Saturday, September 19, 2020

LEITURAS SOBRE PEDAGOGIA COGNITIVA

Escreveram-me inbox pedindo recomendações de leitura. Faço com o maior prazer. A formação em pedagogia no Brasil se restringe a Piaget, Vygotsky, Wallon e Freire. Infelizmente, a formação em pedagogia ignora tudo que aconteceu em psicologia nos últimos 50 anos. Abaixo segue uma lista dos meus livros prediletos, relevantes para a teoria educacional a partir de uma perspectiva cognitivo-evolucionária. 

Sugiro começar pelo livro do Willingham (2009), passando logo em seguida para o livro da Christodoulou (2014). Esses dois livros fornecem a luz para entender o que está errado na educação e o que pode ser feito para melhorar. O Willingham (2009) apresenta a teoria simples da aprendizagem, a qual é é o caminho da roça para aplicar a ciência cognitiva à educação.

Esses dois livros mudaram a minha vida. Eles me ajudaram a compreender porquê e como a ciência cognitiva pode contribuir, sendo imprescíndivel para a educação. Não tem como educar sem entender como as crianças se desenvolvem e aprendem. Ao fim a ao cabo, desenvolvimento e aprendizagem são a mesma coisa e o conhecimento científico sobre o assunto não pode ser ignorado. A ciência não resolve tudo. Mas ignorar o conhecimento científico é ignorância.

Reparem que muito poucos livros têm a raiz "neuro" no título. Tem muita coisa de psicologia que os professores precisam aprender antes de chegar na "neuro".

É claro que essa coletânea é uma escolha pessoal. Tem muito mais coisa boa rolando por aí que eu nem conheço. Mas acho que esses livros fornecem o caminho da roça. Obviamente não dá para ler tudo de uma hora para outra. Então é importante ler um livro de cada vez.



CAMINHO DA ROÇA


Belsky e cols. (2020), Geary (2005) e Tomasello (2019) situam a educação no contexto evolucionário.

Asbury e Plomin (2013). Plomin (2019) e Murray (2020) desmistificam a genética, demanchando preconceitos e mostrando sua importância no contexto educacional.

Dehaene (2009, 2011, 2020) dá o caminho da roça para entender como as crianças aprendem a ler e escrever e a fazer contas.

Fletcher e cols. (2019) e Pennington e cols. (2019) são os livros mais completos e atuais sobre dificuldades de aprendizagem.

Sweller e cols. (2001) articulam a teoria da sobrecarga cognitiva, discutindo as implicações educacionais das limitações de processamento na memória de trabalho e a importância dos métodos instrucionais.

Hirsch (2006) argumenta de forma incisiva sobre a importância da transmissão de conhecimento na educação.

Rosenberg (2018) discute a importância da estrutura narrativa para a cognição humana e aprendizagem.

Kirschner e cols, (2020) republicam e comentam os clássicos da psicologia da educação.

James (1900) é o texto clássico sobre a relação entre a psicologia como ciência de base e a pedagogia como ciência aplicada.

Willingham (2012) provê ferramentas intelectuais para distinguir ciência de picaretagem na educação.

de Bruyckere e cols. (2015, 2020) fazem uma faxina nas lendas educacionais urbanas.

Caplan (2018), Furedi (2010), Murray (2008), Rothbard (1999), Sowell (2010, 2020) e Tooley (2009) discutem os problemas político-morais subjacentes à coerção estatal, relativismo e narcisismo cultural que permeiam a educação no mundo contemporâneo.



REFERÊNCIAS


Asbury, K., & Plomin, R. (2013). G is for genes. The impact of genetics on educational achievement. Oxford: Wiley Blackwell.

Ashman, G. (2018). The truth about teaching. An evidence-informed guide for new teachers. London: Sage.

Belsky, J., Caspi, A., Moffitt, T. E. & Poulton, R (2020). The origins of you. How childhood shapes later life. Cambridge, MA: Harvard University Press.

Caplan, B. (2018). The case against education. Why the education system is a waste of time and money. Princeton, NJ: Princeton University Press.

Christodoulou, D. (2014). Seven myths about education. London: Routledge / The Curriculum Centre.

de Bruyckere, P., Kirschner, P. A. & Hulshof, C. D. (2015). Urban myths about learning and education. Amsterdam: Academic Press.

de Bruyckere, P., Kirschner, P. A. & Hulshof, C. D. (2020). More urban myths about learning and education. Challenging eduquacks, extraordinary claims and alternative facts. London: Routledge.

Dehaene, S. (2009). Reading in the brain. The new science of how we read. New York: Penguin.

Dehaene, S. (2011). The number sense. How the mind creates mathematics (Revised and expanded edition). New York: Oxford University Press.

Dehaene, S. (2020). How we learn. Why brains learn better than any machine… for now. New York: Viking.

Fletcher, J. M., Lyon, G. R., Fuchs, L. S. & Barnes, M. A. (2019). Learning disabilities. From identification to intervention (2a. ed.). New York: Guilford.

Furedi, F. (2010). Wasted: why education isn't educating. London: Bloomsbury.

Geary, D. C. (2005). The origin of mind. Washington, DC: American Psychological Association.

James, W. (1900). Talks to teachers and students. New York: Holt

Kirschner, P. A. & Hendrick, C. (eds.) (2020). How learning happens. Seminal works in educational psychology and what they mean in practice. London: Routledge.

Pennington, B. F., McGrath, L. M. & Peterson, R. L. (2019). Diagnosing learning disorders. From science to practice. New York: Guilford.

Plomin, R. (2019). Blueprint. How DNA makes us who we are. Cambridge, MA: MIT Press.

Hirsch Jr., E. D. (2006). The knowledge deficit. Closing the shocking education gap for American children. Boston: Houghton Mifflin

Murray, C. (2008). Real education. Four simple truths for bringing America’s schools back to reality. New York: Three Rivers.

Murray, C. (2020). Human diversity. The biology of gender, race, and class. New York: Twelve.

Rosenberg, A. (2018). How history gets things wrong: The neuroscience of our addiction to stories. Cambridge, MA: MIT Press.

Rothbard, M. N. (1999). Education. Free & compulsory. Auburn, AL: Ludwig von Mises Institute.

Sowell, T. (2010). Inside American education: the decline, the deception, the dogmas. New York: Simon & Schuster.

Sowell, T. (2020). Charter schools and their enemies. New York: Basic Books.

Sweller, J., Ayres, P., & Kalyuga, S. (2011). Cognitvie load theory. New York: Springer.

Tomasello, M. (2019). Becoming human: a theory of human ontogeny. Cambridge, MA: Harvard University Press.

Tooley, J. (2009). The beautiful tree. A personal journey into how the world's poorest people are educating themselves. Washington, DC: CATO Institute.

Willingham, D. T. (2009). Why don't students like the school? A cognitive scientist answers questons about how the mind workds and what it means for the classroom. San Francisco: Jossey-Bass.

Willingham, D. T. (2012). When can you trust the experts? How to tell good science from bad in education. San Francisco: Jossey-Bass.

O QUE FUNCIONA MELHOR: A APRENDIZAGEM POR DESCOBERTA OU POR INSTRUÇÃO?

 No famoso handbook de psicologia da criança DE Carmichael, editado por Mussen, Piaget apresentou sua teoria para para o público norte-americano. Uma das suas frases também fez fama:

"Cada vez que alguém ensina prematuramente a uma criança algo que ela poderia ter descoberto por si mesma, essa criança é impedida de inventar e, conseqüentemente, de compreender completamente" (Piaget, 1970, p. 715).

As idéias de Piaget têm um impacto gigantesco na pedagogia contemporânea e são muitas vezes interpretadas de forma radical, excluindo qualquer forma de abordagem instrucional ao ensino. A aprendizagem por descoberta (no ensino fundamental) e a aprendizagem baseada em resolução de problemas (PBL, na universidade) têm despertado um interesse enorme, a ponto de terem se transformado em verdadeiras lendas urbanas (DeBruyckere et al., 2015). Há notícias, por exemplo, que a Secretaria da Educação do Reino Unido pune severamente os professores e escolas que ousam instruir seus alunos (Christodoulou, 2014).

Mas, afinal, a aprendizagem por descoberta e a PBL funcionam? Elas são melhores do que os métodos instrucionais tradicionais? Vou tentar responder a essas questões dando umas dicas de literatura que podem auxiliar a desenvolver uma perspectiva mais equilibrada sobre esse assunto. A maioria das referências que citarei está disponível gratuitamente no Google Scholar a partir dos seus respectivos links.

Qual é a resposta então para a questão sobre o que funciona melhor: a aprendizagem por descoberta ou a instrução? A resposta depende do quê, para quê, para quem e por quê?

O que? A aprendizagem por descoberta é excelente para aduirir habilidades biologicamene primárias, como a linguagem oral, que fazem parte do equipamento cognitivo padrão da espécie e podem ser aprendidas intuitivamente (Geary et al., 2015). Por outro lado, as habilidades secundárias como a lectoescrita e a aritmética, que são artefatos culturais, exigem instrução.

Para que? De fato, há evidências de que a aprendizagem por descoberta estimula a criatividade (Bonawitz et al., 2011). Por outro lado, a instrução é mais rápida e eficiente (Klahr & Nigam, 2004).

Para quem? Crianças com transtornos do neurodesenvolvimento parecem se beneficiar muito pouco da aprendizagem por descoberta (Kroesbergen et al., 2003). Por outro lado, a instrução pode ter um efeito negativo sobre a aprendizagem de indivíduos com maior conhecimento e habilidade, o chamado expert reversal effect (Kalyuga, 2007, Sweller et al., 2011).

Por que? A teoria da sobrecarga cognitiva desenvolvida por John Sweller (Paas et al., 2004, Sweller et al., 2011) explica o porquê. A memória de trabalho é o locus da aprendizagem. A aprendizagem depende de os problemas serem representados na memória de trabalho e se iniciar um processo de varredura por uma solução previamente aprendida e armazenada memória de trabalho. Se uma solução previamente aprendida é encontrada, o problema está resolvido. Por outro lado, se não existe uma solução previamente adquirida, uma nova precisa ser inventada.

É aí que a porca torce o rabo. Descobrir soluções para os problemas com os quais o indivíduo não tem experiência prévia não é tarefa trivial, constituindo a própria essência do fator g ou inteligência geral. Descobrir soluções para problemas com os quais o indivíduo não tem experiência prévia demanda recursos de processamento na memória de trabalho, os quais são notoriamente escassos. O processamento controlado ou executivo na memória de trabalho tem capacidade limitada, consome recursos de processamento atencional, exige esforço mental e motivação, é muito sujeito a erro, podendo ser aversivo.

Se o problema é pouco estruturado e se o aprendiz não recebe instruções claras sobre os meios para resolução do problema estão explicitados no seu enunciado, o único recurso é a tentativa e erro. O aprendiz precisa explorar aleatoriamente o espaço de problema tentando descobrir relações entre meios e fins que levem à sua resolução. Isso consome os recursos escassos de processamento na memória de trabalho e pode ser ineficiente e frustrante, principalmente para as crianças que têm alguma dificuldade cognitiva ou que vêm de lares menos favorecidos.

De forma aparentemente paradoxal, a instrução tem um efeito negativo sobre aprendizes com maior nível de habilidade e conhecimento. Mas o paradoxo é mais aparente do que real. A resposta é simples. Quando o aprendiz dispõe de conhecimento previamente adquirido, sob a forma de esquemas, a instrução pode entrar em contradição com os mesmos. Isso gera conflito cognitivo e necessidade de consumir recursos de processamento na memória de trabalho, prejudicando a aprendizagem.

Então, a resposta à pergunta sobre a eficácia relativa da aprendizagem por descoberta e instrução é complexa. Depende do quê, para quê e para quem. Assim sendo quem casa monogamicamente com apenas uma dessas abordagens está cultivando uma lenda urbana (DeBruyckere et al., 2015) e abrindo mão do seu bom senso e da sua efetividade como professor.


REFERÊNCIAS


Bonawitz, E., Shafto, P., Gweon, H., Goodman, N. D., Spelke, E., & Schulz, L. (2011). The double-edged sword of pedagogy: instruction limits spontaneous exploration and discovery. Cognition, 120, 322-330.

Christodoulou, D. (2014). Seven myths about education. London: Routledge / The Curriculum Centre.

DeBruyckere, P., Kirschner, P. A. & Hulshof, C. D. (2015). You learn better if you discover things for yourself rather than having them explained to you by others. In P. DeBruyckere, P. A. Kirschner & C. D. Hulshof Urban myths about learning and education (pp. 48-53). Amsterdam: Elsevier.

Geary, D. C., & Berch, D. B. (2015). Evolutionary Approaches to Understanding Children's Academic Achievement. Emerging Trends in the Social and Behavioral Sciences: An Interdisciplinary, Searchable, and Linkable Resource, 1-10. 

Kalyuga, S. (2007). Expertise Reversal Effect and Its Implications for Learner-Tailored Instruction. Educational Psychology Review, 19(4), 509-539. 

Klahr, D., & Nigam, M. (2004). The equivalence of learning paths in early science instruction: Effects of direct instruction and discovery learning. Psychological science, 15(10), 661-667. 

Kroesbergen, E. H., & Van Luit, J. E. (2003). Mathematics interventions for children with special educational needs: A meta-analysis. Remedial and special education, 24(2), 97-114. 

Paas, F., Renkl, A., & Sweller, J. (2004). Cognitive Load Theory: Instructional Implications of the Interaction between Information Structures and Cognitive Architecture. Instructional Science, 32, 1-8. 

Piaget, J. (1970). Piaget’s theory. In P. Mussen (Ed.), Carmichael’s manual of child psychology (Vol. 1, pp. 703-772). New York: John Wiley & Sons.

Sweller, J., Ayres, P., & Kalyuga, S. (2011). Cognitve load theory. New York: Springer Ver menos

SCAFFOLDING REQUER AVALIAÇÃO E TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO

Estou lendo um capítulo muito interessante sobre princípios cognitivos de intervenção para dificuldades de aprendizagem da matemática (Booth et al., 2017).

O primeiro princípio discutido é o conceito de scaffolding (suporte?), o qual se baseia no conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) de Vygotsky. Segundo Vygotksy a ZDP corresponde ao nível atual de desenvolvimento de um aprendiz e seu potencial para desenvolvimento quando orientado por adultos ou pares.


A idéia de fornecer suporte (scaffolding) preconiza que o adulto desempenhe um papel nas atividades de resolução de problemas da criança, levando em consideração o nível de compreensão da criança. Nas fases iniciais, a quantidade de assistência oferecida é maior. À medida que a criança se torna mais competente, a assistência é progressivamente retirada. Dessa forma, a aprendizagem começa como uma atividade socializada e vai progressivamente se individualizando.

De modo mais formal, scaffolding pode ser definido como qualquer atividade que envolva a modelação de algum comportamento específico, sendo essa modelação progressivamente removida à medida que a criança adquire perícia.

Scaffolding envolve três componentes: a) O processo deve ser contingente ao nível de compreensão da criança; b) O suporte deve ser retirado gradualmente; c) A responsabilidade pela aprendizagem vai sendo gradualmente transferida do adulto para a criança.

Lendo essa discussão sobre scaffolding fiquei com a pulga atrás da orelha. Quer dizer então que, como o suporte deve ser contingente, scaffolding requer avaliação e monitoração constante? A outra pulga que me coçou atrás da orelha, se entendi bem, é que scaffolding envolve algum tipo de transmissão de conhecimento. No início a responsabilidade pela aprendizagem é mais do adulto, mas vai sendo gradualmente transferida para criança. Quer dizer então, que muitas vezes a criancinha não sabem bem nem por onde começar e precisa ter algum conhecimento transferido? O que dizer das situações nas quais o currículo fica muito além da ZDP da criança? O que dizer das crianças que têm algum transtorno de comportamento ou déficit cognitivo?

Ah, já ia me esquecendo, se você está interessado em conhecer um pouco mais sobre o papel que o conhecimento, as limitações no processamento de informação e a motivação desempenha na aprendizagem escolar, uma boa pedida é o livro de Simplício e Haase (2020).


Referência


Booth, J.L., McGinn, K.M., Barbieri, C., Begolli, K.N., Chang, B., Miller-Cotto, D., Young, L.K. & Davenport, J.L. (2017). Evidence for cognitive science principles that impact learning in mathematics. In D. C. Geary, D. B. Berch & K. M. Koepke (eds.) Acquisition of complex arithmetic skills and higher-order mathematics concepts (pp. 297-325). San Diego: Academic.


Simplício, H. A. T. & Haase, V. G. (2020). Pedagogia do fracasso. O que as ciências cognitivas têm a dizer sobre a aprendizagem? Belo Horizonte: Ampla. (https://sapiens-psi.com.br/index.php?_route_=pedagogia-do-fracasso&search=pedagogia%20do%20fracasso)