Sunday, November 01, 2020

NEUROTOPOGRAFIA DAS EMOÇÕES: Como mapear as emoções no cérebro?

A localização dos processos emocionais no cérebro é um problema bem complexo, que ficou mais complicado ainda após o advento dos métodos de neuroimagem funcional. Van Essen (2009) revisou 1300 estudos sobre neuroimagem funcional e identificou 39600 focos de ativação no cérebro, acesos por diversas tarefas cognitivas e emocionais. Considerando essa barafunda, será que é possível localizar a percepção, experenciação e expressão emocionais no cérebro? Por incrível que pareça, a resposta é afirmativa. E por mais incrível ainda que possa parecer a velha sistemática do diagnóstico topográfico em 

Como mapear as emoções no cérebro? Ainda bem que tem um caminho. Podemos recorrer ao velho modelo de localização cerebral para mapear as emoções no cérebro (vide mais detalhes em Haase et al., 2008) e Haase et al., 2010 – ambos disponíveis para download). Basicamente, o argumento é que o diagnóstico topográfico em neuropsicologia depende de um “sistema nervoso conceitual” (Hebb, 1955). Ou seja, de um modelo da estrutura funcional do cérebro. A complexidade das correlações anátomo-clinicas pode ser reduzida a um sistema de três eixos, levando em consideração a geometria do cérebro e a sua origem filo- e ontogenética. No eixo látero-lateral, são implementadas as funções executivas no pólo anterior e as funções perceptuais e representatcionais no pólo posterior. No eixo látero- lateral podem ser diferenciadas as funções analíticas do hemisfério esquerdo e as funções holísticas do hemisfério direito. Finalmente, no eixo vertical são diferenciadas as patologias corticais e as patologias subcorticais (causadas por comprometimentos dos sistemas de projeção difusa ascendente, dos núcleos da base e da substância branca).

O sistema proposto por Talairach para a neuroimagem, representa as localizações cerebrais em um espaço definido por três coordenadas. O espaço de Talairach é uma das alternativas disponíveis para formalizar a localização cerebral na estereotaxia e ressonância magnética. O diagnóstico de localização nos três eixos cartesianos tem uma longa tradição em neurologia e neuropsicologia (Luria, 1980, Figura 1). Além da distinção entre o hemisfério esquerdo e o direito, Luria chamou atenção para a separação entre o sistema de projeção ascedente (primeira unidade funcional) e o sistemas corticais posterior (segunda unidade funcional) e anterior (terceira unidade funcional).


Figura 1 - Sistema de três eixos para o diagnóstico topográfico em neuropsicologia. O eixo vertical diferencia: a) lesões corticais manifestadas por meio de síndromes neuropsicológicas clássicas como afasia, apraxia, agnosia, amnésia e assim por diante; b) comprometimentos subcorticisl caracterizados por lentidão psicomotora, déficit no funcionamento executivo. O eixo ântero-posterior diferencia: a) dificuldades  anteriores associadas a déficits na autorregulação e motilidade; b) deficiências posteriores de natureza perceptiva e representacional. Por fim, no eixo látero-lateral, são diferenciadas: a)  disfunções no hemisfério esquerdo associadas a depressão, déficits no controle motor e dificuldades com os aspectos fonológicos e sintáticos da linguagem; b) disfunções no hemisfério associadas com desregulação emocional, aprosodia e dificuldades no processamento discursivo (cf. Sbicigo et al., 2016).

Contemporaneamente o sistema de três eixos foi refinado através de duas dimensões adicionais (Figura 2). A dimensão ventral-dorsal contempla, no pólo hemisférico posterior, a distinção entre sistemas voltados para o processamento da identidade dos objetos/eventos e sistemas encarregados na localização dos objetos/eventos em um referencial espaço-temporal (Mishkin et al., 1983, Rizzolatti & Matteli, 2003). A quinta dimensão recentemente descoberta diz respeito à dicotomia entre as regiões mediais e laterais dos hemisférios cerebrais. Os estudos de neuroimagem funcional indicam que as áreas corticais hemisféricas laterais são ativadas quando a atenção se volta para os objetos físicos e para o ambiente externo. As áreas hemisféricas mediais, por outro lado, são ativadas em tarefas que requerem um foco atencional interior, no self e nas interações sociais (Lieberman, 2007). As áreas mediais dos hemisférios cerebrais, principalmente o cíngulo anterior e o precuneus, fazem parte do padrão default de ativação cerebral, o qual é relevante para a capacidade de insight (Andrews-Hanna et al., 2014, Gusnard & Raichle, 2001).

Figura 2  - Sistema de cinco dimensões para diagnóstico topográfico em neuropsicologia. O diagnóstico de localização tradicional compreende três eixos: vertical, ântero-posterior e látero-lateral (ver Figura 1). Duas dimensões são adicionadas: uma ventro-dorsal e uma médio-lateral. As deficiências dorsais são caracterizadas por déficits na referência espaço-temporal do comportamento e por disfunções de processos cognitivos descontextualizados, como memória de trabalho e inteligência geral. Os déficits decorrentes de lesões ventrais comprometem o reconhecimento da identidade de estímulos, aatribuição de valor hedônico e e autorregulação emocional. As disfunções da superfície lateral dos hemisférios cerebrais afetam o engajamento da atenção no mundo exterior, enquanto as disfunções mediais comprometem a cognição pessoal e social.

A dicotomia entre sistemas ventrais e dorsais também se aplica no pólo hemisférico anterior, sendo relevante para o comportamento emocional e transtornos psiquiátricos (Giaccio, 2006). Segundo Sanides (1969), o córtex cerebral se origina de dois meios primitivos, um sistema paleocortical com epicentro na amígdala e outro arquicortical com epicentro no hipocampo. Análises teóricas conduzidas por Tucker e colaboradores sugerem que os dois sitemas, amigdaliano-ventral e hipocampal-dorsal podem estar associados a distintos padrões funcionais e disfuncionais com relevância para a psiquiatria (Luu & Tucker, 1998, Tops et al., 2014, Tucker et al., 1995).

O sistema ventral, focalizado na amígdala, tem origem paleocortical, é lateralizado para a a esquerda, modulado pela dopamina e funciona principalmente através de feedback (Tucker et al., 1995). De outra parte, o sistema dorsal, centrado no hipocampo, tem origem arquicortical, é lateralizado para a direita, modulado pela noradrenalina e funciona basicamente por feedforward. O sistema ventral é adaptado para funcionar de modo contínuo, reativo às contingências enquanto o sistema dorsal adaptous para funcionar de modo proativo, antecipando contexto e indicando necessidade de mudar de estratégia. Segundo essa perspectiva o córtex cingular anterior, que tem origem embrionária, mista constitui uma importante instância regulatória, monitorizando os padrões de atividade, detectando e corrigindo erros, bem como auxiliando na seleção da melhor estratégia de enfrentamento (Giaccion, 2006).

Referências

Andrews-Hanna, J. R., Smallwood, J., & Spreng, N. (2014). The default network and self- generated thought: component processes, dynamic control, and clinical relevance. Annals of the New York Academy of Sciences, 1316, 29–52,

Giaccio, R. G. (2006). The dual origin hypothesis: an evolutionary brain-behaivor framework for analyzing psychiatric disorders. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 30, 526-550.

Goldman-Rakic, P. (1994). In A. M. Thierry, J. Glowinski, P. S. Goldman-Rakic, & Y. Christen (eds.) Motor and cognitive functions of the prefrontal cortex. The issue of memory in the study of prefrontal function. (pp. 112-121). Berlin: Springer.

Gusnard, D. A,, & Raichle, M. E. (2001). Searching for a baseline: functional imaging and the resting human brain. Nature Reviews Neuroscience, 2, 685-693.

Haase, V. G., Medeiros, D. G., Pinheiro-Chagas, P., & Lana-Peixoto, M. A. (2010). A "conceptual nervous system" for multiple sclerosis. Psychology & Neuroscience, 3, 167- 181 (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-32882010000200006).

Haase, V. G., Pinheiro-Chagas, P., Gonzaga, D. M., Mata, F. G., Lopes-Silva, J. B., & Géio, L. A. (2008). Um sistema nervoso conceitual para o diagnóstico neuropsicológico. Contextos Clinicos, 1, 125-138 (http://revistas.unisinos.br/index.php/contextosclinicos/article/view/5485).

Hebb, D. O. (1955). Drives and the CNS (Conceptual Nervous System). Psychological Review, 62:243-254.

Lieberman, M. D. (20017). Social cognitive neuroscience: a review of core processes. Annual Review of Psychology, 58, 259-289.

Luria, A. R. (1980). Higher cortical functions in man (2nd ed.). New York: Basic Books.

Luu, P., & Tucker, D. M. (1998). Vertical integration of neurolinguistic mechanisms. In B. Stemmer & H. A. Whitaker (eds.) Handbook of neurolinguistics (pp. 150-172). San Diego: Academic.

Mishkin M., Ungerleider, L. G., & Macko K.A. (1983): Object vision and spatial vision: ‘two cortical pathways. Trends in Neurosciences, 6, 414-417.

Rizzolatti, G., & Matelli, M. (2003). Two different streams form the dorsal visual system: anatomy and functions. Experimental Brain Research, 153, 146-157.

Sanides, F. (1969). Comparative architectonics of the neocortex of mammals and their evolutionary interpretation. Annals of the New York Academy of Sciences, 167, 404-423.

Sbicigo, J.B., Piccolo, L. R., Becker, N., Vedana, S. N., Rodrigues, J. C., Salles, J. R. & Haase, V. G. (2016). Current perspecties on the anatomo-clkinical method in neuropsychology. Psychology & Neuroscience, 9, 198-214.

Tops, M., Boksem, M. A. S., Luu, P., & Tucker, D. M. (2010). Brain substrates of behavioral programs associated with self-regulation. Frontiers in Psychology, 1, 152 (doi: 10.3389/fpsyg.2010.00152).

Tucker, D. M., Luu, P., and Pribram, K. H. (1995). Social and emotional self-regulation. Annals of the New York Academy of Sciences, 769, 213–239.

van Essen, D. (2009). Lost in localization - But found with foci? NeuroImage, 48, 14-19.


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