Faz um tempo
já que eu comecei a falar sobre neuropsicologia escolar (Haase & Paiva,
2016). Tenho uma antipatia muito grande pelo termo neurociência educacional. Mas
não pela área de estudos. Sou fã da pesquisa sobre os fundamentos
neurocognitivos da aprendizagem. Só acho que a neurociência ainda não está
pronta para oferecer os subsídios científicos dos quais a pedagogia se
ressente. Principalmente se pensarmos em termos de intervenções e práticas em
sala de aula, como o nome neurociência educacional implica. Isso não quer dizer
que um dia a neurociência não tenha seu lugar na educação. Mas vai levar um
tempinho até que as pesquisas consigam um breaktrough, o qual ainda não
aconteceu.
Por outro
lado, a psicologia está aí, à mão. A psicologia, principalmente a ciência
cognitiva, tem muito a oferecer para a pedagogia. Infelizmente, pedagogia e
psicologia se divorciaram há uns cinquenta anos atrás (Haase & Júlio-Costa,2015, Haase et al., 2015). Os pedagogos continuaram no caminho do construtivismo,
cultivando a memória de autores como Vygotsky, Piaget e Wallon. A psicologia,
por outro lado, aliou-se à ciência cognitiva e tem se utilizado de ferramentas
computacionais teóricas e metodológicas para explorar a arquitetura da mente
humana. Esse processo está culminando atualmente na neurociência cognitiva. A
neurociência cognitiva utiliza-se de modelos cognitivos para estabelecer
conexões entre o cérebro e o comportamento.
É natural,
portanto, que se comece a pensar sobre as eventuais aplicações de achados
neurocientíficos no contexto escolar. Essa é uma área de pesquisa que está
fervilhando e já amadureceu a ponto de contar com uma associação científica e
periódicos especializados tais como Mind, Brain and Education and Trends in
Neuroscience and Education.
Mas a
neurociência cognitiva ainda não amadureceu a ponto de gerar suas próprias
hipóteses, de reformular paradigmas. Não amadureceu a ponto de conseguir
oferecer sugestões que modifiquem as práticas em sala de aula, o que é sua
grande ambição (Bowers, 2016). A pesquisa em neurociência cognitiva, na minha
modesta opinião, tem se restrito a testar e corroborar hipóteses levantadas
previamente pela psicologia. A neurociência cognitiva ajuda a validar
construtos da psicologia, mostrando que eles têm substratos neurais
diferenciados e, por causa disso, possivelmente correspondem a entidades reais
ainda que abstratas. Ou seja, é possível falar sobre neurociência e educação
como uma área interdisciplinar e promissora de pesquisa. Mas ainda não existe
uma neurociência educacional como uma ciência estabelecida com pressupostos
teórico-metodológicos e aplicações específicas.
A
psicologia, por outro lado, está aí há quase 150 anos. Infelizmente,
importantes avanços da psicologia com aplicação potencial para a sala de aula
têm sido negligenciados (Haase & Júlio-Costa, 2015, Haase et al., 2015).
Vou comentar sobre dois, os problemas de comportamento e a manutenção da
disciplina em sala de aula e as limitações quanto à capacidade de processamento
na memória de trabalho.
Disciplina
não-coerciva em sala de aula
A análise
aplicada do comportamento se baseia na utilização dos princípios de análise
funcional do comportamento desenvolvidos pela tradição behaviorista em
psicologia (Vargas, 2009, vide também Haase et al., 2016). A análise aplicada do comportamento caracteriza a
topografia do comportamento (frequência de ocorrência, intensidade etc.),
identificando logo a seguir seus antecedentes e consequentes. Análises
sistemáticas das relações entre o comportamento e seus antecedentes e conseqüntes
permitem identificar as funções do comportamento e sugerem procedimentos para
sua modificação.
A partir da
análise funcional é possível identificar uma meia dúzia de funções que o
comportamento pode assumir, tais como reforçamento (busca de atenção,
comunicação, acesso a privilégios), esquiva (evitação de punições) e
auto-estimulação (por falta ou excesso de estímulos). A identificação das
funções do comportamento permite formular intervenções para modificá-lo.
Programas eficazes de intervenção comportamental foram desenvolvidos para
lidar, por exemplo, com questões disciplinares em sala de aula (Vargas, 2009).
Quando o
aluno se comporta mal em sala de aula, a tendência da professora é usar algum
tipo de punição para tentar resolver o problema. O efeito paradoxal da punição
é que ela só piora o comportamento inadequado a longo prazo. No curto prazo a
punição cessa o comportamento inadquado, mas aumenta a sua probabilidade de
ocorrência em um prazo maior.
Isso ocorre
porque a punição coloca o comportamento inadequado em evidência. Alguns alunos
com problemas comportamentais ou cognitivos somente conseguem chamar atenção através
do comportamento inadequado. A punição funciona então como um modo de dispensar
atenção, o qual reforça o comportamento inadequado.
Os efeitos
colaterais da punição também contribuem para a sua ineficácia e precisam ser
considerados. Fatores associados aos efeitos colaterais são o uso inconsistente
da punição, punições desproporcionais à falta, risco de injustiça humilhação
e/ou revolta, raiva e perda de controle, modelo agressivo, risco de abuso etc.
Considerando a sua indeficácia e o seu potencial de efeitos colaterais, a
punição somente deveria ser utilizada como último recurso e com muito cuidado.
A análise
aplicada do comportamento propõe uma filosofia disciplinar não-coerciva,
implementando procedimentos de reforçamento diferencial, modelagem e
aprendizagem sem erro. Evita-se a todo o custo o uso de punição. Os comportamentos
inadequados são ignorados dentro dos limites do razoável. A atenção do adulto
concentra-se sobre o comportamento adequado, o qual é então reforçado e aumenta
de frequência. A exigência curricular deve ser rebaixada de modo que esteja ao
alcance do aluno com um pequeno esforço (aprendizagem sem erro ou experiência
programada de sucesso) e o comportamento é reforçado desde que se aproxime
ainda que de forma imperfeita ao comportamento adequado (modelagem).
Uma campanha
publicitária veiculada recentemente, e tendo uma atleta paraolímpica como mediadora,
conclamava os jovens a se comportarem bem em sala de aula. Dizia a peça
publicitária que as professoras gastam um tempo considerável em sala de aula
lidando com questões disciplinares. Se isso é assim, programas comportamentais
baseados na filosofia de disciplina não-coerciva porém eficiente poderiam
fornecer subsídios à atuação das professoras.
Os
comportamentos inadequados são freqüentemente agravados pela sobrecarga
cognitiva que muitos métodos de ensino impõem ao não considerarem as limitações
da capacidade cognitiva humana e sua variabilidade interindividual.
Limitações
da capacidade de processamento na memória de trabalho
DanielWillingham é um psicólogo cognitivo da
Universidade da Virginia, que escreve uma coluna mensal na revista American
Educator: “pergunte ao cientista cognitivo”. Willingham (2011) escreveu um
livro fantástico procurando responder à questão: por que os alunos não gostam
da escola? A resposta dele é muito simples. Os alunos não gostam da escola porque
os métodos pedagógicos atualmente empregados não levam em consideração as
limitações de capacidade de armazenamento e processamento na memória de
trabalho.
A
aprendizagem escolar pode ser explicada por uma arquitetura cognitiva muito
simples, composta por memória de longo prazo, memória de trabalho e motivação.
Essa é a teoria simples da aprendizagem. A memória de longo prazo corresponde a
todas as formas de conhecimento previamente acumulados, incluindo conhecimento conceital
(princípios das operações aritméticas), factual (tabuada de multiplicação) e
procedimental (algoritmos de cálculo).
Sempre que o
aluno se defronta com uma situação potencialmente problemática, a mesma é
representada na memória de longo prazo. Inicia-se então um processo de busca
por uma solução previamente aprendida e armazenada na memória de longo prazo.
Caso essa solução esteja disponível, não existe mais problema. Quando a solução
não está disponível na memória de longo prazo, ela pode ser procurada no
ambiente (Google, Wikipedia, cola etc.). Se a solução não for facilmente acessível
no ambiente, o aluno está enfrentando um problema real. Um problema para o qual
precisa criar um modelo mental que lhe permite adaptar uma solução antiga por
analogia ou criar uma solução totalmente nova.
É aí que a
porca torce o rabo. Willingham comenta que as pessoas gostam dos resultados do
pensamento mas abominam o processo de pensamento. Pensar exige processamento
controlado e, por consequência, ativação da memória de trabalho. Exige esforço
mental continuado, atenção e, ainda por cima, é sujeito a erro. Isso tudo faz
com que o processo de busca de uma solução possa ser percebido como aversivo. A
ativação da memória de trabalho exige portanto motivação, uma fonte de energia
que garante o foco continuado na tarefa apesar do esforço.
A abordagem
construtivista atualmente prevalente na educação privilegia a aprendizagem pela
descoberta e colaboração. É valorizada a atividade do aprendiz, sua capacidade
de reflexão e enfrentamento de situações problemáticas, o engajamento ativo na
busca por soluções. No mais das vezes os problemas são apresentados de forma
contextualizada, próxima à realidade da criança. Por isso mesmo os problemas
são mal definidos e não comportam uma
solução correta, mas uma solução ótima que precisa ser selecionada entre
uma série de alternativas.
Nessas
formas mais contextualizadas de instrução, a solução do problema passa por um
processo de busca de informações que permitam uma melhor estruturação verbald o
problema. A partir da descrição do problema é, então, necessário gerar soluções
possíveis, pensar nas suas consequências, definir um critério e, a seguir,
selecionar e implementar a solução mais promissora.
Esse
processo todo é altamente complexo, engajando e muitas vezes sobrecarregando a
capacidade de processamento na memória de trabalho. Como a ativação da memória
de trabalho é aversiva e exige motivação, os alunos na maioria das vezes
recorrem ao método da tentativa e erro para solucionar os problemas propostos.
Todavia, o esforço em encontrar a solução para um problema contextualizado
porém mal definido pode comprometier a aprendizagem no sentido de memorização,
ou seja, de incorporação de conhecimento à memória de longo prazo.
Um
complicador adicional é o fato de que a capacidade de processamento na memória
de trabalho, fortemente correlacionada ao fator g da inteligência, é
susceptível a enorme variabilidade interindividual. Face a essas
circunstãncias, o benefício advindo da aprendizagem por descoberta é maior para
os alunos mais bem dotados cognitivamente. Sendo os alunos com mais dificuldades
prejudicados.
A motivação
é outro limitador. Crianças com dificuldades para postergar a recompensa, tais
como indivíduos com TDAH, podem ter muita dificuldade para manter a memória de
trabalho suficientemente ativa de modo a propiciar a aprendizagem. Eis aí a
razão pela qual o TDAH tão freqüentemente se associa a baixas notas e/ou
dificuldades de aprendizagem (Pondé et al., 2012).
A
aprendizagem colaborativa, por outro lado, exige habilidades sociais, as quais
também são objeto de enorme variabilidade interindividual. Crianças e jovens
com TDAH, autismo, timidez e ansiedade social podem ter, portanto, sua aprendizagem
prejudicada nessas circunstâncias.
Se a análise
de Willingham (2011) estiver correta, implicações diretas podem ser derivadas
para a sala de aula. As principais são as práticas instrucionais formais e a
importância da aquisição de conhecimento. Sweller e cols. (2011) desenvolveram
a teoria da sobrecarga cognitiva, da qual deriva a explicação de Willingham da
falta de apreço dos alunos pela escola. Segundo a teoria da sobrecarga
cognitiva, os métodos instrucionais formais tais como a aula magistral, os
exercícios demonstrados e o ensino programado precisam ser resgatados e
empregados complementarmente às estratégias de aprendizagem por descoberta e
colaboração (vide também Christodoulou, 2014, Hattie, 2009).
Finalmente,
a teoria da sobrecarga cognitiva enfatiza a importância do conhecimento
previamente adquirido. De acordo com Hirsch (2006) a perspectiva construtivista
na educação tem negligenciado a aquisição de conhecimento. A educação pretende
ir além da mera transmissão de conhecimento (vide também Haase et al., 2015). Mas,
se a educação não consegue transmitir os conhecimentos necessários, como alcançar
seus objetivos adicionais?
Uma
ideologia frequente na área da educação é de que a mesma deve enfatizar a
compreensão em detrimento do conhecimento (Freire, 2000). De fato, não adianta
nada memorizar fatos ou executar precisamente algoritmos se o seu significado
escapa à compreensão do indivíduos. Mas é também de pouca serventia compreender
algum fato ou procedimento para logo a seguir esquecê-lo por falta de prática
sistemática.
Os estudos
realizados na psicologia cognitiva vão na direção contrária. Mostram como o
conhecimento prévio é fundamental para a aquisição de novos conhecimentos.
Aprender significa assimilar novos conhecimentos à rede anteriormente
disponivel, acomodando-a às necessidades impostas pelo novo conhecimento. Isso
exige esforço deliberado e elaboração semântica na memória de trabalho.
A psicologia
cognitiva da aprendizagem e memória evoluiu tanto, que já está em condições de
fazer recomendações explícitas para as práticas em sala de aula (Brown et al.,
2014). Um dos resultados mais surpreendentes é a descoberta da função que a
testagem ou exame de conhecimentos desempenha na aprendizagem. Inúmeros estudos
demonstram convincentemente que uma prova ou verificação de conhecimentos pode
contribuir muito mais para a aprendizagem do que a simples leitura repetida. A
razão é simples, a prova demanda elaboração semântica e, com isso, facilita a
integração dos novos conhecimentos àqueles previamente adquiridos.
Esses
resultados da psicologia cognitiva referentes ao papel dos exames escolares na
aprendizagem vão na contramão de diversos modismos pedagógicos. Recentemente a
mídia divulgou que a Secretaria de Educação de Mato Grosso do Sul estaria
pensando em abolir as aulas e as provas nas escolas da rede pública.
A proposta se baseia nas ideias do famoso pedagogo português José Pacheco,
idealizador da badaladíssima Escola da Ponte.
Segundo
Pacheco, ninguém aprende nada na aula.
Quer dizer, durante milhares de anos a Humanidade desenvolveu e aperfeiçou uma
tecnologia de transmissão e geração de conhecimento, a aula magna, a qual favoreceu
todo o desenvolvimento tecnológico vivido nos últimos anos, e aí vem o Pacheco
fala que tudo isso está errado. Que os moleques devem ficar descobrindo a
cultura superior por conta própria. Para quê a escola então? As professoras são
mais bacanas do que os pais?
Que
despautério! Vão retirar das crianças sul-matogrossenses a oportunidade de
aprender através de aulas e provas. Enquanto isso as crianças chinesas e
indianas estão recebendo uma educação da melhor qualidade. Os chineses e
indianos aprendem a ler Dante e Shakespeare, sem prejuízo à sua própria
cultura. Só falta que nós brasileiros voltemos a andar pelados na floresta.
Neurociência
educacional? Ainda não
Como a
situação do ensino no Brasil e no resto do Mundo vai de mal a pior. Os
educadores e policy makers estão desesperados por uma tábua da salvação. A
neurociência é a bola da vez. Só que a neurociência não vai resolver nada. Pelo
manos não no curto prazo. Muita pesquisa básica ainda é necessária. A
neurociência anda não chegou na fase de pesquisa translacional, que permita
pensar em uma aplicação mais direta ao contexto de sala de aula.
Uma das
melhores críticas a essa onda de neurociência educacional que tive oportunidade
de ler, foi apresentada por Bowers (2016). Jeffrey Bowers
é um professor de psicologia cognitiva experimental na Universidade de Bristol,
especializado nas áreas da memória e linguagem. O texto integral do artigo de
Bowers pode ser acessado aqui (http://research-information.bristol.ac.uk/files/58560169/bowers.educational_neuroscience.in_press.pdf).
O artigo de
Bowers foi publicado na Psychological Review, o principal periódico teórico de
psicologia. Publicar um artigo lá é uma façanha. Fico imaginando o processo de escrutínio
a que o trabalho foi submetido pelos críticos mais ferozes. Considere-se apenas
o apelo midiático da neurociência educacional para aquilatar a contudência da
revisão.
O que o
Bowers fala? Não vou ficar resumindo o seu artigo aqui. Esse não é meu
objetivo. Vou apenas mencionar as três conclusões principais a que sua revisão
e reflexão conduziram. O primeiro ponto é que muitos resultados da neurociência
educacional são triviais. Ou seja, são diretamente derivados do bom senso e
higiene e não acrescentam nenhum conhecimento novo. Não precisamos de nenhuma
neurociência para saber que alimentação adequada, exercício físico, sono reparador, incentivo, carinho e
significado na vida são pré-requisitos importantes para a aprendizagem escolar.
O segundo
ponto é que muitos resultados da neurociência educacional consistem apenas de
confirmações e/ou aprimoramento de hipóteses que já haviam sido adiantadas pela
psicologia cognitiva. Considere-se, por exemplo, o modelo de aprendizagem como
aquisição de hábitos ou habilidades. Esse modelo já tinha sido proposto por William
James em 1890. Posteriormente a aprendizagem como aquisição de hábitos foi
retomada na Década de 1970 e redescrita como um processo de evolução do
processamento controlado para o automático (Schneider & Shiffrin, 1977,
Shiffrin & Schneider, 1977). Mais recentemente, a neuroimagem funcional
demonstrou convicentemente que esse processo consiste na mudança do foco de
ativação do córtex prefrontal para regiões corticais posteriores à medida que a
aprendizagem ocorre (Zamarian et al., 2009). A neurociência não traz novidade
nenhuma, apenas corrobora um modelo proposto no Século XIX.
A grande
questão por trás disso tudo não é se o modelo de aprendizagem como aquisição de
habilidades é fundamentado em tal ou qual tipo de evidências empíricas, quer
sejam experimental-psicológicas ou neurocientíficas. O nó da questão é se os
pedagogos estão dispostos a trabalhar com um tal modelo. Tudo indica que não
(Frias & Júlio-Costa, 2013a,b). A julgar, por exemplo, pelo fato de que o
Patrono da Educação Brasileira é Paulo Freire (2000), um autor que não poupou
esforços em criticar aquilo que ele chama de redução da educação à transmissão
do conhecimento.
Segunda essa
óptica, a educação deveria ter objetivos mais elevados, mais nobres. Deveria
almejar a formação da cidadania, o pensamento crítico, o juízo moral etc. Mas é
o caso de perguntar como desenvolver essas nobres e românticas intenções sem
adquirir as habilidades mais corriqueiras de leitura de palavras, interpretação
de textos e aritmética?
Isso não
significa entretanto, que a neurociência não tenha contribuído com
conhecimentos novos e relevantes para o contexto educacional. Diversos estudos
de neuroimagem funcional têm mostrado que o hipocampo é ativado em crianças por
ocasião da memorização dos fatos aritméticos (Menon, 2016). Esse dado é
compatível e previsível a partir dos conhecimentos previamente addquiridos de
que o hipocampo desempenho um papel crucial na consolidação da memória de longo
prazo. Alguns estudos de neuroimagem funcional mostram ainda que, muitas vezes,
os processos de aprendizagem desencadeiam modificações na estrutura funcional
do cérebro, as quais são detectáveis antes que se expressem sob a forma de
mudanças no comportamento. É o caso de um estudo de Supekar e cols. (2013), no
qual foi observado que as modificações nos padrões de ativação hipocampal
precedem a demonstração comportamental da aprendizagem dos fatos aritméticos.
Esses
resultados da neurociência são imortantes e relevantes para a educação. Mesmo
assim, não fica clara a aplicabilidade desse tipo de resultado à sala de aula.
Contribuiria, no caso, para validar mais precocemente procedimentos
instrucionais, antes que os efeitos comportamentais se fizessem sentir... Qual
seria a vantagem de identificar precocemente que um procedimento instrucional
funciona se para isso é preciso usar uma tecnologia cara, complexa e também
sujeita a erro? No final das contas o critério de eficácia de uma intervenção
pedagógica sempre será comportamental. Ou seja, a prova de conhecimentos ou a
utilização efetiva dos conhecimentos na vida real.
O terceiro e
último ponto é que muitos supostos achados da neurociência não passam de
picaretagem. Sobre isso não há necessidade de tecer quaisquer comentários. Importa,
entretanto, recomendar obras que auxiliem pais e educadores a identificar a
base evidencial que fundamenta as boas práticas educacionais (Christodoulou,
2014, Willingham, 2012).
Essas
críticas não significam, entretanto, que a neurociência não se revista de
potencial para aplicação direta na sala de aula. Ao contrário, é possível ser
otimista e vislumbrar aplicações diretas da neurociência e o desenvolvimento de
uma nova disciplina, a neurociência educacional. Basta mencionar dois exemplos:
o desenvolvemento de drogas que sejam seguras e, ao mesmo tempo, promovam a
aprendizagem (Schrag, 2011) e a utilização de neurofeedback para induzir
estados mentais/cerebrais que induzam a aprendizagem (Holtmann et al., 2014).
Apesar de
parecer prematura e de, muitas vezes incorrer no risco de picaretagem, esse
papo de neurociência educacional pode não ser totalmente inútil. Considerando o
divórcio ocorrido entre a psicologia cognitiva e a pedagogia e as suas
profundas diferenças epistemológicas (Frias & Júlio-Costa, 2013a,b, Haase
& Júlio-Costa, 2015, Haase et al., 2015). A conversa sobre neurociência
educacional pode ser uma boa estratégia para atrair os educadores à causa da
educação baseada em evidências, fundamentada no teste de hipóteses. Nâo importa
se as hipóteses são testadas experimental-psicologicamente ou
neurocientificamente. O que importa é testar hipóteses, quebrando a hegemonia
dos estudos puramente qualitativos, da análise do discurso e da crítica ideológica.
A neurociência educacional tem o mérito de chamar atenção e seduzir as mentes
dos educadores para o fato de que os problemas educacionais não se reduzem a
questões político-ideológicas.
Neuropsicologia
escolar? Já passa da hora
Se a
neurociência educacional ainda é uma promessa, a neuropsicologia escolar já é
uma realidade. Eu tenho usado o termo neuropsicologia escolar para me referir
especificamente à aplicação da neuropsicologia do desenvolvimento no contexto
escolar (Haase & Paiva, 2016).
Como
interface entre a neurociência e a psicologia, a neuropsicologia tem todas as
condições de contribuir para o processo educacional, tanto fora quanto dentro
da sala de aula. Vou discutir aqui apenas algumas possiblidades. Uma revisão
mais abrangente foi realizada por Haase e cols. (2016). É importante ressaltar,
entretanto, que as principais contribuições da neuropsicologia à educação são
indiretas e relativamente modestas.
Tomando a
revisão de Haase e cols. (2016) como fio condutor, é possível identificar as
seguintes contribuições da neuropsicologia escolar:
1. A neuropsicologia contribui para o
diagnóstico médico, auxiliando a identificar condições de saúde, principalmente
neuropsiquiátricas, com potencial para afetar a aprendizagem escolar;
2. A neuropsicologia permite caracterizar
o fenótipo cognitivo do aluno em termos de processos psicológicos e
psicossociais comprometidos e preservados e essa caracterização é essencial
para o planejamento de estratégias educacionais eficientes que promovam o
desenvolvimento da criança;
3. A neuropsicologia permite a
identificação de comorbidades ou padrões de comprometimento múltiplo que tendem
a agravar as dificuldades de comportamento e aprendizagem;
4. A avaliação neuropsicológica permite
caracterizar a relevância de dificuldades emocionais e motivacionais para a aprendizagem;
5. A partir dos dados neuropsicológicos é
possível identificar estratégias restitutivas ou compensatórias que permitam
aperfeiçoar as estratégias instrucionais;
6. Principalmente através da estimação do
QI, a neuropsicologia auxilia no estabelecimento de um prognóstico e, portanto,
de expectativas realistas que norteiem o processo educacional, sem
sobrecarregar o aluno mas também sem deixar de promover seu desenvolvimento;
7. A análise funcional do comportamento permite
formular hipóteses que norteiem intervenções disciplinares não-coercivas porém
eficazes, aliviando a sobrecarga emocional da professora e promovendo o
desenvolvimento do aluno.
Relendo os
pontos mencionados acima, o que chama atenção é o caráter eminentemente
psicológico de muitas dessas contribuições. Mencionei que a neuropsicologia
fica na interface da neurociência e da psicologia.
Mas o que a
neuropsicologia traz da neurologia é a doutrina do localizacionismo ou correlação
anátomo-clinica. Segundo essa perspectiva, a atividade mental complexa e o
comportamento podem ser analisados em termos de subprocessos ou subdomínios.
Cada um deles implementado por redes neurais relativamente autônomas e
possivelmente comprometidas de forma indepentes.
A doutrina
da correlação anátomo-clinica permitiu caracterizar padrões segregáveis de
processos psicológicos comprometidos e preservados. Muitos desses padrões
formam duplas-dissociações, indicando que processos distintos são implementados
por substratos neurais diferenciados. Esses resultados contribuíram para a
validação de diversos construtos psicológicos, tais como as distinções entre
memória de trabalho e de longo prazo, memórias episódica, semântica e procedimental
etc. Assim, os resultados da neuropsicologia permitem aperfeiçoar os modelos
cognitivos atualmente empregados.
A correlação
anátomo-clinica tem um papel importantíssimo na neurologia. O diagnóstico
topográfico permite uma redução brutal no campo de busca por um diagnóstico
nosológico ou etiológico. O diagnóstico de localização viabiliza e aumenta a
margem de segurança, diminuindo a margem de erro do diagnóstico nosológico e/ou
etiológico.
Mas a
importância do diagnóstico nosológico ou etiológico no contexto educacional é
menos direta. O diagnóstico nosológico e a caracterização dos fenótipo
cognitivo permitem uma melhor compreensão do funcionamento da criança e do impacto cognitivo e psicossocial
dos seus problemas. O que se reveste de relevância, entretanto, para as práticas
em sala de aula são as estratégias cognitivo-comportamentais desenvolvidas na
psicologia para promover a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno. Vemos
então novamente que a pedagogia precisa urgentemente de mais psicologia e não
de mais neurociência. A psicologia pode ser compreendida como uma espécie de
mediadora entre a neurociência e pedagogia. Eventuais contribuições da
neurociência à pedagogia somente serão possíveis se elas puderem ser psicologicamente
interpretáveis e implementáveis sob a forma de procedimentos cognitivos,
comportamentais e, eventualmente biológicos.
Mais do que
psicológica, porém, a principal contribuição da neuropsicologia é clinica,
fenomenológica. Os maiores elogios que já ouvi na vida foram ditos por mães que
me falaram como eu tinha sido bem sucedido na anamnese de captar suas
percepções sobre os problemas de seus filhos. Ou então de mães que me
agradeceram por ter ajudado a melhor compreender as necessidades e virtudes de
seus filhos.
Referências
Nota: Para
algums referências de acesso livre são fornecidos os links para o texto
integral. Basta clicar sobre o título.
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