad integrum. Mas diversas estratégias cognitivas e comportamentais estão disponíveis para melhorar substancialmente o comportamento, o desempenho escolar e a qualidade de vida;
Evidências para aprimorar as intervenções pedagógicas: Um aluno só é encaminhado para um neuropsicológo quando alguma coisa com seu comportamento ou rendimento escolar não está indo bem. Como mencionei acima, os fatores de risco podem ser inerentes à criança ou ao ambiente. A observação do comportamento e desempenho da criança e as entrevistas com pais e professores são oportunidades para avaliar, entre outras coisas, se as estratégias pedagógicas empregadas até o momento são adequadas ou não.
Muitas vezes não são. Muitas vezes as professores não sabem bem o que fazer para ajudar as crianças. Há sempre uma tendência de fazer atribuições causais sócio-políticas e uma escassez de conhecimento sobre intervenções com as pessoas. O professor que se dispõe a trabalhar com crianças vivendo na pobreza e famílias complicadas precisa se habilitar a trabalhar efetivamente com a criança. Não ajuda muito ficar se estressando, se queixando as condições sócio-políticas adversas ou esperando que o estado resolva os problemas. A psicologia oferece estratégias eficientes de intervenção.
Acho que essa situação reflete a formação acadêmica dos professores. Há muito a psicologia foi preteridaem favor da sociologia como disciplina de base para a educação. A formação psicológica dos educadores se resume a Henri Wallon, Lev Vygotsky, Jean Piaget e Paulo Freire. 
Todos esses são autores importantes, principalmente do ponto de vista histórico. Mas a psicologia cognitiva e comportamental progrediu muito nos últimos cinqüenta anos. E a maioria dos pressupostos assumidos por esses autores clássicos se mostrou, simplesmente, falsa.
Os professores têm consciência das falhas na sua formação psicológica. Esse é um dos motivos do interesse crescente pela neurociência educacional. Só que a neurociência educacional ainda é uma promessa. Enquanto isso, a psicologia cognitiva e comportamental está ao alcance dos pedagogos, oferencedo um repertório de estratégias para melhorar o desempenho cognitivo, comportamento e motivação.
Abaixo listo alguns blogs que fornecem informações valiosas sobre a importância da psicologia cognitiva e comportamental para a educação. Vale a pena conferir. 
Revista de política educacional publicada pela Hoover Institution, um think tank conservador de Stanford.


Professor de psicologia na University of Virginia, autor de "Por que os alunos não gostam da escola?", colunista da revista American Educator.


Aluno de doutorado de John Sweller na University of New South Wales, autor de "The truth about teaching".


Professor de inglês na Inglaterra, autor de "What if everything you knew about education was wrong?"


Old Andrew, como gosta de ser chamado, também é professor de inglês na Inglaterra.


A leitura desses blogs é muito instrutiva. A educação é uma área muito conflagrada ideologicamente. Esses autores mostram que existem alternativas ao determinismo social hegemônico e que é possível informar as práticas educacionais com evidências.

Certamente, algum dia, as neurociências farão contribuições importantes à educação. As possibilidades oferecidas pela psicologia já estão ao alcance da mão. É importante divulgá-las, estudá-las e incorporá-las à prática. 

Monday, January 14, 2019

DÉFICIT NO SENSO NUMÉRICO NA MUTAÇÃO ATÍPICA DE 22q11.2 ?

Microdeleções em 22q11.2 se associam a mais de 180 fenótipos diferentes, constituindo a síndrome velocardiofacial (VCFS). Entre outras manifestações, a VCFS é um fator de risco para esquizofrenia e para discalculia.

Em uma triagem populacional de mais de 2000 crianças identificamos uma menina com uma mutação atípica na região 22q11.2, adjacente ao lócus tipicamente envolvido na VCFS (Carvalho et al., 2014). Essa mutação atípica constitui uma síndrome nova.

A menina que identificamos tem inteligência normal e não apresenta esquizofrenia. Ela tem dificuldades persistentes de aprendizagem da matemática. Dando seguimento à investigação dessa menina, publicamos um estudo cognitiivo-neuropsicológico de caso (Oliveira et al., 2018).

O seu desempenho foi avaliado aos 8 e 11 anos de idade, sendo comparado estatisticamente a grupos apropriados de controle através das técnicas estatísticas desenvolvidas por John Crawford

Os resultados sugerem que suas dificuldades com a matemática se associam a um déficit no senso numérico (acurácia das representações aproximadas e não-simbólicas de numerosidade) e em algumas funções executivas.

Os transtornos do neurodesenvolvimento, incluindo os transtornos de aprendizagem são geralmente considerados como tendo uma etiologia multifatorial (Plomin, 2018). Segundo a perspectiva multifatorial, os transtornos do desenvolvimento resultem de múltiplos pequenos efeitos aditivos de poligenes interagindo com a experiência do indivíduo.


Contudo, há evidências crescentes de que os transtornos do neurodesenvolvimento podem ser causados por etiologias genéticas (p. ex., microdeleções e microduplicações cromossômicas) e ambientais (embriopatia alcoólica) específicas (Carvalho et al., 2009, 2016, 2017, Mitchell, 2015). 


Os nossos estudos com as microdeleções de '22q11.2 estão de acordo com essa hipótese de que transtornos de aprendizagem podem ter etiologias específicas em determinados indivíduos. Etiologias essas cuja diagnóstico é relevante. Ainda não se sabe qual é a prevalência de etiologias específicas nos transtornos de aprendizagem. Entretanto, no autismo a prevalência de etiologias específicas situa-se por volta de 30% (Miles, 2011).

O desafio na clínica é triar crianças que possam apresentar uma etiologia mais especifica para investigações etiológicas ulteriores. O diagnóstico dessas etiologias específicas tem conseqüências importantes para o prognóstico, prevenção e intervenção (Reilly, 2012). 

O desafio é identificar critérios que permitam formular hipóteses diagnósticas, uma vez que a variabilidade interindividual nessas síndromes é gigantesca. Os casos mais difíceis de identifcar e, portanto, subdiagnosticados são justamente aqueles nos quais o fenótipo é mais leve ("formes frustres") e a inteligência normal. 

Quais são então as pistas que podem ser utilizadas para identificar crianças que possam ter uma etiologia específica? Crianças que apresentem um aspecto "sindrômico", caracterizado por "funny face" e malformações menores (Huang et al., 2010) ou alterações motoras sugestivas de comprometimento neurológico merecem uma consideração diagnóstica mais detalhada.


Referência


Asbury, K., and Plomin, R. (2013). G is for genes. The impact of genetics on educational achievement. Chichester: Wiley/Blackwell.


Carvalho, M. R. S., Santos, L. L., Peixoto, M. G. C. D. & Haase, V. G. (2009). Para melhor compreensão da base genética das doenças. In V. G. Haase, F. O. Ferreira e F. J. Penna (Orgs.) Aspectos biopsicossociais da saúde na infância e adolescência (pp. 441-474). Belo Horizonte: COOPMED (ISBN: 978-85-7825-003-4).

Carvalho, M. R. S., Martins, A. A. S., Salazar, G., & Haase, V. G. (2016). Genética e Genômica da deficiência intelectual. In. J. F. de Sallas, V. G. Haase, e L. F. Malloy-Diniz (Orgs.) Neuropsicologia do desenvolvimento. Infância e adolescência (pp. 66-74). Porto Alegre: ARTMED (ISBN 9788582712832).

Carvalho, M. R. S., Santos, F. C., Martins, A. A. S., Becker, N., e Haase, V. G. (2017). Fatores genéticos na dislexia do desenvolvimento. In J. F. Salles e A. L. Navas (Orgs.) Dislexias do desenvolvimento e do adulto (pp. 135-168). São Paulo: Pearson (ISBN: 9978-85-8040-777-8).

Carvalho, M. R. S., Vianna, G., Oliveira, L. F. S., Júlio-Costa, A., Pinheiro-Chagas, P., Sturzenecker, R., Zen, P. R. G., Rosa, R. F. M., de Aguar, M. J. B., and Haase, V. G. (2014). Are 22q11.2 distal deletions associated with math difficulties? American Journal of Medical Genetics, 164A, 2256-2262 (DOI 10.1002/ajmg.a.36649)

Huang, C. J., Chiu, H. J., Lan, T. H., Wang. H. F., Kuo, S. W., Chen, S. f., Yu, Y. H., Liu, Y. R., Hu, T. M., & Loh, E. W. (2010). Significance of morphological features in schizophrenia of a Chinese population. Journal of Psychiatry Research, 44, 63-68.


Miles, J.H. (2011). Autism spectrum disorders--a genetics review. Genet Med: Off J Am Coll Med Genet 13, 278–294. 


Mitchell, K. J. (2015). The genetic architecture of neurodevelopmental disorders. In K. J. Mitchell (ed.) Genetics of neurodevelopmental disorders (pp. 1-28). Hoboken, NJ: Wiley.

Oliveira, L. F., S., Júlio-Costa, A., Santos, F. C., Carvalho, M. R. S. and Haase, V. G. (2018). Numerical processing impairment in 22q11.2 (LCR22-4 to LCR22-5) microdeletion: a cognitive-neuropsychological case study. Frontiers in Psychology 9, 2193 (doi: 10.3389/fpsyg.2018.02193 ).


Reilly, C. (2012). Behavioural phenotypes and special education needs: is aetiology important in the classroom? Journal of Intellectual Disability Research, 56, 929-946.

Leituras recomendadas


Carvalho, M. R. S., Santos, L. L., Peixoto, M. G. C. D. e Haase, V. G. (2009). Para melhor compreensão da base genética das doenças. In V. G. Haase, F. O. Ferreira e F. J. Penna (Orgs.) Aspectos biopsicossociais da saúde na infância e adolescência (pp. 441-474). Belo Horizonte: COOPMED (ISBN: 978-85-7825-003-4).


Carvalho, M. R. S., Martins, A. A. S., Salazar, G., e Haase, V. G. (2016). Genética e Genômica da deficiência intelectual. In. J. F. de Sallas, V. G. Haase, e L. F. Malloy-Diniz (Orgs.) Neuropsicologia do desenvolvimento. Infância e adolescência (pp. 66-74). Porto Alegre: ARTMED (ISBN 9788582712832).

Carvalho, M. R. S., Santos, F. C., Martins, A. A. S., Becker, N., e Haase, V. G. (2017). Fatores genéticos na dislexia do desenvolvimento. In J. F. Salles e A. L. Navas (Orgs.) Dislexias do desenvolvimento e do adulto (pp. 135-168). São Paulo: Pearson (ISBN: 9978-85-8040-777-8).