Pode parecer óbvio:
Quanto mais se sabe, mais se aprende. Mas nem todos se rendem ao óbvio. Uma
concepção muito difundida nos meios educacionais é de que a educação não pode
se reduzir à mera transmissão do conhecimento.
Paulo Freire (1981) criou
a metáfora bancária, segundo a qual a educação não poderia ser reduzida ao mero
depósito de conhecimento. Na sua opinião, a educação deveria transcender à mera
transmissão de conhecimento, focalizando mais a formação da cidadania e o
desenvolvimento da consciência crítica, de classe, de gênero, de etnia etc.
A metáfora da
educação bancária é pobre. Reflete a ignorância de Paulo Freire quanto ao que
acontecia na psicologia já na sua época. Na psicologia, os anos 1960 e 1970
foram caracterizados pelo florescimento de uma metáfora computacional (Lachman,
Lachman & Butterfield, 1979, Lindsay & Norman, 1972, 1977, Neisser,
1967). Paulo Freire passou longe disso. Preferiu restringir-se aos seus
insights derivados da práxis, ao invés de estudar o estado atual do
conhecimento na sua época.
O caso do Paulo
Freire pode ser, portanto, tomado como um primeiro exemplo da importância do
conhecimento. Se ele tivesse estudado mais, se ele tivesso tomado conhecimento
do que se passava na psicologia na sua época, teria usado uma metáfora mais
sofisticada. E não teria se aferrado a uma bobagem como a tal metáfora
bancária. E olhe que ele viveu no exterior por muitos anos e poderia ter se
instruído um pouco mais.
Na metáfora
computacional, o ser humano é comparado a um computador digital e analisado
como um sistema processador de informação. Ou seja, como um sistema que capta e
transduz informação, processando-a e
tomando decisões para emitir respostas que podem ser externamente observáveis
como comportamentos ou internamente executadas como pensamento.
Essa versão inicial
da metáfora computacional é muito semelhante à metáfora bancária de Paulo
Freire. Segundo a metáfora computacional simplista, aprender se reduz a captar
e processar informação, armazenando-a a seguir como se fosse uma ficha em uma
gavetinha, ou melhor, um arquivo em determinado diretório de um computador
digital.
Tanto a metáfora
bancária de Paulo Freire quanto a metáfora computacional simplista são
inadequados porque ignoram o papel ativo do aprendiz. Aprender realmente não se
reduz a armazenar e acumular fatos na memória de longo prazo. Para que a
aprendizagem se processe há a necessidade de que o aprendiz desempenhe um papel
ativo. Há necessidade de esforço e elaboração consciente. O novo material
precisa ser associado de forma ativa com os materiais previamente adquiridos e
armazenados. Quando isso acontece não ocorre apenas um acréscimo de nova
informação, mas uma transformação radical da informação previamente adquirida.
Novas associações são criadas, novos conceitos podem emergir etc. etc.
A metáfora simplista
da memória como arquivo foi rapidamente abandonada devido à sua inadequação. As
concepções atuais da memória de longo prazo consideram-na como uma estrutura
dinâmica de conhecimento, a qual é extremamente flexível, ainda que ou por
causa disso mesmo sujeita a erro, plástica, adáptel às circunstâncias e,
portanto, mutável com o tempo. São essas características dinâmica de longo
prazo que lhe possibilitam influenciar o processo de aprendizagem (Willingham,
2011).
“Transmitir
conhecimento” não se reduz, portanto, a depositar dinheiro em um banco ou uma
ficha em uma arquivo. O processo de aquisição de conhecimento não se dá no
vazio. A aprendizagem não escreve em uma lousa em branco. A aprendizagem
depende de o novo conhecimento ser assimilado às estruturas prévias, bem como
de uma acomodação do conhecimento prévio às novas informações.
O importante aqui é
salientar que não existe aprendizagem sem a aquisição de novos fatos ou
habilidades. Não existe aprendizagem sem que a memória de longo prazo seja
alterada. A memória de longo prazo não é um arquivo inerte, mas uma estrutura
dinâmica, ativa, que se acomoda à nova informação assimilada, para usar novamente os termos piagetianos. Mas não
existe aprendizagem sem memorização. A memória é o critério pelo qual a
aprendizagem pode ser medida. Aprender significa transformar a memória.
Diversos são os tipos
de conhecimentos a serem aprendidos. Em aritmética, p. ex., o conhecimento
conceitual diz respeito à compreensão das noções de magnitude numérica e das
operações. O conhecimento procedimental é a seqüência de operações necessárias
para resolver um determinado problema, a qual precisa ser automatizada para ser
executada de forma eficiente. E, por último, o conhecimento factual corresponde
às associações entre os problemas simples com um algarismo e de ocorrência mais
freqüente e suas respostas. O resgate do conhecimento factual também precisa
ser automatizado como pré-condição para a aquisição de habilidades matemáticas
mais complexas.
Sob a influência dos
construtivismos, a educação contemporânea tem focalizado muito o conhecimento
conceitual, em detrimento do conhecimento procedimental e factual. A ênfase
recai sobre compreender e não sobre memorizar. Memorizar é considerado um
aspecto secundário. Afinal, não adianta nada memorizar sem compreender, como se
vê em algumas situações patológicas. Por exemplo, meninas com a síndrome do
sítio frágil no cromossoma X tipicamente memorizam os fatos aritméticos
despidos do seu significado numérico, quantitativo (Murphy & Mazzocco,
2008).
O termo memória ou
conhecimento não-declarativo se refere a condicionamentos, hábitos ou
habilidades psicomotoras, as quais são geralmente aprendidas e resgatadas de
forma implícita. Ou sem, sem a necessidade e percepção consciente.
O termo memória ou
conhecimento declarativo se refere àqueles conteúdos mentais que podem ser
expressos verbalmente, sob a forma de proposições, e que geralmente são
adquiridos e resgatados de forma explícita e intencional. A memória declarativa
é geralmente subdividida em episódica e semântica. A memória episódica diz
respeito a eventos que são situados no tempo e no espaço e referenciados na
primeira pessoa.
A memória semântica consiste
do conhecimento factual que é organizado categoricamente e pode ser comparado a
um grande léxico mental multimídia. Nesse ensaio estou focalizando o
conhecimento factual. Que evidências existem quanto à relevância do
conhecimento factual para a aprendizagem escolar?
Uma demonstração
intuitiva da importância do conhecimento factual para a aprendizagem é
fornecidade por Willingham (2011). Tente memorizar a lista de letras, exibida
na Figura 1,
Figura 1. Procure
memorizar essa lista de letras (Willingham, 2011).
A experiência
inevitável é de que se trata de uma tarefa muito difícil. A tarefa é facilitada
entretanto, se as letras estímulos são reorganizadas como disposto na Figura 2:
Figura 2. Agora procure
memorizar essa lista de letras. Qual é a lista mais fácil, a primeira ou a
segunda? (Willingham, 2011).
A diferença entre uma
lista e outra é que na segunda os itens são organizados de forma tal que se
revestem de significado. A categorização semântica é um dos principais efeitos
observáveis na aprendizagem de listas verbais. Sempre que os itens podem ser
categorizados, a aprendizagem é facilitada. Isso sugere que a memória de longo
prazo é representada em um meio semântico e não perceptual.
A importância do
conhecimento factual para o desempenho cognitivo é reconhecida há muitos anos.
Merece destaque o trabalho de Herbert Simon com jogadores de xadrez. Foi observado
que a superioridade de desempenho de grandes mestres comparativamente a
diletantes não se deve tanto à superioridade estratégica ou de armazenamento e processamento
na memória de trabalho, mas à memorização prévia de milhares de jogadas (Simon
& Chase, 1973).
O efeito da memorização prévia de um grande número de
jogadas é evidenciado em situações de torneio relâmpago. Nas quais os jogadores
jogam com pressão de tempo. Jogadores menos inexperientes precisam pensar para
selecionar a melhor jogada. Jogadores mais experientes dispõem de um amplo
estoque previamente armazenados de configurações de jogos e podem resgatar de
forma automática a melhor jogada.
A importância do
conhecimento factual para a compreensão e memorização de textos foi demonstrada
experimentalmente por Bransford e Johnson (1972). Esses autores solicitaram aos
participantes que lessem procurassem compreender e memorizar a passagem
apresentada na Figura 3.
Figura 3. Leia e
procure compreender e memorizar o texto acima (Bransford & Johnson, 1972).
Geralmente os
participantes enfrentam muita dificuldade com
a tarefa usada por Bransford e Johnson. Entretanto, o desempenho é
facilitado quando se lhes informa previamente que o texto descreve os
procedimentos para lavar roupas.
Recentemente o papel
do conhecimento factual tem sido enfatizado também na aprendizagem da leitura.
Segundo a teoria simples da leitura, a aprendizagem da mesma pode ser analisada
em dois estágios sucessivos porém parcialmente superponíveis (Cain, 2010, Gough,
1996).
Em línguas cuja
escrita é baseada na correlação entre grafemas e fonemas, tais como as línguas
indo-européias e semíticas, as crianças iniciam o processo de leitura pela
decodificação de palavras isoladas. O papel do vocabulário é menos importante
na aprendizagem da leitura de palavras isoladas (Shatil & Share, 2003). Para
decodificar as palavras isoladas é preciso que a criança entenda o princípio
alfabético e tenha capacidade de recodificação fonológica. Ou seja, de associar
sistematicamente os conjuntos de letras com os sons correspondentes, mantendo
suas representações ativas na memória de trabalho e gerando pronúncias
plausíveis.
A independência entre
o reconhecimento visual de palavras isoladas através da decodificação
fonológica e o conhecimento factual é atestada pelo fato de que é possível ler
pseudopalavras. Ou seja, conjuntos de letras que obedecem às convenções
fonotáticas da íngua, mas que não constituem itens do léxico. São itens
pronunciáveis, mas que não constituem palavras. Inicialmente todas as palavras
são lidas como se fossem pseudopalavras, uma vez que não ainda não existe uma
representação lexical ortográfica. O significado é acessado secundariamente
através da pronúncia.
Com a experiência a
criança vai automatizando o processo de leitura de palavras isoladas,
gradualmente criando representações morfêmicas e lexicais ortográficas. O
processo de automatização da leitura de palavras dura cerca de três anos e vai
pouco a pouco permitindo que a criança acesse de forma mais direta o
significado das palavras, sem o recurso à mediação fonológica.
Paralelamente à
automatização da leitura de palavras isoladas a criança começa a trabalhar a
compreensão de leitura. A compreensão leitura é um processo bem mais complexo
(Cain, 2010). A compreensão depende do concurso de diversas habilidades
cognitivas, tais como inteligência verbal e capacidade de fazer inferências,
vocabulário, memória de trabalho e habilidades de processamento textual
propriamente dito.
O conhecimento de
mundo, operacionalizado sob a forma de vocabulário, é um dos principais
preditores da compreensão de textos (Hirsch, 2006, Shatil & Share, 2003). Na
prática, a importância do vocabulário é ilustrada por um fenômeno educacional
observado nos EUA há vários anos, o chamado “fourth grade slump”.
O reconhecimento do
papel dos mecanismos de mediação fonológica na aprendizagem de leitura de
palavras isoladas estimulou o surgimento de vários programas específicos de
treinamento dessas habilidades já a partir da pré-escola. Graças a esses programas, as dificuldades
escolares iniciais das crianças de minorias étnicas diminuíram progressivamente
nos EUA nas últimas décadas. Nos EUA atualmente, as dificuldades de
aprendizagem das crianças de minorias étnicas se acentuam a partir do quarto
ano, o chamado “fourth grade slump” (vide Figura 4).
Figura 4 – “Fourth grade slump”.
Graças aos programas de
treinamento em decodificação fonológica, as diferenças étnicas de aprendizagem
da leitura de leitura de palavras isoladas estão desaparecendo nos EUA. As
diferenças tornam-se evidentes apenas a partir do quarto ano, à medida que a
ênfase da aprendizagem recai sobre o processamento textual.
O “fourth grade
slump” pode ser interpretado como decorrente de deficiências no vocabulário
(Hirsch, 2006). Até o terceiro ano o ensino da leitura se debruça sobre a
decodificação visual de palavras isoladas. É apenas gradualmente e,
principalmente, a partir do terceiro ano, que o processamento textual passa a
adquirir prioridade. É a partir desse momento, então, que as crianças
desprivilegiadas, com menos acesso a estímulos, brinquedos e informação passam
a experimentar dificuldades.
Em outros sistemas de
escrita, tais como os caracteres chineses o vocabulário pode desempenhar um
papel importante desde o início da aprendizagem da leitura. Ou seja, já na fase
de reconhecimento dos caracteres (Li, Wang, Tong & McBride, 2016). Isso se
deve ao fato de que os caracteres chineses se fundamentam nos morfemas e não
nos fonemas como unidade de correlação entre a ortografia e a pronúncia.
Apesar da importância
inegável do conhecimento factual para a aprendizagem, o mesmo é desprezado
pelas abordagens construtivistas, sob a alegação de que a educação não pode ser
restringir à mera transmissão de conhecimento. Essa postura é muitas vezes
justificada em alegações de que 1) com o advento da internet a informação está
amplamente disponíveil através do Google, Wikipedia e outros recursos, 2) o que
importa é que o indivíduo adquira habilidades de domínio geral, que possam ser
transferidas de um contexto para o outro e que lhe permitam resolver de forma
flexível uma ampla gama de problemas (Christodoulou, 2010). Essas duas
pressuposições são falsas e precisam ser refutadas.
Quando nós estávamos
passando nossa temporada de praia esse ano, recebemos ajuda de uma moça muito
inteligente e de índole agradável. Quando perguntávamos se ela sabia fazer
algum prato, ela respondia sem titubear: “Eu não sei, mas o Google sabe”. E ela
tinha razão. Mas até certo ponto.
O Google sabe das
coisas. Mas para fazer uma busca eficiente é importante conhecer as palavras
chave que levarão à informação almejada. Os alunos de pós-graduação nem sempre
conseguem achar os papers relevantes para sua dissertação ou tese. Em alguns
casos a ineficiência da busca é causada por falta de empenho, ou em português
castiço, a boa e velha preguiça. Em outros casos, entretanto, a dificuldade
para encontrar a informação se deve à falta de conhecimento sobre o assunto,
manifestada no uso de termos ineficientes de busca.
A busca eficiente de
informação na internet depende da seleção correta das palavras chave ou termos
de busca. A qual, por sua vez, depende da experiência prévia e do domínio sobre
uma área do conhecimento. Isso pode ser ilustrado novamente através de uma
reminiscência pessoal.
Uma vez eu estava
interessado em revisar a literatura sobre intervenções para melhorar o
processamento ortográfico. Eu comecei buscando com o termo “writing” e não
encontrava nada. Fiquei cabreiro. Pensei assim: “Nâo pode ser. Esse é um dos
assuntos mais pesquisados na psicologia do desenvolvimento. A literatura sobre
o assunto deve ser imensa”. Até que lá pelas tantas eu me dei conta de que
estava fazendo um uso incorreto do termo de busca. “Writing” em inglês
significa composição. A palavra usada em inglês para ortografia é “spelling”. A
partir do momento em que percebi e corrigi minha ignorância, a busca obteve
sucesso.
Apesar de toda a
informação do mundo estar disponível na internet, para acessá-la é preciso
saber o que procurar e quais estratégias de busca serão mais eficientes. Isso
exige experiência prévia com a tarefa e domínio do assunto a ser pesquisado de
forma a selecionar os termos corretos de busca. Portanto, o conhecimento
factual não pode ser desprezado.
A outra alegação é
que o aluno não deve receber o peixe, mas deve sim, aprender a pescar. Ou seja,
mais importante do que transmitir informação seria propiciar experiências que
permitissem ao estudante adquirir hábitos auto-didáticos. De forma que possam
desenvolver um conjunto de estratégias para resolver o maior número possível de
independentemente do seu conteúdo ou contexto específico de ocorrência.
Esse mito se baseia
na pressuposição errônea de que é possível adquirir conhecimentos independentes
de conteúdo, de domínio específico. De que é possível desenvolver habilidades
formais de racioníio. Infelizmente, isso não é possível. As habilidades
cognitivas inespecíficas de domínio, correspondem aos construtos psicológicos
inteligência geral (fator g) ou executivo central da memória de trabalho. Até
hoje não surgiram procedimentos eficientes e com resultados duradouros e generalizáveis
de treinamento da inteligência e memória de trabalho (Redick et al., 2015).
Infelizmente. Quem descobrir isso, vai ganhar algum prêmio Nobel.
A pressuposição de
que é possível adquirir, desenvolver ou treinar habilidades cognitivas
independentes de domínio estimulou o surgimento de programas de fomento ao
pensamento crítico (Hapern, 2003). Trata-se de uma miragem. Se existe alguma
coisa bem demonstrada na psicologia do desenvolvimento é o fato de que o
conhecimento é específico de domínio, representado pela perícia. A aquisição de
perícia em um determinado domínio custa dez anos de trabalho árduo, acumulando
conhecimento conceitual, factual e procedimental (Van Lehn, 1989).
E a perícia em um
domínio não é facilmente transferível para outro. Para que ocorra a
transferência de um domínio para outro é necessário que primeiro o indivíduo
adquira pericia em uma área de conhecimento e, a seguir, se debruce sobre a
outra.
O mito do
conhecimento inespecífico de domínio se reflete também sob a forma de programas
destinados a estimular a criatividade (Finke, Ward & Smith, 1996). Há
evidências de que a aprendizagem por descoberta estimula o comportamento
exploratório de pré-escolares comparativamente ao método instrucional (Bonawitz
et al., 2011). Mas daí não decorre que seja possível fomentar a criatividade.
Ao contrário, as
pesquisas sobre casos concretos de
comportamento altamente criativo mostram que a criatividade literária,
artística e científica emerge a partir da aquisição de perícia em mais de um domínio
do conhecimento, principalmente, em áreas fronteiriças de domínios distintos (Simonton,
1999). Ou seja, o gênio ou produção culturalmente relevante resulta 99% do suor
e 1% da criatividade.
O desprezo pelo
conhecimento factual é um problema que precisa ser enfrentado com o intuito de
melhorar a qualidade de ensino e elevar o nível cognitivo da população. A negligência do conhecimento factual leva ao
desprezo dos métidos instrucionais de ensino. E não apenas no Brasil.
Christodoulou (2014) relata, p. ex., que
na Grâ-Bretanha os professores e escolas são fiscalizados pelas autoridades
educacionais e severamente punidos quando adotam métodos instrucionais de
ensino.
Segundo, Tomasello e
cols. (1993) a aprendizagem cultural pode ocorrer por imitação, instrução ou
colaboração. Cada uma dessas vias para o conhecimento se associa a um perfil
característico de vantagens e desvantagens. A aprendizagem colaborativa e por
descoberta estimula o comportamento exploratório e uma atitude ativa por parte
do aprendiz (Bonawitz et al., 2011). Mas nem tudo precisa ser aprendido por
descoberta. Há uma série de fatos e habilidades que podem ser transmitidos
de forma direta e mais eficiente de uma
geração para outra. A roda não precisa ser reinventada a cada geração sucessiva
(vide Figura 5). A aprendizagem por instrução de fatos e ferramentas culturais
bem estabelecidos capacita melhor os indivíduos, e poupa recursos escassos de
processamento, para exercer a criatividade em domínios ainda inexplorados pela
Humanidade.
Figura 5. A roda não
precisa e não deve ser reinventada a cada geração sucessiva. A instrução é um
método eficaz de transferir conhecimento factual e procedimental de uma geração
para outra. Com isso o individuo melhor se capacita e poupa recursos escassos
de processamento para exercer sua criatividade em domínios ainda inexplorados.
Adicionalmente, a
aprendizagem colaborativa e por descoberta se caracteriza por uma série de
desvantagens. A aprendizagem espontânea em situações relativamente pouco
estruturadas, em interação com colegas, pode não ser a melhor estratégias para
crianças com dificuldades no comportamento social, tais como autismo, hiperatividade ou inteligência mais baixa.
A aprendizagem por
descoberta, em contextos informais ou pouco estruturados, pode também impor
demandas cognitivas excessivas para o aprendiz. Na tentativa de encontrar a
solução, o aluno esgota suas capacidades de processamento controlado na memória
de trabalho. Com isso sobram menos recursos de processamento para a memorização
(Sweller, Ayres & Kalyuga, 2011).
Os comportamentos
externamente observáveis e a diversão intrínseca a algumas tarefas e projetos
podem ter uma saliência cognitiva maior para o aluno, desviando seus recursos
do processamento interno, encoberto (Mayer, 2004). A atividade é crucial para a
aprendizagem. Mas o aspecto relevante é a atividade cognitiva e não a atividade
comportamental. A aprendizagem depende de o indivíduo estabelecer associações
relevantes entre fatos novos e fatos previamente conhecidos. Incorporando-os e,
ao mesmo tempo, modificando a estrutura prévia de conhecimento.
Isso pode ser feito
internamente, sem a necessidade de engajamento em comportamentos externamente
observáveis. Do que a aprendizagem não pode prescindir é da atividade
cognitiva. E atividade cognitiva pode ser estimulada de diversas maneiras.
Inclusive através de instrução e exercícios.
As evidências
revisadas e as considerações realizadas têm importantes implicações pedagógicas.
A mais importante delas é que não há razões para privilegiar uma abordagem
educacional sobre outras. A aprendizagem colaborativa por descoberta estimula o
comportamento exploratório (Bonawitz et al., 2011). Mas há boas evidêncisa experimentais
de que o método instrucional é mais eficiente para a aquisição de conhecimentos
abstratos (Klarh & Nigam, 2004). De um modo geral, os estudos de meta-análise
mostram que os programas caracterizados por um componente instrucional são mais
eficazes (Alfieri et al., 2011, Hattie, 2009, Kroesbergen & van Luit, 2003 ). As evidências científicas
indicam, portanto, de que já passa da hora para que o conhecimento e a instrução
formal deixem de ser as borralheiras da educação.
O desprezo pelo
conhecimento factual tem um paraefeito adicional. Antigamente as professoras
eram consideradas como detentoras do conhecimento. Em algumas comunidades mais
remotas as professoras constituíam-se mesmo em uma espécie de baluarte com a
ignorância. Se a missão de transmitir conhecimento perde significado, então as
professora snão precisam mais, elas próprias, adquirir conhecimentos. Será que
isso não serve também de justificativa para a preguiça e ignorância? Se a
informação está toda na internet e basta se servir, então não há necessidade de
lutar contra a ignorância e armazenar o conhecimento na própria cachola.
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