Friday, May 08, 2009

Por que considerar a integração biopsicossocial é importante na saúde?

Vitor Geraldi Haase
Departamento de Psicologia
FAFICH - UFMG


O livro Aspectos biopsicossociais da saúde na infância e adolescência (Belo Horizonte, Coopmed, 2009) consiste de um texto para a disciplina homônima do Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina. É um livro concebido para a pós-graduação, mas pode também ser de utilidade para estudantes mais avançados de graduação. A disciplina surgiu por iniciativa do Prof. Francisco Penna quando o antigo Programa de Pós-graduação em Pediatria se transformou em Saúde da Criança e do Adolescente. A criação do PPG de Saúde da Criança e do Adolescente representou uma abertura interdisciplinar. A partir da criação deste PPG surgiu a possibilidade de que profissionais de outras áreas, como Fonoaudiologia, Psicologia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia e afins, tivessem acesso a um programa de pós-graduação strictu sensu na área da saúde da criança e do adolescente. Dada a relativa escassez de programas de pós-graduação na área, principalmente em nível de doutorado, esta iniciativa pioneira representa a possibilidade para profissionais de diversas profissões aprofundarem sua formação para a docência e pesquisa.

A partir da criação do PPG de Saúde da Criança e do Adolescente surgiu a necessidade de criar uma disciplina que possibilitasse a construção de um corpus conceitual transdisciplinar fundamentando a troca de experiência e informação entre as diversas áreas. A partir de 1947, quando da sua fundação, a Organização Mundial da Saúde propôs que a saúde seja definida com um processo mais amplo de bem-estar biopsicossocial que ultrapassa a mera ausência de doença. Mas o conceito biopsicossocial de saúde proposto consistia mais de um ideal do que de uma proposta prática, operacionalizável. Apenas recentemente começaram a surgir propostas operacionais para o conceito biopsicossocial de saúde, tais como as avaliações de qualidade de vida e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e outras.

As avaliações de qualidade de vida surgiram da necessidade de avaliar de forma mais ampla os impactos das doenças e intervenções, indo além do mero registro da morbidade e mortalidade. As avaliações de qualidade de vida foram utilizadas inicialmente em ensaios clínicos de novos medicamentos, mas acabaram se popularizando na prática clinica também. O objetivo das escalas de qualidade de vida é avaliar o impacto das doenças e intervenções sobre o bem-estar, funcionalidade e vida cotidiana dos portadores de diversas condições de saúde. A idéia é que através das avaliações de qualidade de vida, tanto os profissionais quanto os gestores dos serviços de saúde possam identificar necessidades de atendimento bem como o impacto das intervenções, aproximando-se mais das necessidades percebidas pelos pacientes e suas famílias. As avaliações da qualidade de vida podem ser concebidas como um ingrediente do movimento de humanização da assistência à saúde.

A CIF foi aprovada pela OMS em 2001 e complementa as classificações tradicionais usadas na área da saúde, tais como a Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Ao contrário da CID, que consiste em catálogo de entidades nosológicas, a CIF é uma proposta para classificar os impactos de saúde de uma forma mais ampla. A CIF é organizada em três níveis: 1) estrutura e função do organismo; 2) atividades; e 3) participação. A CIF evoluiu de uma proposta anterior, que categorizava os impactos das condições de saúde em deficiências, incapacidades e desvantagens. P. ex., se um gerente de firma com 60 anos de idade sofre um acidente vascular cerebral isquêmico no hemisfério esquerdo (diagnóstico nosológico) ele pode, em conseqüência, desenvolver uma quadro de hemiplegia direita, afasia de Broca e sintomas depressivos (estrutura e função do organismo). As alterações neuropsicológicas, por sua vez, podem causar dificuldades de deambulação, de realização de tarefas da vida diária bem como de comunicação (atividades). Finalmente, em conseqüência dos problemas neuropsicológicos o indivíduo pode não ter mais condições de desempenhar seu papel social como gerente, mas pode muito bem cumprir funções familiares como cônjuge, pai ou avô (participação).

O Objetivo da CIF é estabelecer uma terminologia comum entre as diversas profissões de saúde, a qual permita, p. ex., identificar e quantificar a freqüência dos impactos psicossociais das condições de saúde, de modo que o atendimento possa ser planejado de modo mais global e eficiente, tanto no nível individual quanto populacional. O sucesso tecnológico da biomedicina representa avanços importantes na assistência de saúde, dos quais a população não está disposta a abdicar. Ao mesmo tempo, é crescente a insatisfação com a tecnologização excessiva e desumanização da assistência de saúde. O desafio para a assistência à saúde contemporânea é persistir na senda do desenvolvimento técnico-científico e, simultaneamente, resgatar a dimensão ética, de cuidado interpessoal da assistência de saúde.

A transição epidemiológica faz com as doenças de maior expressividade demográfica no mundo atual sejam aquelas crônicas e, por definição incuráveis. As doenças crônicas, tais como diabetes, esclerose múltipla, câncer, doenças cérebro-vasculares etc. são complexas e exigem cuidado interdisciplinar. O reconhecimento crescente da importância dos fatores psicossociais na assistência á saúde tem o potencial de acarretar uma explosão de custos. Enoch Powel, antigo Secretário de Saúde da Inglaterra comentou que as necessidades de saúde da população são potencialmente infinitas. Para que os recursos públicos limitados sejam distribuídos com justiça há necessidade de evidências científicas que fundamentem as intervenções diagnósticas e terapêuticas, bem com suas indicações e contra-indicações.

O livro Aspectos biopsicossociais da saúde da infância e adolescência reúne contribuições de especialistas de diversas universidades brasileiras, os quais participaram das primeiras edições da disciplina. O denominador comum é uma abordagem científica às questões psicossocias na saúde da criança e do adolescente e suas interações com fatores biológicos. A abordagem biopsicossocial procura conciliar as vertentes científica e humanística da assistência à saúde, para melhor atender às necessidades da população.

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