Sunday, December 27, 2015

ÉRICO VERÍSSIMO E OS NÚMEROS

Aprendi a soletrar muito cedo, em casa. Mais tarde, na escola primária, fui um tanto mimado pelas professoras, por causa do prestígio social de meu pai. Lia correntemente, sabia o meu pouco de História do Brasil, tirava boas notas em Lições de Coisas, mas tinha as piores relações imagináveis com os números, que me causavam vertigens. Aprendi a duras penas três das quatro operações, mas empaquei na conta de dividir. Como se  aproximassem os exames de fim de ano e estivesse correndo o risco de ser reprovado por causa da Aritmética, D. Margarida Pardelhas, diretora da escola, me levou a meu pai e lhe disse: “Fizemos tudo o que estava a nosso alcance, mas não conseguimos meter na cabeça deste menino a conta de dividir”. Pronunciou estas palavras apocalípticas e se foi no seu passo duro e marcial de coronel prussiano. Fiquei envergonhado, com um calorão nas orelhas. Meu pai me olhou e disse: “Acabas de receber o diploma de  burro” (Veríssimo, 1974, p. 36).





Referência

Veríssimo, E. (1974). Solo de clarineta. Memórias. Primeiro volume (5ª. ed.). Porto Alegre: Globo.