Monday, May 01, 2017

OS PRINCÍPIOS DA CONTAGEM E A PEDAGOGIA CONTEMPORÂNEA

Charles Randy Gallistel e Rochel Gelman descreveram em 1978 os cinco princípios da contagem (Gelman & Gallistel, 1986). A partir dos dois ou três anos de idade, as crianças começam a aprender a contar. A contagem pode ser aprendida de forma mais ou menos espontânea, sem muita ajuda dos adultos e se baseia em cinco princípios que a criança precisa intuir. 

Charles Randy Gallistel & Rochel Gelman
Rutgers University

Os cinco princípios da contagem são a correspondência um a um (cada objeto só pode ser contado uma vez; deve existir uma corrspondência biunívoca entre os objetos e a série recitada dos numerais), ordem estável (a contagem deve ocorrer sempre em um determinado sentido; não é possível ir e voltar, para a frente e para trás). abstração (conjuntos de objetos heterogêneos podem ser contados), cardinalidade (o último número contado corresponde à numerosidade do conjunto) e, finalmente, irrelevância da direção de contagem (tanto faz contar da esquerda para a direita quanto da direita para a esquerda).

Durante muitos anos o estudo do desenvolvimento das habilidades numéricas se caracterizou por um debate entre duas posições: princípios primeiro versus procedimentos primeiro. Os defensores da hipótese dos princípios primeiro sustentam que inicialmente a criança precisa intuir os princípios para poder contar. A experiência só vai contribuir para o desenvolvimento de algum conceito se houver uma base inata, uma preparedness para que o mesmo seja intuido.

A posição contrária argumenta que, no início, a contagem consiste apenas da recitação de uma série verbal sem significado quantitativo (Carey, 2009, Sarnecka et al., 2015). Seria, então, a partir da prática com os procedimentos de contagem que a criança vai, gradualmente, associando os numerais com seu significado quantitativo e intuindo os princípios da contagem. A cardinalidade é adquirida passo a passo. Primeiro para conjunto de um, depois de dois, três e quatro objetos. 

 Susan Carey
Harvard

A partir do momento em que a criança consegue apreender a cardinalidade cinco, ocorre uma epifania e ela generaliza o conceito de cardinalidade para todas as numerosidades. Essa hipótese foi batizada de bootstrapping (levantar-se pelos cadarços das botinas) por Susan Carey (2009). O termo bootstrapping enfatiza a natureza bottom-up e auto-organizada do processo.

To pull oneself up by one's own bootstrap

A intuição do princípio da cardinalidade significa que a criança adquiriu o conceito de número. Isso ocorre por volta dos cinco a seis anos de idade. Apenas com a  prática cotidiana. Sem muita instrução formal para a maioria das crianças.

A compreensão atual é que tanto uma preparednes inata para adquirir os princípios quanto a prática com os procedimentos são importantes para adquirir a contagem e o conceito de número . O conhecimento conceitual e o conhecimento procedimental são interativos (Rittle-Johnson & Schneider, 2015).

Esse debate ainda é relevante para o contexto atual. De um modo geral, o pessoal da pedagogia é enviesado contra o conhecimento factual e procedimental. Argumentam que a "decoreba" é prejudicial. No contexto pedagógico é enfatizado o conhecimetno conceitual (a compreensão). De fato, o conhecimento conceitual é mais versátil, mais flexível e independente do contexto enquanto o conhecimento  factual e procedimental são automatizados, mais rígidos e fortemente dependentes do contexto.

O problema é que a aprendizagem dos fatos e algoritmos é fundamental para que a criança progrida na hierarquia da aritmética. Nâo basta decorar sem compreender, mas apenas compreender pode não ser de pouca utilidade quando o bicho pega e a aquisição de habilidades hierarquicamente mais elevadas exige uma proficiência mínima em alguns fatos e procedimentos aritméticos. É difícil entender por que a escola não pode trabalhar os dois aspectos.

No YouTube tem um filmezinho explicando os princípios da contagem e outro filmezinho ilustrando-os com uma cantiga.

Mesmo que a maioria das crianças aprenda os princípios da contagem de forma relativamente espontânea, há um grupo de crianças que apresenta dificulades nesse processo. As crianças que posteriormente são diagnosticadas com discalculia do desenvolvimento apresentam dificuldades na aquisição dos princípios da contagem. É por essa razão que o curriculo da educação infantil deve trabalhar o processamento numérico e a aritmética, incluindo os princípios da contagem.

Não existem dados definitivos indicando que  intervenções precoces, como p. ex., treinamento em habilidades de comparação de magnitudes, estimação ou nos princípios da contagem possam prevenir a discalculia. Mas a hipótese é plausível as intervenções não se associam a efeitos colaterais.


Referências

Carey, S. (2009). The origin of concepts. New York: Oxford University Press.

Gelman, R. & Galllistel, C. R. (1986). The child’s understanding of number. Cambridge, MA: Harvard University Press.

Rittle-Johnson, B. & Schneider, M. (2015). Developing conceptual and procedural knowledge of mathematics. In R. Cohen-Kadosh & A. Dowker (eds.) Oxford handbook of numerical cognition (pp.). Oxford: Oxford University Press.

Sarnecka, B. W., Goldman, M. C., & Slusser, E. B. (2015). Hw counting leas do children's first representations of exact, large numbers. In R. Kadosh & A. Dowker (eds.) The Oxford handbook of numerical cognition (pp. 291-309). Oxford: Oxford University Press.

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