A pedagogia evolucionista é uma
perspectiva teórica proposta por David Geary, o qual é professor na
University of Missouri Columbia (http://web.missouri.edu/~gearyd/).
Geary é um pesquisador destacado em duas áreas: cognição matemática e
psicologia evolucionista. Na área de matemática, p. ex., ele conduz
diversos estudos utilizando uma “math van”, um laboratório móvel de
psicologia cognitiva que visita as escolas e avalia a gurizada (http://mumathstudy.missouri.edu/van.shtml).
Nos seus escritos teóricos sobre pedagogia evolucionista ele articula
estas duas vertentes, a matemática e a evoluçao (Geary, 2007). A
pedagogia evolucionista é especialmente relevante no contexto
brasileiro, considerando o nosso histórico de fracasso escolar e de
tentativas mais fracassadas ainda de formular políticas públicas para
enfrenta-lo. A pedagogia evolucionista, a meu ver, permite identificar
alguns fatores relacionados a este fracasso e a conceber algumas
alternativas possíveis.
A pedagogia evolucionista se baseia na
pressuposição de que dois tipos de habilidades cognitivas evoluíram na
espécie humana: as habilidades cognitivas biologicamente primárias e as
habilidades biologicamente secundárias (Geary 2007). O principal
critério distintivo é o modo de aquisição. As habilidades biologicamente
primárias, tais como a linguagem oral, são adquiridas de forma
espontânea, não deliberada. As habilidades secundárias, por outro lado,
requerem uma pedagogia e muito esforço deliberado para sua aquisição. Um
exemplo de habilidade cognitiva secundária é a leitura de palavras, uma
evolução cultural cuja perícia requer três anos de prática.
De um modo geral, as habilidades primárias são organizadas modularmente no cérebro, específicas de domínio, processadas
automaticamente e independentes da inteligência geral. Em contraste, as
habilidades secundárias são descontextualizadas, inespecíficas de
domínio, processadas no modo controlado e fortemente associadas à
inteligência geral. Uma distinção adicional diz respeito à motivação. A
motivação para a aquisição das habilidades primárias é intrínseca. A
aquisição de habilidades primárias é auto-reforçadora e ocorre de forma
espontânea, natural. A aquisição de habilidades secundárias, por sua
vez, depende de muita prática e esforço deliberado, não sendo
intrinsecamente reforçadora. O reforçamento para a aquisição das
habilidades secundárias é derivado, mediado cognitivamente. Para se
empenhar na aquisição de habilidades secundárias o indivíduo precisa ter
capacidade de abrir mão de uma recompensa menor imediata por uma
recompensa maior futura (Giannetti, 2005). Isto requer memória de
trabalho para representar na mente as metas futuras e funções executivas
para inibir respostas prepotentes distratoras, manter o foco na tarefa e
monitorar o desempenho.
A pedagogia evolucionista tem implicações
revolucionárias para a educação. O fracasso escolar é um dos maiores
problemas do Brasil contemporâneo. O nível educacional da sua população é
o maior ativo econômico de um país. O Brasil está ficando para trás
nesta corrida. Até o momento, as dificuldades de aprendizagem no Brasil
têm sido abordadas a partir de uma perspectiva construtivista. O
construtivismo valoriza o papel ativo da criança, procurando tornar a
aprendizagem mais lúdica. Os materiais devem ser concretos e os
problemas contextualizados na cultura do indivíduo. O papel do professor
se reduz ao mínimo de propiciar situações-problema e materiais com os
quais as crianças vão interagir até descobrir e construir as soluções. A
instrução formal é colocada em segundo plano, uma vez que poderia,
inclusive, ser prejudicial à aprendizagem. A aprendizagem valorizada é
aquela que advém da descoberta e não da instrução.
A pedagogia evolucionista pode ajudar a
entender algumas das razões pelas quais a filosofia construtivista tem
fracassado na resolução dos problemas educacionais do Brasil. A missão
da pedagogia é ensinar as habilidades secundárias. As habilidades
primárias são adquiridas espontaneamente. A dificuldade com a aquisição
das habilidades secundárias deriva do fato de que o estudo é aversivo,
pois depende de esforço deliberado (Willingham, 2011). Já que a
motivação não é intrínseca, o aluno precisa aprender na escola a
auto-motivar-se. A entender que existe uma relação entre o seu esforço e
o resultado obtido.
Trabalhar com materiais concretos e
situações altamente contextualizadas é o primeiro passo e não o objetivo
do processo. Por natureza, as habilidades secundárias são
descontextualizadas, abstratas. A pedagogia precisa aprender o pulo do
gato. Ou seja, como é que se faz para passar das habilidades primárias
para as habilidades secundárias. Não adianta nada ficar ensinando para
as crianças apenas as habilidades primárias, isto é, aquilo que o
cérebro delas está pré-programado para aprender por conta própria, sem
necessidade de qualquer intervenção. Prender-se ao contexto e aos
materiais concretos é um empobrecimento curricular e não atende às
emandas da sociedade contemporânea. Sem instrução formal não tem como
transmitir o legado cultural exponencialmente crescente de uma geração
para outra. Sem descobrir a pedra filosofal da motivação extrínseca não
tem como engajar os meninos na aprendizagem de habilidades secundárias.
A psicologia cognitiva concebe a
aprendizagem escolar como um processo de aquisição de perícia em
diversas habilidades (Willingham, 2011). De início, a aprendizagem de
uma habilidade nova requer esforço deliberado, atenção, monitorização
constantes dos erros, os quais são freqüentes. O processo inicial é
aversivo. É somente com a prática que o indivíduo vai automatizando o
processo e adqurindo perícia. A recompensa advém da perícia adquirida. O
desafio para os pedagogos é conduzir as crianças ao longo deste
processo. Utilizar-se de estratégias para que elas não fiquem perdidas
no meio do caminho.
A psicologia cognitiva e comportamental
descobriram a pedra filosofal da motivação secundária (Bandura et al.,
2008). É muito simples. Basta que o currículo seja programado de forma
tal que a criança obtenha sucesso. O sucesso obtido aumenta sua
auto-eficácia tornando o processo de aprendizagem recompensador. O
fracasso escolar é desmotivador, mas não adianta nada simplesmente ficar
promovendo as crianças de série sem que elas tenham adquirido as
habilidades requeridos. Isto é tapar o sol com a peneira. Uma estratégia
adicional é a atenção diferencial da professora. Que consiste em a
professora sistemática e incondicionalmente concentrar sua atenção nos
comportamentos adequados da criança, p. ex., estudar, ignorando os
comportametnos inequados, p. ex., distrair-se. Assim, os comportamentos
adequados vão sendo reforçados e os inadequados extintos.
É uma miragem achar que as crianças podem
aprender sem esforço (Willingham, 2011). O legado cultural que as
professoras precisam transmitir de uma geração para outra cresce de
forma exponencial e avassaladora. O Mundo Digital exige a aprendizagem
de fatos, conceitos e habilidades cada vez mais complexos. Muito
distantes das habilidades biologicamente primárias que as crianças
aprendem por conta própria. A aquisição de habilidades secundárias exige
intervenções pedagógicas direcionadas, instrução formal. E o emprego de
estratégias motivacionais que permitam às crianças adquirir gosto pelo
estudo. Fazer de conta que não é necessário esforço para a aquisição de
habilidades secundárias apenas contribui para que as crianças passem a
detestar a escola. Seria mais sensato admitir que a aprendizagem é
complicada sim e exige esforço. E a partir daí pensar como os alunos
podem ser motivados para aprender.
Na prática o construtivismo é empregado
apenas na educação infantil e nas séries iniciais. Esta é a minha
experiência como pai e como clinico. Até o terceiro ou quarto anos do
ensino fundamental é só farra. As crianças aprendem brincando. Adoram a
escola. A partir do terceiro ou quarto ano a coisa muda drasticamente,
sem que as crianças tenham sido previamente preparadas. Antes era só
farra. Tudo o que a criança escrevia era fofinho, refletia suas
hipóteses sobre a natureza da língua escrita e suas relações com a
língua falada. De uma hora para outra a professora começa a corrigir a
ortografia. E aquilo que era fofinho agora virou erro, que desconta
nota. Muitos meninos se perdem nesta transição de ênfase nas habilidades
primárias para a ênfase nas habilidades secundárias. Lidar com estes
problemas exige que os pedagogos se libertem da sua camisa de força
construtivista. Compreendendo que existe vida para além do
construtivismo. Que existe todo um corpus de conhecimento amealhado pela
psicologia cognitiva e comportamental, o qual é diretamente relevante
para a educação.
Leituras recomendadas
Bandura, A.,Azzi, R. G., & Polydoro, S. (eds.) (2008). Teoria social cognitiva. Conceitos básicos. Porto Alegre: ARTMED.
Bernardin, P. (2012). Maquiavel pedagogo. Ou o ministério da reforma psicológica. Campinas: Ecclesia/Vide.
Geary, D. C. (2007). Educating the evolved mind: Conceptual
foundations for an evolutionary educational psychology. In J. S. Carlson
& J. R. Levin (Eds.), Educating the evolved mind (pp. 1-99, Vol. 2,
Psychological perspectives on contemporary educational issues).
Greenwich, CT: Information Age (Disponível emhttp://thesedominiquebellec.fr/A_redaction_these/Chapitre_3_Apprentissages_
complexes/Texte/Vrac%20articles/Vrac%20articles/Geary01.pdf).
complexes/Texte/Vrac%20articles/Vrac%20articles/Geary01.pdf).
Giannetti, E. (2005). O valor do amanhã. Ensaio sobre a natureza dos juros. São Paulo: Companhia das Letras.
Haase, V. G., Ferreira, F. O., Moura, R. J., Pinheiro-Chagas, P.
& Wood, G. (2012). Cognitive neuroscience and math education:
theaching what kids don’t learn by themselves. International Journal for
Studies in Mathematics Education, 5 (2) (Disponível em: http://periodicos.uniban.br/index.php?journal=JIEEM&page=article&op=viewArticle&path%5B0%5D=221
Willingham, D. T. (2011). Por que os alunos não gostam da escola. Porto Alegre: ARTMED.
No comments:
Post a Comment