Friday, April 10, 2020

NEUROPSICOLOGIA ESCOLAR NA PANDEMIA VIRÓTICA

A plataforma online de Formação Continuada em Neuropsicologia liberou gratuitamente o meu curso sobre neuropsicologia escolar durante a quarentena. 



Está todo mundo, que pode, trancado em casa. As universidades federais se recusaram a ministrar aulas online. Uma opção para quem tem interesse em neuropsicologia são os cursos online. Os meus amigos Leandro Malloy-Diniz e Emanuel Querino me convidaram e, no ano passado, gravei um curso sobre "Neuropsicologia escolar: cognição, evolução e educação". O curso está disponível na plataforma Formação Continuada em Neuropsicologia.

Do ponto de vista teórico, a educação no Brasil tem sido muito influenciada pelas correntes construtivistas de pensamento. O construtivismo trouxe e traz muitas contribuições relevantes para a psicologia e pedagogia. P. ex., no momento estou envolvido com o estudo da construção do número conforme Piaget. Descobri o trabalho de vários neopiagetianos contemporâneos e estou adorando.

Mas como não existe almoço grátis, o contrutivismo ou suas interpretações deturpadas têm suas limitações. Um problema importante é a negligência das diferenças individuais. O construtivismo pressupõe um aprendiz ideal, motivado, curioso, ativo e intelectualmente bem dotado. Estratégias de aprendizagem por descoberta e colaboração social podem fucionar para a maioria dos estudantes. A experiência clínica mostra, entretanto, que os alunos com dificuldades precisam de uma abordagem mais diretiva. São as crianças que procuram os médicos, psicólogos e outros profissionais de saúde porque não aprendem na escola. Invariavelmente o que se observa é que a utilização de estratégias mais diretivas e tecnicamente fundamentadas, como a ênfase no processamento fonológico para a alfabetização, produzem resultados às vezes surpreendentes. Um contingente considerável de crianças precisa que o conhecimento lhe seja, simplesmente, transmitido.

Nas últimas décadas, a formação psicológica dos professores tem se concentrado em autores como Wallon, Vygotsky, Piaget e Freire. A formação psicológica dos professores passa ao largo da psicologia comportamental e cognitiva das últimas sete décadas. Essas duas correntes de pensamento não são apenas ignoradas, mas são até mesmo desprezadas. Como se fossem revestidas de alguma impureza moral.

As conseqüências disso são desastrosas. Vou mencionar a questão da disciplina em sala de aula. O ethos pedagógico contemporâneo tem favorecido correntes de pensamento que subvertem a hierarquia em sala de aula e corroem a autoridade do professor. Crenças, muitas vezes apressadas, de que "ninguém ensina nada para ninguém", de que "não existe saber mais ou saber menos", de que "educar não deve se reduzir a transmitir conhecimento", não contribuem muito para fortalecer a autoridade do professor. Em conseqüência, os professores brasilelros gastam muito mais tempo do que a média dos países da OCDE lidando com questões disciplinares em sala de aula. Para não falar dos casos de agressão. O resultado desse pandemônio é que os alunos não aprendem e a profissão de professor virou fator de risco para burnout.

O manejo das questões disciplinares é um dos maiores problemas para os professores brasileiros. E essa dificuldade é agravada pelo fato de que os professores não recebem uma formação psicológica adequada que lhes permita lidar com os problemas disciplinares de forma branda, não-coerciva, porém eficiente. Na maioria das vezes, os professores agem como os pais quando precisam lidar com comportamentos desafiadores: adotam uma estratégia confrontativa e punitiva. A qual, além de não ser eficaz, agrava ainda mais os problemas criando um ciclo de interações coercivas entre os adultos e a criança.

É lamentável que isso seja assim. Desde os Anos 1950 a psicologia comportamental vem desenvolvendo estratégias eficientes e não-coercivas para manejar questões disciplinares em casa e na sala de aula. O behaviorismo, entretanto, é largamente ignorado quando não explicitamente hostilizado no ambiente pedagógico. Criaram-se representações sociais de que a adoção de estratégias comportamentais equivale a robotizar a criança. Skinner é o Belzebu encarnado.

Robotizar a criança? Basta refletir um pouco para ver que não se trata disso. Suponha-se uma criança que está se comportando mal porque não consegue acompanhar os colegas e deseja mais atenção da professora. É grande a probabilidade que a professora responda ao comportamento inadequado da criança com algum tipo de admoestação ou, até mesmo, castigo. Admoestação esta que só vai piorar a situação. Se a criança se comporta mal e recebe atenção da professora, ainda que de má qualidade, o mau comportamento da criança é reforçado e só aumenta de freqüência. Por outro lado, se a professora ignora, dentro de limites, o comportamento inadequado e presta atenção e incentiva o bom comportamento, o círculo de interações coercivas é rompido. E a criança passa ter a opção de se comortar bem para receber atenção.

Quem é mais robotizada? A criança que está presa em um ciclo de interações coercivas para ganhar atenção, de má qualidade de sua professora? Ou a criança cuja professora estudou Skinner e não cai nas armadilhas comportamentais, usando reforçamento diferencial para dar à criança a opção de se comportar de uma maneira ou outra para receber a atenção que precisa? É interessante como a ladainha politicamente correta e eivada de bons sentimentos adotada no nível discursivo se dissocia de uma prática disciplinar coerciva.

Os professores percebem que sua formação psicológica é insuficiente e correm atrás de cursos de formação continuada e de especialização, que lhes permitam suprir as lacunas de conhecimento. E isso não ocorre apenas no Brasil. Em toda América Latina são cada vez mais freqüentes os cursos de neuropsicologia e neurociências oferecidos a professores.
O sectarismo é um dos principais males que aflige a psicologia e a pedagogia. Basta juntar três psicológos ou pedagogos, que eles fundam uma igrejinha teórica, apenas para gerar uma dissidência tempos depois. Freqüentemente os ânimos são tão exaltados quanto na política. Raramente se pensa em integrar correntes teóricas e práticas que poderiam ser complementares. Para isso bastaria que cada um cedesse um pouquinho nos seus pressupostos e procurasse considerar a perspectiva do outro. Pressupostos esses, aliás, que são indemonstráveis.

Há décadas o desempenho escolar no Brasil é pra lá de inadequado. Será que não está na hora de dar uma chance para a psicologia comportamental e cognitiva? A ficha me caiu quando eu li o livro "Por que os alunos não gostam da escola?" de Daniel Willingham (2011).Willingham propôs um modelo simplicado da mente, a teoria simples da aprendizagen, que consiste de três componentes: memória de trabalho, memória de longo prazo e motivação.

O lócus de aprendizagem é a memória de trabalho. Quando o aprendiz se defronta com um possível problema, o mesmo precisa ser representando e codificado na memória de trabalho. A seguir inicia-se um processo de busca por informações relevantes na memória de longo prazo (o famigerado conhecimento). Se uma solução previamente armazenada está disponível, o problema está resolvido. Caso contrário, a alternativa é buscar a informação no ambiente. Se a informação não estiver disponível no ambiente, aí cria-se um verdadeiro problema. Um problema que exige raciocínio e, portanto, mais ativação da memória de trabalho. Ocorre que a memória de trabalho é limitada quanto à sua capacidade de armazenamento, processamento e duração. Ocorre que a ativação da memória de trabalho é laboriosa e aversiva. Há necessidade de motivação então para manter a memória de trabalho ativa e resolver o problema.

O modelo é muito simples, simplório mesmo. Mas suas conseqüências pedagógicas e neuropsicológicas são gigantescas. Se uma criança não aprende na escola, o problema geralmente está na escola, na família e na própria criança. As dificuldades de aprendizagem são multideterminadas. Mesmo nas famílias mais pobres, apenas algumas crianças têm dificuldades de aprendizagem. Os irmãos podem não ter. Isso significa que o ambiente familar e escolar inadequado pode exercer efeitos mais negativos sobre alguns indivíduos do que outros.

A teoria simples da aprendizagem ajuda a identificar, do ponto de vista psicológico, as vulnerabilidades individuais. A vulnerabilidade individual da criança pode estar relacionada à capacidade de processamento (p. ex., reduzida por deficiência intelectual e inatenção), ao conhecimento (p. ex., um vocabulário pobre como causa de dificuldades de compreensão leitora) e à motivação (p. ex., dificuldade para postergar a recompensa).

O curso "Neuropsicologia escolar: cognição, evolução e educação" consiste de 10 aulas de meia hora cada, explorando as conseqüências educacionais da teoria simples da aprendizagem à luz da psicologia comportamental, genética, teoria da evolução, neuropsicologia e neurociência cognitiva etc. O programa consiste de aulas sobre: 1) Educação; 2) Evolução; 3) Cognição; 4) Aprendizagem; 5) Conhecimento; 6) Processamento; 7) Motivação; 8) Diferenças individuais; 9) Família; 10) Escola.

LEITURA SUGERIDA

Willingham, D. (2011). Por que os alunos não gostam da escola? Respostas da ciência cognitiva para tornar a sala de aula atrativa e efetiva. Porto Alegre: ARTMED.