Haase, V. G. (2014);
“Lei da Palmada”: solução errada para um problema grave. Laboratório de Neuropsicologia
do Desenvolvimento (LND-UFMG) (Clique aqui).
A opinião pública
brasileira foi mobilizada nos últimos dias em função da chamada “Lei da
Palmada”. Inclusive porque a aprovação do projeto de lei em uma comissão da
Câmara de Deputados contou com a presença da famosa atriz Xuxa Meneghel,
notória entre outras coisas por aparecer seviciando um menor de idade em um
filme erótico de 1982 (Wikipedia 2014a). Neste artigo vou discutir as razões
pelas quais a “Lei da Palmada” é mais
uma solução errada para um problema social gravíssimo.
O que é a “Lei da Palmada”?
“ “Lei da Palmada” ou “Lei Menino Bernardo” são os nomes usados para se referir ao projeto de lei 7672/2010, o qual foi aprovado na Comissão de Constituição e Justição da Câmara de Deputados no dia 21 de maio de 2014. Segundo a Wikipedia, “o projeto prevê que pais que maltratarem os filhos sejam encaminhados a programa oficial de proteção à família e a cursos de orientação, tratamento psicológico ou psiquiátrico, além de receberem advertência. A criança que sofrer a agressão, por sua vez, deverá ser encaminhada a tratamento especializado. A proposta prevê ainda multa de três a 20 salários mínimos para médicos, professores e agentes públicos que tiverem conhecimento de agressões a crianças e adolescentes e não denunciarem às autoridades” (Wikipedia, 2014b).
Quais os problemas
associados com a disciplina punitiva?
O principal
problema com as práticas disciplinares punitivas é a escalação para o abuso e
maus-tratos. A negligência, abuso físico e sexual, e os maus-tratos morais e físicos na infância
constituem os principais fatores de risco para psicopatologia na adolescência e
idade adulta (de Assis et al., 2009, Haase, 2009, Horta, 2012).Os maus tratos e
a disciplina inconsistente ou punitiva constituem fatores de risco, p. ex.,
para depressão (Caspi et al., 2003) e comportamento anti-social (Caspi et al.,
2002). O risco de abuso e maus-tratos é maior para crianças portadoras de
deficiência ou alguma doença crônica (Haase, 2009, Sullivan & Knutson, 2000,
Verdugo & Bermejo, 1997). A adoção de padrões disciplinares mais brandos e
consistentes, baseados no incentivo e não na punição se reveste, portanto, de
um enorme potencial para reduzir o risco de psicopatologia.
Quão freqüentes
são as práticas disciplinares punitivas?
É difícil avaliar
a freqüência do uso de punição como prática disciplinar. O senso comum e a
experiência clinica indicam, entretanto, que a punição é a prática disciplinar
mais freqüentemente empregada por pais e professoras. A determinação da
prevalência de abuso e maus-tratos também é problemática. Estudos baseados em
estatísticas oficiais, como p. ex.,
registros policiais, são mais objetivos, porém tendem a subestimar o problema.
Estudos de auto-relato, por outro lado, são mais subjetivos e tendem a superestimar
o problema. Stoltenborgh e cols. (2013) conduziram uma metanálise, analisando
dados sobre a prevalência de abuso físico contra crianças do Mundo todo,
incluindo 168 amostras diferentes e quase 10000 participantes. As taxas de
prevalência estimadas foram de 2/1000 usando medidas objetivas e 226/1000
usando medidas de auto-relato. As prevalências maiores foram obtidas nos
estudos que se utilizaram de medidas menos estritas, observaram os
participantes por mais tempo e investigaram populações adultas, principalmente
com nível universitário, usando questionários com um número maior de perguntas.
Não foram observadas diferenças geográfico-culturais importantes quanto à
prevalência de abuso físico. É muito difícil, portanto, estimar a prevalência
de abuso físico na infância. Mas o problema existe e é grave. Uma dificuldade
adicional é que a frequência das práticas punitivas se distribui de forma
contínua, variando de um xingão ou palmadinha à toa até agressões mais graves.
Não exitem estatísticas populacionais brasileiras sobre a prevalência de abuso
e maus-tratos físicos, mas o problema tem despertado interesse crescente por
pesquisadores da área de saúde e educação (de Assis et al., 2005, Pires &
Miyazaki, 2005).
Por que a punição
não funciona como método disciplinar?
As pesquisas em
análise aplicada do comportamento mostram claramente que a punição é o método
menos eficiente para modificar o comportamento alheio (Baldwin & Baldwin,
2001, Kazdin, 2013). A punição funciona apenas a curto prazo. O comportamento
inadequado cessa imediatamente. Mas, a longo prazo o comportamento inadequado
tende a retornar. Da perspectiva da criança, sempre vale à pena se arriscar e
se comportar mal. A mãe pode não estar prestando atenção. O pai não ficar
sabendo. Ou naquele dia os pais podem estar extremamente bem-humorados e deixar
pra lá. Além de ser ineficiente, a punição se associa a uma série de efeitos
colaterais: a) As punições podem ser
injustas quando, erroneamente, o indivíduo é castigado por uma falta que não
cometeu; b) Os pais ou professores podem exagerar na dose, punindo o indivíduo
com mais rigor do que o merecido, também gerando sentimentos de injustiça; c) A
punição desmoraliza a criança, contribuindo para diminuir a auto-estima e a
auto-eficácia. A punição não é o método mais adequado quando o objetivo é criar
indivíduos prossociais e proativos; d) A punição pode gerar revolta, e a
revolta, aliada ao sentimento de injustiça, pode aumentar a intensidade e
frequência dos comportamentos inadequados; e) É muito difícil manter práticas
punitivas consistentes. Numa ocasião o comportamento inadequado é punido,
noutra não. Por vezes os pais cedem,
deixam pra lá e, assim, reforçam negativamente o mau comportamento, aumentando
a frequência deste. A inconsistência contribui para desmoralizar a autoridade
dos adultos; f) Geralmente, a punição é emitida como solução extrema, após o
adulto haver tentado diversas manobras. Depois de tentar várias medidas para
interromper o comportamento inadequado, o adulto perde a paciência e pune a
criança. Como a punição é emitida em um contexto de raiva, isto pode contribuir
para gerar sentimentos de culpa e comportamentos reparativos por parte do
adulto. Concorrendo mais ainda para desmoralizar a autoridade; g) Associada a
manifestações emocionais extremanente negativas, a punição pode inspirar medo e
ter um efeito traumatizante sobre a criança; h) A punição modela comportamentos
agressivos, ensinando o indivíduo que a administração de estímulos aversivos é
um método aceitável de modificação do comportamento alheio; i) Quando a criança
é teimosa e não obedece, o adulto tende a aumentar a intensidade da punição,
incorrendo no risco de abuso e/ou maus-tratos. A análise do comportamento
indica então, claramente, que a punição deve ser evitada a todo custo como
medida disciplinar. Devendo ser reservada como último recurso em situações
muito específicas.
Por que os
pais punem os filhos?
As causas do
comportamento parental abusivo podem ser divididas em proximais e distais. A
principal causa proximal é o estresse (Belsky, 1993, Maia & Williams, 2005).
As causas distais devem ser procuradas nos mecanismos evolutivos da família
humana (Belsky et al., 1991, Haase, 2009). Do ponto de vista evolutivo pode
parecer um contrassenso que os pais negligenciem ou maltratem seus filhos, uma
vez que a continuidade da linhagem gênica depende do sucesso reprodutivo da
prole. O paradoxo aparente pode, entretanto, ser resolvido se considerarmos que
a ecologia reprodutiva humana é muito variável. Adotar uma estratégia
qualitativa de ter poucos filhos e investir mais na prole só funciona se a
disponibilidade de recursos no ambiente for adequada, se a mortalidade infantil
e juvenil for baixa. Em ambientes de escassez de recursos, alta prevalência de
desnutrição e de mortalidade infantil e juvenil, uma estratégia reprodutiva
menos baseada na qualidade do investimento parental e mais na quantidade da
prole gerada pode ser adaptativa. Se a chance de a prole não sobreviver para se
reproduzir for alta, a estratégia adaptativa é ter um número maior de filhos,
às custas de uma menor capacidade de investimento parental no seu
desenvolvimento. Apesar de a prole criada ser menos capacitada
sócio-competitivamente, seu número maior garante estatisticamente uma chance de
enviar os genes para as gerações subseqüentes. A partir destas considerações
evolucionárias surgiu a hipótese de que as experiências iniciais de vida podem
desempenhar um importante papel adaptativo, sinalizando para o indivíduo o tipo
de ambiente físico e social que ele enfrentará na idade adulta e que tipo de
habilidades ele precisará desenvolver para enfrentar as circunstâncias de vida
(Belsky et al., 1991, Chisholm & Burbank, 2001, Ellis, 2004, Haase, 2009,
Pluess & Belsky, 2011). É importante ressaltar que o fato de a estratégia
reprodutiva quantitativa associada a menor qualidade do investimento parental
ser evolutivamente adaptativa, não significa que ela seja moralmente aceitável
ou desejável. Mas entender isto é fundamental para o planejamento de políticas
públicas, a longo prazo a negligência e abuso infantis somente reduzir-se-ão
caso seja propiciado um ambiente mais estável e afluente para as famílias
criarem seus filhos.
O que está errado
com a “Lei da Palmada”?
A “Lei da Palmada”
é mais uma iniciativa desastrada dos nossos governantes e legisladores. Mais um
resultado da falta de planejamento, falta de assessoria, enviesamento
ideológico, voluntarismo e ausência de embasamento técnico-científico das
nossas políticas públicas nas áreas de educação e saúde. Logo que entrou no
governo, o Lula pretendia acabar com a fome no Brasil (de Vasconcelos, 2005).
Pouco depois foi divulgado que a fome no Brasil era muito menor que se pressupunha
e vinha diminuindo há vários anos (Batista Filho & Rissin, 2003). O contingente
de indivíduos desnutridos no Brasil (20%) é inferior ao de indivíduos com
sobrepeso ou obesidade (30%). E o sobrepeso é especialmente prevalente nas
camadas mais pobres da população (Batista Filho & Rissin, 2003, Coutinho et
al., 2008, Ferreira & Magalhães, 2005, Monteiro, 2003). Foi constatado, na
verdade, que desde a década de 1970 ocorre no Brasil uma tendência secular de
progressiva diminuição da desnutrição e aumento do sobrepeso (Batista Filho
& Rissin, 2003). Como esta tendência antecede a chegada do Partido dos
Trabalhadores ao Governo Federal, muito provavelmente ela se deve mais ao
processo de modernização econômica (Newson
& Richerson, 2009) do que a qualquer política governamental específica.
O mesmo acontece
com o problema da violência doméstica (de Assis et al., 2005, Pires &
Miyazaki, 2005). O problema é grave mas
a solução coerciva é totalmente errada. Filosoficamente errada, em primeiro
lugar, porque procura corrigir o problema da coerção disciplinar através de
medidas também coercivas. Parece um remédio homeopático: usar o veneno em doses
menores e circunscritas para combater os seus efeitos generalizados. Como
medida homeopática que é, a “Lei da Palmada” vai ter o mesmo destino de outras
leis semelhantes. Ou seja, será mais uma lei que não vai colar. Sim, porque no
Brasil tem isto. Tem leis que colam e leis que não colam. As leis que não colam
nós já conhecemos de saída. São aquelas leis que causam polêmica, mas cujos
efeitos são inócuos porque inaplicáveis. Servem mais para aplacar o sentimento
de culpa dos nossos governantes. Para eles mostrarem à população que estão
tentando fazer alguma coisa. Ainda que de verdade não estejam tentando fazer
nada sério para resolver os problemas a longo prazo. Tudo firula, tudo
propaganda. Filosoficamente a “Lei da Palmada” é complicada também porque
reflete uma concepção autoritária do estado. A “Lei da Palmada” é mais uma
tentativa de impor coercivamente uma agenda politicamente correta à população (Bernardin,
2012). Representa uma intromissão indevida do estado na esfera dos valores e da
vida familiar e se reveste de um enorme potencial de abuso. Só que se inverte a
polaridade do abuso. Para combater os abusos das crianças por pais e professoras, incorre-se no risco de o
estado abusar do seu poder coercivo contra este mesmos pais e professoras. Não
deixa de ser irônico que a madrinha da “Lei da Palmada” seja a Xuxa Meneghel,
notória por seu envolvimento em cenas cinematográficas de pedofilia (Wikipedia,
2014a). Irônico também é o fato de que a “Lei da Palmada” está sendo tramitada
e aprovada por um regime político que contou entre os assessores da Casa Civil
responsáveis por políticas de promoção do bem-estar e desenvolvimento infantil,
um indivíduo que está sendo processado por abuso sexual (Azevedo, 2013).
Quais são as
minhas credenciais para falar sobre esse assunto?
Minhas credencias
para meter o bedelho neste assunto são triplas: a) Como pai de três filhos eu
tive que encontrar soluções para os problemas disciplinares enfrentados na
educação das minhas crianças. Muito cedo eu descobri que a punição não
funcionava pelas razões que já foram apontadas. Procurei então soluções
alternativas. A solução que encontrei foi baseada na análise aplicada do
comportamento, através de um programa de treinamento de pais para promoção da
disciplina não-coerciva, focalizando o incentivo em detrimento da punição (Barkley,
1997, Barkley & Benton, 1998); b) A experiência clínica de mais de 30 anos
trabalhando com crianças com dificuldades de aprendizagem e de comportamento
tem me mostrado claramente três coisas. A punição é amplamente empregada por
pais e professoras, a punição não funciona e a pedagogia do incentivo é
extremanente eficaz; c) O interesse pelo assunto me fez desenvolver, junto com
inúmeros colegas e alunos, uma linha de pesquisa sobre disciplina não-coerciva
no Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento (LND-UFMG). Adaptamos os
programas de Barkley para uso no Brasil, principalmente no contexto da
neuropsicologia do desenvolvimento. Uma vez que as crianças e adolescentes com
transtornos do desenvolvimento apresentam risco duplo, de se comportarem mal e
de serem vítimas de práticas disciplinares abusivas. Estes estudos e pesquisas
originaram diversas publicações, quase todas em português (Freitas et al.,
2005, 2008, Haase, 2009, Haase, Pinheiro-Chagas
& Andrade, 2012, Haase et al., 1998, 2002, 2005, Horta, 2012, Olieira,
2013, Pinheiro & Haase, 2011, Pinheiro et al., 2005, 2006, Teodoro et al.,
1999). Jà orientei duas dissertações de mestrado e atualmente oriento mais duas
dissertações de mestrado e uma tese de doutorado sobre treinamento
comportamental de pais e professores e temas correlatos.
Quais são as
soluções possíveis?
A difusão de
práticas disciplinares punitivas e os riscos associados de abuso e maus tratos
são problemas complexos, multicausados (Belsky, 1993). As soluções devem ser
complexas e implementadas de forma integrada em múltiplos níveis. Não existem
soluções simples. Eu não tenho a receita. Só posso falar a partir da minha
perspectiva como pesquisador e clinico atuando na área de neuropsicologia. A análise
evolucionária segundo a qual a qualidade do investimento parental varia
conforme a ecologia em que a família vive (Belsky et al., 1991, Chisholm &
Burbank, 2001, Ellis, 2004, Haase, 2009) sugere que, a longo prazo, a única
solução é a melhoria das condições de vida da população, proporcionando um
ambiente mais estável e afluente para as famílias educarem seus filhos.
A melhoria das
condições de vida, redução da desigualdade econômica e de gênero, aumento do
nível educacional e da inteligência da população são consequências inexoráveis
da modernização econômica (Newson & Richerson, 2009). Isto aconteceu no
mundo inteiro. Em todos os países onde ocorreu, a modernização econômica
acarretou uma mudança demográfica em cerca de 20 a 30 anos. No Brasil não é
diferente. A modernização econômica iniciou-se na década de 1950 e acelerou-se
no Brasil a partir dos anos 1970. Dados de pesquisa já mencionados mostraram
que o Brasil se encontra desde os anos 1970 em um estado de transição
nutricional (Batista Filho & Rissin, 2003). Ao mesmo tempo que diminui a
prevalência de desnutrição, aumenta a prevalência de sobrepeso e obesidade. Desde
o início da modernização econômica nos anos 50 vêm cescendo a renda dos
brasileiros (Ferreira et al., 2006), ao mesmo tempo em que decrescem as taxas
de fertilidade (de Carvalho & Brito, 2005), mortalidade infantil (Garcia
& Santos, 2003) e de gravidez na adolescência (Pinto e Silva, 2012). Aliado
redução da fertilidade, o aumento da expectativa faz com que o contingente de
pessoas idosas tenha crescido considervalmente no Brasil (Wong & Carvalho,
2006). Tudo isto aconteceu e está acontecendo apesar do Governo. Os indicadores
sócio-econômicos brasileiros poderiam e deveriam ser muito melhores. Mas os
dados disponíveis indicam que o Brasil não constitui uma exceção à hipótese de Newson
e Richerson (2009) de que a modernização econômica é preditiva de uma transição demográfica. Nas últimas décadas houve esforços por parte
do Governo de combater a pobreza através de programas de transferência de renda
(de Vasconcelos, 2005). Os resultados poderiam ser melhores se estas medidas
emergenciais de transferência de renda tivessem sido acompanhadas
sistematicamente de melhorias na infraestura educacional, de saúde,
habitacional etc. (Lavinas, 2007).
A implementação de
políticas públicas baseadas em evidências é uma questão complexa, tanto do
ponto de vista técnico quanto científico (Horta, 2012). A psicologia pode
contribuir de diversas maneiras. Uma das mais importantes ferramentas
psicológicas para combater a negligência, abusto e maus-tratos de crianças e
adolescentes é a análise aplicada do comportamento (Baldwin & Baldwin,
2001, Kazdin, 2013). Um dos pilares da análise do comportamento é reforçamento
diferencial. Ou seja, procedimentos destinados a incentivar o comportamento
adequando ao mesmo tempo em que o comportamento inadequado é ignorado dentro de
limites. A filosofia de reforçamento diferencial pode ser facilmente
implementada através de programas de curta duração de treinamento de pais (Barkley,
1997) e de professores (Oliveira, 2013). Nestes programas com duração de
algumas semanas, os pais e professoras aprendem a manejar de forma não coerciva
problemas disciplinares, identificando os fatores que desencadeiam e mantêm os
comportamentos inadequados, bem como reduzindo sua intensidade ou frequência
através do reforçamento diferencial. Estudos metanalíticas têm comprovado a
eficiência dos programas de treinamento comportamental de pais, sendo observaos
efeitos de magnitude modera (d = 0,4 a d = 0,6) na redução de comportamentos
inadequados da criança prevenção de maus-tratos por parte dos pais (Lundahl,
Nimer & Parsons, 2006). Efeitos menores são observados no follow-up (Lundahl,
Risser & Lovejoy, 2006).
Conclusões
A negligência,
punição excessiva e maus tratos de crianças constituem um gravíssimo problema
de saúde público, associado a diversos desfechos negativos, principalmente sob a
forma de psicopatologia. O projeto de “Lei da Palmada”, ora em discussão no
Congresso Nacional, é uma tentativa do Estado Brasileiro encontrar uma solução
para estes problemas. Várias evidências sugerem que estas medidas serão inócuas
e associadas a diversos efeitos colaterais, bem como potencial de abuso. As
evidências psicológicas obtidas na análise aplicada do comportamento indicam
que a punição é o método menos eficiente de modificação do comportamento, além
de ser associado a toda uma gama de efeitos colaterais. A “Lei da Palmada”
consiste em uma tentativa de combater de forma coerciva estatal o comportamento
coercivo dos adultos nas famílias. O potencial de abuso é enorme. Na tentativa
de combater o abuso das crianças abre-se a porta para o abuso dos adultos. O
projeto de “Lei da Palmada” ignora solenemente as evidências da psicologia
científica contemporânea. Ideologicamente, a “Lei da Palmada” é mais uma
tentativa do estado se imiscuir de forma coerciva no terreno dos valores e da
vida familiar. A ideologia subjacente à “Lei da Palmada” é uma concepção
autoritária do estado, regulando inclusive o comportamento familiar das
pessoas. No dia em que forem criadas delegacias especiais para vigiar o
cumprimento da “Lei da Palmada” vamos assistir ao nascimento da polícia dos
costumes. Aí vamos estar com os pés bem afundados em uma ditadura disfarçada, a
ditatura do politicamente correto. O
mais provável é que esta lei se demonstre inócua. Inócua porque
inaplicável. Inócua porque não será leva a sério. Será mais uma lei que não vai
colar. Por enquanto, o único mérito deste projeto de lei tem sido o de chamar a
atenção midiática para o problema do abuso e maus-tratos na infância. Será que
os governantes e legisladores brasileiros não poderiam ocupar melhor seu tempo
com medidas mais eficazes para a promoção da qualidade vida da população?
Medidas estas que proporcionariam uma ecologia mais segura para as famílias
criarem seus filhos, reduzindo assim os estresses subjacentes ao uso de
práticas disciplinares punitivas.
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