Moro na Roça, como se diz aqui em BH. Pelo que
entendi, do que me contaram, tudo o que fica depois do fim da linha do antigo
bonde Pampulha é a Roça. Moro encostado na UFMG, mas a doze quilômetros do
Pirulito da Praça Sete. Aqui na Roça tem alguns problemas. Já tem uma
cracolândia. Tem uma motelândia, que é resquício justamente dessa era na qual o
bairro Santa Branca ficava muito além dos confins da cidade, ou seja, da
Barragem da Pampulha. De tempos em tempos ficamos sabendo de algum assalto. Mas
os vizinhos se conhecem e as pessoas sentam no cordão da calçada para conversar
no fim da tarde. Esse, aliás, é um costume bem mineiro. Lá no interior do Rio
Grande do Sul o pessoal também senta na calçada no final da tarde para tomar
chimarrão. Mas a turma lá tem umas
cadeirinhas de alumínio apropriadas para isso. Sem precisar assentar no meio
fio.
Adoro ler Machado de Assis e Lima Barreto. Adoro a
descrição que eles fazem da vida nos subúrbios do Rio de Janeiro no início do
Século XX. Minha imaginação se povoa de nomes como Méier, Cascadura,
Mata-Cavalos, Cosme Velho etc. Nomes que não me dizem nada geograficamente, mas
que remetem a uma vida pequeno-burguesa, regrada pelos horários de bonde, por
valores ocidentais no meio do Trópico selvagem e pelas boas e velhas relações
de vizinhança.
A desvantagem de morar na Roça é ficar longe do
fervo. Para ir a um teatro, cinema ou consulta médica é uma viagem. Não tem uma
barbearia decente aqui por perto. Mas tem passarinho cantando de manhã cedo na
minha janela: bem-te-vis, sabiás, rolas, maritacas etc. Aqui em casa já
apareceram micos, gambás, cobras entre outros habitantes da floresta.
Como disse, aqui fica longe de tudo. Meu cinema
preferido é o Belas Artes. Mas fica lá no Centrão. Dá uma preguiça nos fins de
semana. Principalmente quando o mormaço bate enquanto a chuva não vem. Acabo índo
ao cinema no shopping de subúrbio mesmo. A moda agora é versões dubladas dos
filmes. No último domingo fui assistir ao filme do Tim Burton, “O orfanato da
Srta. Peregrine para crianças peculiares”.
O filme é poderoso. É daquele tipo sobre o qual a
gente sai conversando do cinema. Portentoso, delirante, genial e toda uma chuva
de adjetivos. Mas o que me interessa aqui hoje não é o filme. Mas sim, o que
aconteceu na saída do cinema. A Raquel estava na caixinha eletrônica pagando o
estacionamento e eu vi passar uma família. Pai, mãe, dois filhos, menino de dez
anos e menina de seis anos. A mãe estava abraçada ao menino e lhe explicava o
filme. Dizia assim: “ É uma metáfora da Segunda Guerra Mundial ...”
Fez-me um bem danado ouvir aquela mãe explicando o
filme para seu filho. A princípio fiquei um pouco chocado com a crueza e a
simplicidade com que ela disse na lata que é uma metáfora da Segunda Guerra.
Claro que é. Mas não sei se eu teria coragem de falar isso de modo tão óbvio. O
filme do Tim Burton do qual eu mais havia gostado até o momento é o Big Fish.
Uma expressão fantástica do amor paternal. No filme da Srta. Peregrine temos o
amor de um avõ pelo neto, o amor de um homem pela sua família de adoção, pelo
seu país, pela sua família etc. Tem os monstros também. Que podem ser os
nazistas. Mas podem ser também os terroristas islâmicos, os burocratas da União
Européia. E tem o povo peculiar da ilha...
Fiquei me lembrando de quando nossos filhos eram
pequenos e a Raquel e eu os levávamos para assistir Harry Potter. Nossos filhos
foram criados com uma ração intelectual à base de Harry Potter. Era gostoso
demais. A primeira vez que eles viram o Voldemort aparecer taparam os olhinhos.
Os filmes rendiam conversas e leituras em voz alta. Quase como se fossem os
serões da Dona Benta.
A senhora essa da metáfora da Segunda Guerra não
parecia ser rica. Era mais para modesta, mas decente. Talvez seja professora.
Por que essa cena me tocou tanto? A alegria e o conforto que senti talvez se
devam ao fato de constatar que, numa época de achincalhamento de valores, da
família, de desprezo pela História Ocidental e pela Gramática da Língua
Portuguesa, numa época em que as crianças não nascem nem meninos nem meninas, mas
sabe-se lá o quê, numa época em que impera o crime do bem etc., ainda tem uma
mãe suburbana tentando educar seu filho. O Brasil não pode estar perdido.
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