A discalculia do desenvolvimento é a Borralheira das dificuldades de aprendizagem. A matemática é considerada a matéria mais dificil do curriculo (Mazzocco et al., 2012). O curriculo de matemática é organizado hierarquicamente: cada nova aquisição depende da maestria sobre as etapas anteriores (Clements & Sarama, 2009). As demandas cognitivas só aumentam com a progressão do curriculo (McLean & Rusconi, 2014). Não espanta então que a matemática desperte emoções fortes, na maioria das vezes negativas (Dowker et al., 2016). Ter dificuldade em matemática é considerado "normal". Há uma série de outros estereótipos que rondam a matemática. P. ex.: "as meninas vão pior em matemática do que os meninos" (Krendl et al., 2008); "os orientais são melhores em matemática do que os ocidentais" (Aronson
et al., 1999,) .
É uma pena que seja assim. O mau desempenho em matemática é um fator de risco para baixos salários, desemprego e psicopatologia na idade adulta, mesmo quando o nível de letramento é considerado (Parsons & Bynner, 20015). Alguns indivíduos têm dificuldades graves e persistentes na aprendizagem da matemática, corrspondendo ao diagnóstico de discalculia do desenvolvimento ou transtorno de aprendizagem da matemática (Shalev et al., 2005, Wong et al., 2014). A discalculia do desenvolvimento aumenta mais ainda o risco de transtornos psiquiátricos a partir da adolescência (Auerbach et al., 20014).
Para completar o panorama, a vida na sociedade do conhecimento impõe demandas crescentes quanto ao desempenho nas áeas STEM (science, technology, engineering and mathemtatics). As habilidades cognitivas, incluindo habilidades matemática constituem o principal ativo econômico na sociedade do conhecimento (Beddington et al., 2008). Habiliade matemática é uma forma de capital, social, mental.
Seria, portanto, de se esperar que as políticas públicas se preocupassem com a melhoria do desempenho em matemática da população. Isso já está acontecendo no mundo inteiro, ou ao menos na maioria dos países que participam do PISA (Sturman, 2015). Menos no Brasil. Aqui a atual proposta de BNCC (Base Nacional Comum Curricular, proposta pelo MEC) está mais preocupada com os "temas transversais" tais como ideologia do gênero e "conscientização social". Aprender a fazer contas parece ser de importância secundária.
O nivel educacional da população se correlaciona com os indicadores de desenvolvimento econômico, justiça social, liberdade econômica e democracia (Newson & Richerson, 2009). O corolário desse fato é que oesforço que um país dispende na educação é um indicador do seu nível de desenvolvimento humano. O modo como o sistema educacional contempla as necessidades dos alunos com dificuldades de aprendizagem é um importante indicador de justiça social. Menos no Brasil. Aqui no Brasil, o estado megatério é lento, ineficiente e corrupoto. E os sindicados de professores e outros grupos de ativistas barram histericamente iniciativas legislativas para propiciar atendimento multidisciplinar a crianças com dificuldade de aprendizagem e/ou comportamento (Frias & Júlio-Costa, 2013).
A situação brasileira pode ser equiparada a um negativo, espelhando em constrastes mais fortes, a situação no mundo inteiro. Alguns países parecem ter chegado praticamente no limite do que poderia ser feito em termos de melhoria do sistema educacional. Na Finlândia, p. ex., apenas 8% dos jovens não atingem desempenho em matemática compatível com o Nìvel 2 do PISA, comparável ao do quarto ano (Brazil, 2015). A percentagem correspondente no Brasil é 75%. Parece que lá na Finlândia eles aperfeiçoram tanto o sistema educacional que a prevalência de alunos que não aprendem matemática é igual à prevalência da discalculia do desenvolvimento (Devine et al., 2013).
Junto com dois colegas europeus, estou trabalhando na edição do "International handbook of math learning difficulties: from the lab to the classroom" (Fritz-Stratmann et al., 2018). Uma das secções do livro se intitula "Math difficulties acrosse the world" e reúne capitulos de vários autores, do mundo inteiro, descrevendo a situação do diagnóstico e intervenção para alunos com dificuldades de aprendizagem de matemática em diferentes países.
A variabilidade de concepções e esforços é muito grande. Há países, como o Brasil e alguns outros poucos, nos quais não há uma política de diagnóstico e intervenção para as dificuldades de aprendizagem de matemática. Mas dá para perceber claramente que a maioria dos países se preocupa em melhorar a educação matemática da sua população, inclusive daqueles alunos que têm dificuldades.
Referências
Frias, L., & Júlio-Costa, A. (2013). Os equívocos ea certos da campanha "não à medicalização da vida". Psicologia em Pesquisa UFJF, 7, 3-12.
Fritz-Stratmann, A., Haase, V. G. & Räsänen, P. (2018). International handbook of math learning difficulties: From the lab to the classroom. São Paulo:: Springer Brazil, no prelo.
Gersten, R., Clarke, B., & Mazzocco, M. M. M. (2007). Hstorical and conemporary perspectives on mathematical learning disabilities. In D. B. Berch & M. M. M. Mazzocco (Eds.) Why is math so hard for some children? The nature and origins of mathematical learning difficulties and disabilities (pp. 7-27). Baltimore: Brookes.
Newsom, L. & Richerson, P. J. (2009). Why do people become modern? A Darwinian mechanism. Population and Development Review 35, 117-158.
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