As alterações do sistema
semântico são uma das coisas mais irritantes do envelhecimento. Esse negócio já
me pegou. E há muito tempo. A gente quer falar uma coisa e não vem o nome. Quer
se lembrar do nome de um autor e o raio não vem. Isto incomoda demais na sala
de aula. Estou careca de saber uma coisa. Já dei aula dezenas de vezes sobre
aquilo. E na hora o negócio não vem. Termina a aula e o negócio vem.
O pior é que tem uma série
de demências degenerativas, tais como a
doença de Alzheimer e a demência semântico, nas quais um dos principais sintomas
é a dificuldade com a memória semântica.
Como saber se as
dificuldades que alguém enfrenta com a memória semântica são normais ou
patológicas? A neuropsicologia cognitiva tem uma resposta para esta questão.
Uma primeira distinção
importante deve ser feita entre anomia e déficits na memória semântica. No
envelhecimento típico vão ocorrendo alterações microvasculares na substância
branca que lentificam o processamento de informação. Vão surgindo devagarinho
microlesões vasculares na substância branca, as quais aparecem nos exames de
ressonância magnéticas como pontos de hiperintensidade de sinal (leucoaraiose).
Este é o substrato neurofuncional das dificuldades de resgate que começam a
incomodar a todos a partir e uma certa idade e que já me pegaram. A informação
está lá. Não foi perdida. Mas, devido a essas disfunções da integração
córtico-cortical de longa distância, o resgate fica mais difícil, mas lento. E
às vezes falha temporariamente. Por vezes é dificultado apenas o acesso ao nome
(anomia). O indivíduo consegue se lembrar do conceito e de todos os fatos
associados. O que falta temporariamente é o acesso ano nome.
Outras vezes o problema é
com a própria informação semântica. O que não vem é o conteúdo mesmo. Nestes
casos é importante considerar uma distinção entre transtornos do acesso e
degradação das próprias representações semânticas (Warrington & Shallice,
1979). Warrington e Shallice estabeleceram uma série de critérios para distinguir
entre estas duas condições: 1) Consistência: Se a representação semântica está
degrada, o individuo deve apresentar dificuldades repetidas com determinados
itens. Nos transtornos de acesso as dificuldades são variáveis, inconsistentes
de um item para outro; 2) Priming: Na degradação da representação semântica não
ocorre o fenômeno de priming. Ou seja, a apresentação prévia de um estímulo
semanticamente relacionado não ativa o campo semântico do estímulo alvo e.
portanto, não facilita o reconhecimento deste; 3) Frequência dos itens: Itens
mais frequentes são mais consolidados na memória semântica e possuem
representações mais redundantes. Itens mais frequentes são, portanto, mais
fáceis de resgatar. No transtorno de acesso não deve haver efeito de frequência;
4) Velocidade de apresentação: Pacientes com déficits de acesso são
desproporcionalmente mais afetados pelo intervalo de apresentação entre um estímulo
e outro do que pacientes com degradação das representações semânticas.
É possível então
estabelecer uma nítida correlação estrutura-função. As dificuldades com a
memória semântica no envelhecimento típico, associadas a disfunções
metabólico-vasculares da conectividade córtico-cortical, dificultam mais o
resgate de informação e aparecem como anomia ou déficit de acesso semântico. A
degradação das representações semânticas, com déficits mais graves,
consistentes de um ensaio para outro, e não exibindo efeitos de priming, frequência
de ocorrência e velocidade de apresentação, é mais típica das doenças
degenerativas e progressivas.
Referência
Warrington, E. K. & Shallice, T. (1979). Semantic access dyslexia.
Brain, 102, 43-63.