Thursday, May 05, 2016

Por que reinventar a roda? A importãncia do conhecimento factual na aprendizagem

Pode parecer óbvio: Quanto mais se sabe, mais se aprende. Mas nem todos se rendem ao óbvio. Uma concepção muito difundida nos meios educacionais é de que a educação não pode se reduzir à mera transmissão do conhecimento.

Paulo Freire (1981) criou a metáfora bancária, segundo a qual a educação não poderia ser reduzida ao mero depósito de conhecimento. Na sua opinião, a educação deveria transcender à mera transmissão de conhecimento, focalizando mais a formação da cidadania e o desenvolvimento da consciência crítica, de classe, de gênero, de etnia etc.

A metáfora da educação bancária é pobre. Reflete a ignorância de Paulo Freire quanto ao que acontecia na psicologia já na sua época. Na psicologia, os anos 1960 e 1970 foram caracterizados pelo florescimento de uma metáfora computacional (Lachman, Lachman & Butterfield, 1979, Lindsay & Norman, 1972, 1977, Neisser, 1967). Paulo Freire passou longe disso. Preferiu restringir-se aos seus insights derivados da práxis, ao invés de estudar o estado atual do conhecimento na sua época. 

O caso do Paulo Freire pode ser, portanto, tomado como um primeiro exemplo da importância do conhecimento. Se ele tivesse estudado mais, se ele tivesso tomado conhecimento do que se passava na psicologia na sua época, teria usado uma metáfora mais sofisticada. E não teria se aferrado a uma bobagem como a tal metáfora bancária. E olhe que ele viveu no exterior por muitos anos e poderia ter se instruído um pouco mais.

Na metáfora computacional, o ser humano é comparado a um computador digital e analisado como um sistema processador de informação. Ou seja, como um sistema que capta e transduz  informação, processando-a e tomando decisões para emitir respostas que podem ser externamente observáveis como comportamentos ou internamente executadas como pensamento.

Essa versão inicial da metáfora computacional é muito semelhante à metáfora bancária de Paulo Freire. Segundo a metáfora computacional simplista, aprender se reduz a captar e processar informação, armazenando-a a seguir como se fosse uma ficha em uma gavetinha, ou melhor, um arquivo em determinado diretório de um computador digital.

Tanto a metáfora bancária de Paulo Freire quanto a metáfora computacional simplista são inadequados porque ignoram o papel ativo do aprendiz. Aprender realmente não se reduz a armazenar e acumular fatos na memória de longo prazo. Para que a aprendizagem se processe há a necessidade de que o aprendiz desempenhe um papel ativo. Há necessidade de esforço e elaboração consciente. O novo material precisa ser associado de forma ativa com os materiais previamente adquiridos e armazenados. Quando isso acontece não ocorre apenas um acréscimo de nova informação, mas uma transformação radical da informação previamente adquirida. Novas associações são criadas, novos conceitos podem emergir etc. etc.

A metáfora simplista da memória como arquivo foi rapidamente abandonada devido à sua inadequação. As concepções atuais da memória de longo prazo consideram-na como uma estrutura dinâmica de conhecimento, a qual é extremamente flexível, ainda que ou por causa disso mesmo sujeita a erro, plástica, adáptel às circunstâncias e, portanto, mutável com o tempo. São essas características dinâmica de longo prazo que lhe possibilitam influenciar o processo de aprendizagem (Willingham, 2011).

“Transmitir conhecimento” não se reduz, portanto, a depositar dinheiro em um banco ou uma ficha em uma arquivo. O processo de aquisição de conhecimento não se dá no vazio. A aprendizagem não escreve em uma lousa em branco. A aprendizagem depende de o novo conhecimento ser assimilado às estruturas prévias, bem como de uma acomodação do conhecimento prévio às novas informações.

O importante aqui é salientar que não existe aprendizagem sem a aquisição de novos fatos ou habilidades. Não existe aprendizagem sem que a memória de longo prazo seja alterada. A memória de longo prazo não é um arquivo inerte, mas uma estrutura dinâmica, ativa, que se acomoda à nova informação assimilada, para usar  novamente os termos piagetianos. Mas não existe aprendizagem sem memorização. A memória é o critério pelo qual a aprendizagem pode ser medida. Aprender significa transformar a memória.

Diversos são os tipos de conhecimentos a serem aprendidos. Em aritmética, p. ex., o conhecimento conceitual diz respeito à compreensão das noções de magnitude numérica e das operações. O conhecimento procedimental é a seqüência de operações necessárias para resolver um determinado problema, a qual precisa ser automatizada para ser executada de forma eficiente. E, por último, o conhecimento factual corresponde às associações entre os problemas simples com um algarismo e de ocorrência mais freqüente e suas respostas. O resgate do conhecimento factual também precisa ser automatizado como pré-condição para a aquisição de habilidades matemáticas mais complexas.

Sob a influência dos construtivismos, a educação contemporânea tem focalizado muito o conhecimento conceitual, em detrimento do conhecimento procedimental e factual. A ênfase recai sobre compreender e não sobre memorizar. Memorizar é considerado um aspecto secundário. Afinal, não adianta nada memorizar sem compreender, como se vê em algumas situações patológicas. Por exemplo, meninas com a síndrome do sítio frágil no cromossoma X tipicamente memorizam os fatos aritméticos despidos do seu significado numérico, quantitativo (Murphy & Mazzocco, 2008).

O termo memória ou conhecimento não-declarativo se refere a condicionamentos, hábitos ou habilidades psicomotoras, as quais são geralmente aprendidas e resgatadas de forma implícita. Ou sem, sem a necessidade e percepção consciente.

O termo memória ou conhecimento declarativo se refere àqueles conteúdos mentais que podem ser expressos verbalmente, sob a forma de proposições, e que geralmente são adquiridos e resgatados de forma explícita e intencional. A memória declarativa é geralmente subdividida em episódica e semântica. A memória episódica diz respeito a eventos que são situados no tempo e no espaço e referenciados na primeira pessoa.

A memória semântica consiste do conhecimento factual que é organizado categoricamente e pode ser comparado a um grande léxico mental multimídia. Nesse ensaio estou focalizando o conhecimento factual. Que evidências existem quanto à relevância do conhecimento factual para a aprendizagem escolar?

Uma demonstração intuitiva da importância do conhecimento factual para a aprendizagem é fornecidade por Willingham (2011). Tente memorizar a lista de letras, exibida na Figura 1,


Figura 1. Procure memorizar essa lista de letras (Willingham, 2011).

A experiência inevitável é de que se trata de uma tarefa muito difícil. A tarefa é facilitada entretanto, se as letras estímulos são reorganizadas como disposto na Figura 2:


Figura 2. Agora procure memorizar essa lista de letras. Qual é a lista mais fácil, a primeira ou a segunda? (Willingham, 2011).

A diferença entre uma lista e outra é que na segunda os itens são organizados de forma tal que se revestem de significado. A categorização semântica é um dos principais efeitos observáveis na aprendizagem de listas verbais. Sempre que os itens podem ser categorizados, a aprendizagem é facilitada. Isso sugere que a memória de longo prazo é representada em um meio semântico e não perceptual.

A importância do conhecimento factual para o desempenho cognitivo é reconhecida há muitos anos. Merece destaque o trabalho de Herbert Simon com jogadores de xadrez. Foi observado que a superioridade de desempenho de grandes mestres comparativamente a diletantes não se deve tanto à superioridade estratégica ou de armazenamento e processamento na memória de trabalho, mas à memorização prévia de milhares de jogadas (Simon & Chase, 1973).

O efeito da  memorização prévia de um grande número de jogadas é evidenciado em situações de torneio relâmpago. Nas quais os jogadores jogam com pressão de tempo. Jogadores menos inexperientes precisam pensar para selecionar a melhor jogada. Jogadores mais experientes dispõem de um amplo estoque previamente armazenados de configurações de jogos e podem resgatar de forma automática a melhor jogada. 

A importância do conhecimento factual para a compreensão e memorização de textos foi demonstrada experimentalmente por Bransford e Johnson (1972). Esses autores solicitaram aos participantes que lessem procurassem compreender e memorizar a passagem apresentada na Figura 3.


Figura 3. Leia e procure compreender e memorizar o texto acima (Bransford & Johnson, 1972).

Geralmente os participantes enfrentam muita dificuldade com  a tarefa usada por Bransford e Johnson. Entretanto, o desempenho é facilitado quando se lhes informa previamente que o texto descreve os procedimentos para lavar roupas.

Recentemente o papel do conhecimento factual tem sido enfatizado também na aprendizagem da leitura. Segundo a teoria simples da leitura, a aprendizagem da mesma pode ser analisada em dois estágios sucessivos porém parcialmente superponíveis (Cain, 2010, Gough, 1996).

Em línguas cuja escrita é baseada na correlação entre grafemas e fonemas, tais como as línguas indo-européias e semíticas, as crianças iniciam o processo de leitura pela decodificação de palavras isoladas. O papel do vocabulário é menos importante na aprendizagem da leitura de palavras isoladas (Shatil & Share, 2003). Para decodificar as palavras isoladas é preciso que a criança entenda o princípio alfabético e tenha capacidade de recodificação fonológica. Ou seja, de associar sistematicamente os conjuntos de letras com os sons correspondentes, mantendo suas representações ativas na memória de trabalho e gerando pronúncias plausíveis.

A independência entre o reconhecimento visual de palavras isoladas através da decodificação fonológica e o conhecimento factual é atestada pelo fato de que é possível ler pseudopalavras. Ou seja, conjuntos de letras que obedecem às convenções fonotáticas da íngua, mas que não constituem itens do léxico. São itens pronunciáveis, mas que não constituem palavras. Inicialmente todas as palavras são lidas como se fossem pseudopalavras, uma vez que não ainda não existe uma representação lexical ortográfica. O significado é acessado secundariamente através da pronúncia.

Com a experiência a criança vai automatizando o processo de leitura de palavras isoladas, gradualmente criando representações morfêmicas e lexicais ortográficas. O processo de automatização da leitura de palavras dura cerca de três anos e vai pouco a pouco permitindo que a criança acesse de forma mais direta o significado das palavras, sem o recurso à mediação fonológica.

Paralelamente à automatização da leitura de palavras isoladas a criança começa a trabalhar a compreensão de leitura. A compreensão leitura é um processo bem mais complexo (Cain, 2010). A compreensão depende do concurso de diversas habilidades cognitivas, tais como inteligência verbal e capacidade de fazer inferências, vocabulário, memória de trabalho e habilidades de processamento textual propriamente dito.

O conhecimento de mundo, operacionalizado sob a forma de vocabulário, é um dos principais preditores da compreensão de textos (Hirsch, 2006, Shatil & Share, 2003). Na prática, a importância do vocabulário é ilustrada por um fenômeno educacional observado nos EUA há vários anos, o chamado “fourth grade slump”.

O reconhecimento do papel dos mecanismos de mediação fonológica na aprendizagem de leitura de palavras isoladas estimulou o surgimento de vários programas específicos de treinamento dessas habilidades já a partir da  pré-escola. Graças a esses programas, as dificuldades escolares iniciais das crianças de minorias étnicas diminuíram progressivamente nos EUA nas últimas décadas. Nos EUA atualmente, as dificuldades de aprendizagem das crianças de minorias étnicas se acentuam a partir do quarto ano, o chamado “fourth grade slump” (vide Figura 4).



Figura 4 – “Fourth grade slump”. Graças aos programas de treinamento em decodificação fonológica, as diferenças étnicas de aprendizagem da leitura de leitura de palavras isoladas estão desaparecendo nos EUA. As diferenças tornam-se evidentes apenas a partir do quarto ano, à medida que a ênfase da aprendizagem recai sobre o processamento textual.
O “fourth grade slump” pode ser interpretado como decorrente de deficiências no vocabulário (Hirsch, 2006). Até o terceiro ano o ensino da leitura se debruça sobre a decodificação visual de palavras isoladas. É apenas gradualmente e, principalmente, a partir do terceiro ano, que o processamento textual passa a adquirir prioridade. É a partir desse momento, então, que as crianças desprivilegiadas, com menos acesso a estímulos, brinquedos e informação passam a experimentar dificuldades.

Em outros sistemas de escrita, tais como os caracteres chineses o vocabulário pode desempenhar um papel importante desde o início da aprendizagem da leitura. Ou seja, já na fase de reconhecimento dos caracteres (Li, Wang, Tong & McBride, 2016). Isso se deve ao fato de que os caracteres chineses se fundamentam nos morfemas e não nos fonemas como unidade de correlação entre a ortografia e a pronúncia.

Apesar da importância inegável do conhecimento factual para a aprendizagem, o mesmo é desprezado pelas abordagens construtivistas, sob a alegação de que a educação não pode ser restringir à mera transmissão de conhecimento. Essa postura é muitas vezes justificada em alegações de que 1) com o advento da internet a informação está amplamente disponíveil através do Google, Wikipedia e outros recursos, 2) o que importa é que o indivíduo adquira habilidades de domínio geral, que possam ser transferidas de um contexto para o outro e que lhe permitam resolver de forma flexível uma ampla gama de problemas (Christodoulou, 2010). Essas duas pressuposições são falsas e precisam ser refutadas.

Quando nós estávamos passando nossa temporada de praia esse ano, recebemos ajuda de uma moça muito inteligente e de índole agradável. Quando perguntávamos se ela sabia fazer algum prato, ela respondia sem titubear: “Eu não sei, mas o Google sabe”. E ela tinha razão. Mas até certo ponto.

O Google sabe das coisas. Mas para fazer uma busca eficiente é importante conhecer as palavras chave que levarão à informação almejada. Os alunos de pós-graduação nem sempre conseguem achar os papers relevantes para sua dissertação ou tese. Em alguns casos a ineficiência da busca é causada por falta de empenho, ou em português castiço, a boa e velha preguiça. Em outros casos, entretanto, a dificuldade para encontrar a informação se deve à falta de conhecimento sobre o assunto, manifestada no uso de termos ineficientes de busca.

A busca eficiente de informação na internet depende da seleção correta das palavras chave ou termos de busca. A qual, por sua vez, depende da experiência prévia e do domínio sobre uma área do conhecimento. Isso pode ser ilustrado novamente através de uma reminiscência pessoal.

Uma vez eu estava interessado em revisar a literatura sobre intervenções para melhorar o processamento ortográfico. Eu comecei buscando com o termo “writing” e não encontrava nada. Fiquei cabreiro. Pensei assim: “Nâo pode ser. Esse é um dos assuntos mais pesquisados na psicologia do desenvolvimento. A literatura sobre o assunto deve ser imensa”. Até que lá pelas tantas eu me dei conta de que estava fazendo um uso incorreto do termo de busca. “Writing” em inglês significa composição. A palavra usada em inglês para ortografia é “spelling”. A partir do momento em que percebi e corrigi minha ignorância, a busca obteve sucesso.

Apesar de toda a informação do mundo estar disponível na internet, para acessá-la é preciso saber o que procurar e quais estratégias de busca serão mais eficientes. Isso exige experiência prévia com a tarefa e domínio do assunto a ser pesquisado de forma a selecionar os termos corretos de busca. Portanto, o conhecimento factual não pode ser desprezado.

A outra alegação é que o aluno não deve receber o peixe, mas deve sim, aprender a pescar. Ou seja, mais importante do que transmitir informação seria propiciar experiências que permitissem ao estudante adquirir hábitos auto-didáticos. De forma que possam desenvolver um conjunto de estratégias para resolver o maior número possível de independentemente do seu conteúdo ou contexto específico de ocorrência.

Esse mito se baseia na pressuposição errônea de que é possível adquirir conhecimentos independentes de conteúdo, de domínio específico. De que é possível desenvolver habilidades formais de racioníio. Infelizmente, isso não é possível. As habilidades cognitivas inespecíficas de domínio, correspondem aos construtos psicológicos inteligência geral (fator g) ou executivo central da memória de trabalho. Até hoje não surgiram procedimentos eficientes e com resultados duradouros e generalizáveis de treinamento da inteligência e memória de trabalho (Redick et al., 2015). Infelizmente. Quem descobrir isso, vai ganhar algum prêmio Nobel.

A pressuposição de que é possível adquirir, desenvolver ou treinar habilidades cognitivas independentes de domínio estimulou o surgimento de programas de fomento ao pensamento crítico (Hapern, 2003). Trata-se de uma miragem. Se existe alguma coisa bem demonstrada na psicologia do desenvolvimento é o fato de que o conhecimento é específico de domínio, representado pela perícia. A aquisição de perícia em um determinado domínio custa dez anos de trabalho árduo, acumulando conhecimento conceitual, factual e procedimental (Van Lehn, 1989).

E a perícia em um domínio não é facilmente transferível para outro. Para que ocorra a transferência de um domínio para outro é necessário que primeiro o indivíduo adquira pericia em uma área de conhecimento e, a seguir, se debruce sobre a outra.

O mito do conhecimento inespecífico de domínio se reflete também sob a forma de programas destinados a estimular a criatividade (Finke, Ward & Smith, 1996). Há evidências de que a aprendizagem por descoberta estimula o comportamento exploratório de pré-escolares comparativamente ao método instrucional (Bonawitz et al., 2011). Mas daí não decorre que seja possível fomentar a criatividade.

Ao contrário, as pesquisas sobre casos concretos de  comportamento altamente criativo mostram que a criatividade literária, artística e científica emerge a partir da aquisição de perícia em mais de um domínio do conhecimento, principalmente, em áreas fronteiriças de domínios distintos (Simonton, 1999). Ou seja, o gênio ou produção culturalmente relevante resulta 99% do suor e 1% da criatividade.

O desprezo pelo conhecimento factual é um problema que precisa ser enfrentado com o intuito de melhorar a qualidade de ensino e elevar o nível cognitivo da população.  A negligência do conhecimento factual leva ao desprezo dos métidos instrucionais de ensino. E não apenas no Brasil. Christodoulou (2014) relata, p. ex.,  que na Grâ-Bretanha os professores e escolas são fiscalizados pelas autoridades educacionais e severamente punidos quando adotam métodos instrucionais de ensino.

Segundo, Tomasello e cols. (1993) a aprendizagem cultural pode ocorrer por imitação, instrução ou colaboração. Cada uma dessas vias para o conhecimento se associa a um perfil característico de vantagens e desvantagens. A aprendizagem colaborativa e por descoberta estimula o comportamento exploratório e uma atitude ativa por parte do aprendiz (Bonawitz et al., 2011). Mas nem tudo precisa ser aprendido por descoberta. Há uma série de fatos e habilidades que podem ser transmitidos de  forma direta e mais eficiente de uma geração para outra. A roda não precisa ser reinventada a cada geração sucessiva (vide Figura 5). A aprendizagem por instrução de fatos e ferramentas culturais bem estabelecidos capacita melhor os indivíduos, e poupa recursos escassos de processamento, para exercer a criatividade em domínios ainda inexplorados pela Humanidade.



Figura 5. A roda não precisa e não deve ser reinventada a cada geração sucessiva. A instrução é um método eficaz de transferir conhecimento factual e procedimental de uma geração para outra. Com isso o individuo melhor se capacita e poupa recursos escassos de processamento para exercer sua criatividade em domínios ainda inexplorados.


Adicionalmente, a aprendizagem colaborativa e por descoberta se caracteriza por uma série de desvantagens. A aprendizagem espontânea em situações relativamente pouco estruturadas, em interação com colegas, pode não ser a melhor estratégias para crianças com dificuldades no comportamento social, tais como autismo,  hiperatividade ou inteligência mais baixa.

A aprendizagem por descoberta, em contextos informais ou pouco estruturados, pode também impor demandas cognitivas excessivas para o aprendiz. Na tentativa de encontrar a solução, o aluno esgota suas capacidades de processamento controlado na memória de trabalho. Com isso sobram menos recursos de processamento para a memorização (Sweller, Ayres & Kalyuga, 2011).

Os comportamentos externamente observáveis e a diversão intrínseca a algumas tarefas e projetos podem ter uma saliência cognitiva maior para o aluno, desviando seus recursos do processamento interno, encoberto (Mayer, 2004). A atividade é crucial para a aprendizagem. Mas o aspecto relevante é a atividade cognitiva e não a atividade comportamental. A aprendizagem depende de o indivíduo estabelecer associações relevantes entre fatos novos e fatos previamente conhecidos. Incorporando-os e, ao mesmo tempo, modificando a estrutura prévia de conhecimento.

Isso pode ser feito internamente, sem a necessidade de engajamento em comportamentos externamente observáveis. Do que a aprendizagem não pode prescindir é da atividade cognitiva. E atividade cognitiva pode ser estimulada de diversas maneiras. Inclusive através de instrução e exercícios.

As evidências revisadas e as considerações realizadas têm importantes implicações pedagógicas. A mais importante delas é que não há razões para privilegiar uma abordagem educacional sobre outras. A aprendizagem colaborativa por descoberta estimula o comportamento exploratório (Bonawitz et al., 2011). Mas há boas evidêncisa experimentais de que o método instrucional é mais eficiente para a aquisição de conhecimentos abstratos (Klarh & Nigam, 2004). De um modo geral, os estudos de meta-análise mostram que os programas caracterizados por um componente instrucional são mais eficazes (Alfieri et al., 2011, Hattie, 2009, Kroesbergen &  van Luit, 2003 ). As evidências científicas indicam, portanto, de que já passa da hora para que o conhecimento e a instrução formal deixem de ser as borralheiras da educação.


O desprezo pelo conhecimento factual tem um paraefeito adicional. Antigamente as professoras eram consideradas como detentoras do conhecimento. Em algumas comunidades mais remotas as professoras constituíam-se mesmo em uma espécie de baluarte com a ignorância. Se a missão de transmitir conhecimento perde significado, então as professora snão precisam mais, elas próprias, adquirir conhecimentos. Será que isso não serve também de justificativa para a preguiça e ignorância? Se a informação está toda na internet e basta se servir, então não há necessidade de lutar contra a ignorância e armazenar o conhecimento na própria cachola.

Referências

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