Sunday, February 28, 2016

Killer apps da Civilização Ocidental


"Quando algum pedagogo fala em problematizar algo, ele está afirmando que vai reduzir esse algo a coisa nenhuma" (Percival Puggina)

 Essa tradição de “problematizar” o status quo é antiga. Corresponde à estratégia do chamado marxismo cultural, o qual passou a florescer quando os comunistas se deram conta de que a teoria econômica de Marx era furada. Então eles viraram o Marx de ponta a cabeça e passaram a fazer a guerra ideológica, problematizando os valores da nossa Civilização e fazendo lavagem cerebral nas nossas criancinhas. Um belo livro que caracteriza os podres do marxismo cultural com precisão e fina ironia é ¨¨Fools, frauds, and firebans: Thnikers of the New Left" de Roger Scruton.

Essa porcaria de “problematização” está sendo oficializada agoras nos parâmetros curriculares propostos pelo MEC. Nas aulas de História, por exemplo, eles querem sair do “Eurocentrismo” e estudar apenas as Culturas Ameríndia e Africana (Marco Antonio Villa, Maro Filósofo).

Um bom antídoto contra essa porcaria toda é o livro “Civlização. Ocidente vs. Oriente”, de Niall Ferguson.



Niall Ferguson é um escocês muito doido, que virou professor de História em Harvard. Ele ficou famoso,um verdadeiro historiador pop, através de um conjunto de séries que fez para a BBC, acompanhadas de livros porretas, entre os quais "Império"  e "Colosso". Lendo Império dá prá ficar anglófilo, apesar de o livro ter sido escrito por um escocês. Lendo Colosso dá pra entender porque os EUA nunca quiseram virar um Império. Esse é o drama deles.

Os babacas do MEC querem que a as nossas crianças ignorem todo o nosso legado cultural e passem a se inspirar em culturas da Idade da Pedra. Para ter uma idéia do que os nossos descendentes vão perder, basta ler o livro ou ver a série da BBC sobre a Civlização. Os cretinos ficam falando em “Colonialismo”, “Imperialismo” etc. Tudo isso não passa de desculpas pelo próprio fracasso.

Segundo a análise feita pelo Ferguson, o sucesso da Civilização Ocidental se deve a seis killer apps: Competição, Ciência, Propriedade, Medicina, Consumo e Trabalho. O resto é mi mi mi. Ou seja: livre mercado, ciência e ética do trabalho.

A pergunta que ele coloca é: “Será que nós somos a geração que vai ver tudo isso ruir, assim como o Império Romano ruiu no Século V?” Pode ser que sim, pode ser que não. A verdade é que se ficarmos “problematizando” e desavalorizarmos o nosso legado cultural, a vaca vai pro brejo mais rapidamente.


Civilization: The West and the Rest






BBC Series by Niall Ferguson





















Saturday, February 20, 2016

Por que a "Lei da Palmada" é uma idiotice?

Haase, V. G. (2014); “Lei da Palmada”: solução errada para um problema grave. Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento (LND-UFMG) (Clique aqui).    


A opinião pública brasileira foi mobilizada nos últimos dias em função da chamada “Lei da Palmada”. Inclusive porque a aprovação do projeto de lei em uma comissão da Câmara de Deputados contou com a presença da famosa atriz Xuxa Meneghel, notória entre outras coisas por aparecer seviciando um menor de idade em um filme erótico de 1982 (Wikipedia 2014a). Neste artigo vou discutir as razões pelas quais a “Lei da  Palmada” é mais uma solução errada para um problema social gravíssimo.


O que é a “Lei da Palmada”?

“Lei da Palmada” ou “Lei Menino Bernardo” são os nomes usados para se referir ao projeto de lei 7672/2010, o qual foi aprovado na Comissão de Constituição e Justição da Câmara de Deputados no dia 21 de maio de 2014. Segundo a Wikipedia, “o projeto prevê que pais que maltratarem os filhos sejam encaminhados a programa oficial de proteção à família e a cursos de orientação, tratamento psicológico ou psiquiátrico, além de receberem advertência. A criança que sofrer a agressão, por sua vez, deverá ser encaminhada a tratamento especializado. A proposta prevê ainda multa de três a 20 salários mínimos para médicos, professores e agentes públicos que tiverem conhecimento de agressões a crianças e adolescentes e não denunciarem às autoridades” (Wikipedia, 2014b).



Quais os problemas associados com a disciplina punitiva?

O principal problema com as práticas disciplinares punitivas é a escalação para o abuso e maus-tratos. A negligência, abuso físico e sexual,  e os maus-tratos morais e físicos na infância constituem os principais fatores de risco para psicopatologia na adolescência e idade adulta (de Assis et al., 2009, Haase, 2009, Horta, 2012).Os maus tratos e a disciplina inconsistente ou punitiva constituem fatores de risco, p. ex., para depressão (Caspi et al., 2003) e comportamento anti-social (Caspi et al., 2002). O risco de abuso e maus-tratos é maior para crianças portadoras de deficiência ou alguma doença crônica (Haase, 2009, Sullivan & Knutson, 2000, Verdugo & Bermejo, 1997). A adoção de padrões disciplinares mais brandos e consistentes, baseados no incentivo e não na punição se reveste, portanto, de um enorme potencial para reduzir o risco de psicopatologia.


Quão freqüentes são as práticas disciplinares punitivas?

É difícil avaliar a freqüência do uso de punição como prática disciplinar. O senso comum e a experiência clinica indicam, entretanto, que a punição é a prática disciplinar mais freqüentemente empregada por pais e professoras. A determinação da prevalência de abuso e maus-tratos também é problemática. Estudos baseados em estatísticas oficiais, como  p. ex., registros policiais, são mais objetivos, porém tendem a subestimar o problema. Estudos de auto-relato, por outro lado, são mais subjetivos e tendem a superestimar o problema. Stoltenborgh e cols. (2013) conduziram uma metanálise, analisando dados sobre a prevalência de abuso físico contra crianças do Mundo todo, incluindo 168 amostras diferentes e quase 10000 participantes. As taxas de prevalência estimadas foram de 2/1000 usando medidas objetivas e 226/1000 usando medidas de auto-relato. As prevalências maiores foram obtidas nos estudos que se utilizaram de medidas menos estritas, observaram os participantes por mais tempo e investigaram populações adultas, principalmente com nível universitário, usando questionários com um número maior de perguntas. Não foram observadas diferenças geográfico-culturais importantes quanto à prevalência de abuso físico. É muito difícil, portanto, estimar a prevalência de abuso físico na infância. Mas o problema existe e é grave. Uma dificuldade adicional é que a frequência das práticas punitivas se distribui de forma contínua, variando de um xingão ou palmadinha à toa até agressões mais graves. Não exitem estatísticas populacionais brasileiras sobre a prevalência de abuso e maus-tratos físicos, mas o problema tem despertado interesse crescente por pesquisadores da área de saúde e educação (de Assis et al., 2005, Pires & Miyazaki, 2005).


Por que a punição não funciona como método disciplinar?

As pesquisas em análise aplicada do comportamento mostram claramente que a punição é o método menos eficiente para modificar o comportamento alheio (Baldwin & Baldwin, 2001, Kazdin, 2013). A punição funciona apenas a curto prazo. O comportamento inadequado cessa imediatamente. Mas, a longo prazo o comportamento inadequado tende a retornar. Da perspectiva da criança, sempre vale à pena se arriscar e se comportar mal. A mãe pode não estar prestando atenção. O pai não ficar sabendo. Ou naquele dia os pais podem estar extremamente bem-humorados e deixar pra lá. Além de ser ineficiente, a punição se associa a uma série de efeitos colaterais:  a) As punições podem ser injustas quando, erroneamente, o indivíduo é castigado por uma falta que não cometeu; b) Os pais ou professores podem exagerar na dose, punindo o indivíduo com mais rigor do que o merecido, também gerando sentimentos de injustiça; c) A punição desmoraliza a criança, contribuindo para diminuir a auto-estima e a auto-eficácia. A punição não é o método mais adequado quando o objetivo é criar indivíduos prossociais e proativos; d) A punição pode gerar revolta, e a revolta, aliada ao sentimento de injustiça, pode aumentar a intensidade e frequência dos comportamentos inadequados; e) É muito difícil manter práticas punitivas consistentes. Numa ocasião o comportamento inadequado é punido, noutra não.  Por vezes os pais cedem, deixam pra lá e, assim, reforçam negativamente o mau comportamento, aumentando a frequência deste. A inconsistência contribui para desmoralizar a autoridade dos adultos; f) Geralmente, a punição é emitida como solução extrema, após o adulto haver tentado diversas manobras. Depois de tentar várias medidas para interromper o comportamento inadequado, o adulto perde a paciência e pune a criança. Como a punição é emitida em um contexto de raiva, isto pode contribuir para gerar sentimentos de culpa e comportamentos reparativos por parte do adulto. Concorrendo mais ainda para desmoralizar a autoridade; g) Associada a manifestações emocionais extremanente negativas, a punição pode inspirar medo e ter um efeito traumatizante sobre a criança; h) A punição modela comportamentos agressivos, ensinando o indivíduo que a administração de estímulos aversivos é um método aceitável de modificação do comportamento alheio; i) Quando a criança é teimosa e não obedece, o adulto tende a aumentar a intensidade da punição, incorrendo no risco de abuso e/ou maus-tratos. A análise do comportamento indica então, claramente, que a punição deve ser evitada a todo custo como medida disciplinar. Devendo ser reservada como último recurso em situações muito específicas.


Por que os pais  punem os filhos?

As causas do comportamento parental abusivo podem ser divididas em proximais e distais. A principal causa proximal é o estresse (Belsky, 1993, Maia & Williams, 2005). As causas distais devem ser procuradas nos mecanismos evolutivos da família humana (Belsky et al., 1991, Haase, 2009). Do ponto de vista evolutivo pode parecer um contrassenso que os pais negligenciem ou maltratem seus filhos, uma vez que a continuidade da linhagem gênica depende do sucesso reprodutivo da prole. O paradoxo aparente pode, entretanto, ser resolvido se considerarmos que a ecologia reprodutiva humana é muito variável. Adotar uma estratégia qualitativa de ter poucos filhos e investir mais na prole só funciona se a disponibilidade de recursos no ambiente for adequada, se a mortalidade infantil e juvenil for baixa. Em ambientes de escassez de recursos, alta prevalência de desnutrição e de mortalidade infantil e juvenil, uma estratégia reprodutiva menos baseada na qualidade do investimento parental e mais na quantidade da prole gerada pode ser adaptativa. Se a chance de a prole não sobreviver para se reproduzir for alta, a estratégia adaptativa é ter um número maior de filhos, às custas de uma menor capacidade de investimento parental no seu desenvolvimento. Apesar de a prole criada ser menos capacitada sócio-competitivamente, seu número maior garante estatisticamente uma chance de enviar os genes para as gerações subseqüentes. A partir destas considerações evolucionárias surgiu a hipótese de que as experiências iniciais de vida podem desempenhar um importante papel adaptativo, sinalizando para o indivíduo o tipo de ambiente físico e social que ele enfrentará na idade adulta e que tipo de habilidades ele precisará desenvolver para enfrentar as circunstâncias de vida (Belsky et al., 1991, Chisholm & Burbank, 2001, Ellis, 2004, Haase, 2009, Pluess & Belsky, 2011). É importante ressaltar que o fato de a estratégia reprodutiva quantitativa associada a menor qualidade do investimento parental ser evolutivamente adaptativa, não significa que ela seja moralmente aceitável ou desejável. Mas entender isto é fundamental para o planejamento de políticas públicas, a longo prazo a negligência e abuso infantis somente reduzir-se-ão caso seja propiciado um ambiente mais estável e afluente para as famílias criarem seus filhos.



O que está errado com a “Lei da Palmada”?

A “Lei da Palmada” é mais uma iniciativa desastrada dos nossos governantes e legisladores. Mais um resultado da falta de planejamento, falta de assessoria, enviesamento ideológico, voluntarismo e ausência de embasamento técnico-científico das nossas políticas públicas nas áreas de educação e saúde. Logo que entrou no governo, o Lula pretendia acabar com a fome no Brasil (de Vasconcelos, 2005). Pouco depois foi divulgado que a fome no Brasil era muito menor que se pressupunha e vinha diminuindo há vários anos (Batista Filho & Rissin, 2003). O contingente de indivíduos desnutridos no Brasil (20%) é inferior ao de indivíduos com sobrepeso ou obesidade (30%). E o sobrepeso é especialmente prevalente nas camadas mais pobres da população (Batista Filho & Rissin, 2003, Coutinho et al., 2008, Ferreira & Magalhães, 2005, Monteiro, 2003). Foi constatado, na verdade, que desde a década de 1970 ocorre no Brasil uma tendência secular de progressiva diminuição da desnutrição e aumento do sobrepeso (Batista Filho & Rissin, 2003). Como esta tendência antecede a chegada do Partido dos Trabalhadores ao Governo Federal, muito provavelmente ela se deve mais ao processo de  modernização econômica (Newson & Richerson, 2009) do que a qualquer política governamental específica.

O mesmo acontece com o problema da violência doméstica (de Assis et al., 2005, Pires & Miyazaki, 2005).  O problema é grave mas a solução coerciva é totalmente errada. Filosoficamente errada, em primeiro lugar, porque procura corrigir o problema da coerção disciplinar através de medidas também coercivas. Parece um remédio homeopático: usar o veneno em doses menores e circunscritas para combater os seus efeitos generalizados. Como medida homeopática que é, a “Lei da Palmada” vai ter o mesmo destino de outras leis semelhantes. Ou seja, será mais uma lei que não vai colar. Sim, porque no Brasil tem isto. Tem leis que colam e leis que não colam. As leis que não colam nós já conhecemos de saída. São aquelas leis que causam polêmica, mas cujos efeitos são inócuos porque inaplicáveis. Servem mais para aplacar o sentimento de culpa dos nossos governantes. Para eles mostrarem à população que estão tentando fazer alguma coisa. Ainda que de verdade não estejam tentando fazer nada sério para resolver os problemas a longo prazo. Tudo firula, tudo propaganda. Filosoficamente a “Lei da Palmada” é complicada também porque reflete uma concepção autoritária do estado. A “Lei da Palmada” é mais uma tentativa de impor coercivamente uma agenda politicamente correta à população (Bernardin, 2012). Representa uma intromissão indevida do estado na esfera dos valores e da vida familiar e se reveste de um enorme potencial de abuso. Só que se inverte a polaridade do abuso. Para combater os abusos das crianças por  pais e professoras, incorre-se no risco de o estado abusar do seu poder coercivo contra este mesmos pais e professoras. Não deixa de ser irônico que a madrinha da “Lei da Palmada” seja a Xuxa Meneghel, notória por seu envolvimento em cenas cinematográficas de pedofilia (Wikipedia, 2014a). Irônico também é o fato de que a “Lei da Palmada” está sendo tramitada e aprovada por um regime político que contou entre os assessores da Casa Civil responsáveis por políticas de promoção do bem-estar e desenvolvimento infantil, um indivíduo que está sendo processado por abuso sexual (Azevedo, 2013).


Quais são as minhas credenciais para falar sobre esse assunto?

Minhas credencias para meter o bedelho neste assunto são triplas: a) Como pai de três filhos eu tive que encontrar soluções para os problemas disciplinares enfrentados na educação das minhas crianças. Muito cedo eu descobri que a punição não funcionava pelas razões que já foram apontadas. Procurei então soluções alternativas. A solução que encontrei foi baseada na análise aplicada do comportamento, através de um programa de treinamento de pais para promoção da disciplina não-coerciva, focalizando o incentivo em detrimento da punição (Barkley, 1997, Barkley & Benton, 1998); b) A experiência clínica de mais de 30 anos trabalhando com crianças com dificuldades de aprendizagem e de comportamento tem me mostrado claramente três coisas. A punição é amplamente empregada por pais e professoras, a punição não funciona e a pedagogia do incentivo é extremanente eficaz; c) O interesse pelo assunto me fez desenvolver, junto com inúmeros colegas e alunos, uma linha de pesquisa sobre disciplina não-coerciva no Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento (LND-UFMG). Adaptamos os programas de Barkley para uso no Brasil, principalmente no contexto da neuropsicologia do desenvolvimento. Uma vez que as crianças e adolescentes com transtornos do desenvolvimento apresentam risco duplo, de se comportarem mal e de serem vítimas de práticas disciplinares abusivas. Estes estudos e pesquisas originaram diversas publicações, quase todas em português (Freitas et al., 2005, 2008,  Haase, 2009, Haase, Pinheiro-Chagas & Andrade, 2012, Haase et al., 1998, 2002, 2005, Horta, 2012, Olieira, 2013, Pinheiro & Haase, 2011, Pinheiro et al., 2005, 2006, Teodoro et al., 1999). Jà orientei duas dissertações de mestrado e atualmente oriento mais duas dissertações de mestrado e uma tese de doutorado sobre treinamento comportamental de pais e professores e temas correlatos.


Quais são as soluções possíveis?

A difusão de práticas disciplinares punitivas e os riscos associados de abuso e maus tratos são problemas complexos, multicausados (Belsky, 1993). As soluções devem ser complexas e implementadas de forma integrada em múltiplos níveis. Não existem soluções simples. Eu não tenho a receita. Só posso falar a partir da minha perspectiva como pesquisador e clinico atuando na área de neuropsicologia. A análise evolucionária segundo a qual a qualidade do investimento parental varia conforme a ecologia em que a família vive (Belsky et al., 1991, Chisholm & Burbank, 2001, Ellis, 2004, Haase, 2009) sugere que, a longo prazo, a única solução é a melhoria das condições de vida da população, proporcionando um ambiente mais estável e afluente para as famílias educarem seus filhos.

A melhoria das condições de vida, redução da desigualdade econômica e de gênero, aumento do nível educacional e da inteligência da população são consequências inexoráveis da modernização econômica (Newson & Richerson, 2009). Isto aconteceu no mundo inteiro. Em todos os países onde ocorreu, a modernização econômica acarretou uma mudança demográfica em cerca de 20 a 30 anos. No Brasil não é diferente. A modernização econômica iniciou-se na década de 1950 e acelerou-se no Brasil a partir dos anos 1970. Dados de pesquisa já mencionados mostraram que o Brasil se encontra desde os anos 1970 em um estado de transição nutricional (Batista Filho & Rissin, 2003). Ao mesmo tempo que diminui a prevalência de desnutrição, aumenta a prevalência de sobrepeso e obesidade. Desde o início da modernização econômica nos anos 50 vêm cescendo a renda dos brasileiros (Ferreira et al., 2006), ao mesmo tempo em que decrescem as taxas de fertilidade (de Carvalho & Brito, 2005), mortalidade infantil (Garcia & Santos, 2003) e de gravidez na adolescência (Pinto e Silva, 2012). Aliado redução da fertilidade, o aumento da expectativa faz com que o contingente de pessoas idosas tenha crescido considervalmente no Brasil (Wong & Carvalho, 2006). Tudo isto aconteceu e está acontecendo apesar do Governo. Os indicadores sócio-econômicos brasileiros poderiam e deveriam ser muito melhores. Mas os dados disponíveis indicam que o Brasil não constitui uma exceção à hipótese de Newson e Richerson (2009) de que a modernização econômica é  preditiva de uma transição demográfica.  Nas últimas décadas houve esforços por parte do Governo de combater a pobreza através de programas de transferência de renda (de Vasconcelos, 2005). Os resultados poderiam ser melhores se estas medidas emergenciais de transferência de renda tivessem sido acompanhadas sistematicamente de melhorias na infraestura educacional, de saúde, habitacional etc. (Lavinas, 2007).

A implementação de políticas públicas baseadas em evidências é uma questão complexa, tanto do ponto de vista técnico quanto científico (Horta, 2012). A psicologia pode contribuir de diversas maneiras. Uma das mais importantes ferramentas psicológicas para combater a negligência, abusto e maus-tratos de crianças e adolescentes é a análise aplicada do comportamento (Baldwin & Baldwin, 2001, Kazdin, 2013). Um dos pilares da análise do comportamento é reforçamento diferencial. Ou seja, procedimentos destinados a incentivar o comportamento adequando ao mesmo tempo em que o comportamento inadequado é ignorado dentro de limites. A filosofia de reforçamento diferencial pode ser facilmente implementada através de programas de curta duração de treinamento de pais (Barkley, 1997) e de professores (Oliveira, 2013). Nestes programas com duração de algumas semanas, os pais e professoras aprendem a manejar de forma não coerciva problemas disciplinares, identificando os fatores que desencadeiam e mantêm os comportamentos inadequados, bem como reduzindo sua intensidade ou frequência através do reforçamento diferencial. Estudos metanalíticas têm comprovado a eficiência dos programas de treinamento comportamental de pais, sendo observaos efeitos de magnitude modera (d = 0,4 a d = 0,6) na redução de comportamentos inadequados da criança prevenção de maus-tratos por parte dos pais (Lundahl, Nimer & Parsons, 2006). Efeitos menores são observados no follow-up (Lundahl, Risser & Lovejoy, 2006).


Conclusões

A negligência, punição excessiva e maus tratos de crianças constituem um gravíssimo problema de saúde público, associado a diversos desfechos negativos, principalmente sob a forma de psicopatologia. O projeto de “Lei da Palmada”, ora em discussão no Congresso Nacional, é uma tentativa do Estado Brasileiro encontrar uma solução para estes problemas. Várias evidências sugerem que estas medidas serão inócuas e associadas a diversos efeitos colaterais, bem como potencial de abuso. As evidências psicológicas obtidas na análise aplicada do comportamento indicam que a punição é o método menos eficiente de modificação do comportamento, além de ser associado a toda uma gama de efeitos colaterais. A “Lei da Palmada” consiste em uma tentativa de combater de forma coerciva estatal o comportamento coercivo dos adultos nas famílias. O potencial de abuso é enorme. Na tentativa de combater o abuso das crianças abre-se a porta para o abuso dos adultos. O projeto de “Lei da Palmada” ignora solenemente as evidências da psicologia científica contemporânea. Ideologicamente, a “Lei da Palmada” é mais uma tentativa do estado se imiscuir de forma coerciva no terreno dos valores e da vida familiar. A ideologia subjacente à “Lei da Palmada” é uma concepção autoritária do estado, regulando inclusive o comportamento familiar das pessoas. No dia em que forem criadas delegacias especiais para vigiar o cumprimento da “Lei da Palmada” vamos assistir ao nascimento da polícia dos costumes. Aí vamos estar com os pés bem afundados em uma ditadura disfarçada, a ditatura do politicamente correto. O  mais provável é que esta lei se demonstre inócua. Inócua porque inaplicável. Inócua porque não será leva a sério. Será mais uma lei que não vai colar. Por enquanto, o único mérito deste projeto de lei tem sido o de chamar a atenção midiática para o problema do abuso e maus-tratos na infância. Será que os governantes e legisladores brasileiros não poderiam ocupar melhor seu tempo com medidas mais eficazes para a promoção da qualidade vida da população? Medidas estas que proporcionariam uma ecologia mais segura para as famílias criarem seus filhos, reduzindo assim os estresses subjacentes ao uso de práticas disciplinares punitivas.



Referências

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Wednesday, February 17, 2016

CAPACITAÇÃO EM NEUROPSICOLOGIA PARA AS APAES DE MINAS



Há pouco mais de trinta anos eu estava fazendo a residência médica em neuropediatria na Santa Casa de Porto Alegre. Uma tia minha se envolveu na criação de uma APAE na cidade de Antônio Prado, na Serra Gaúcha. Minha tia convidou-me para colaborar no projeto. E eu aceitei de bom grado. Viajei várias vezes para Antônio Prado nos fins de semana e fiz exame neurológico em todos os alunos matriculados na APAE.

Na época foi um desafio considerável. Um desafio enorme para minha tia e suas colegas do projeto, que estavam começando do zero. Mas, principalmente para mim. Eu  também estava começando praticamente do zero. Tinha muito pouco conhecimento, pouca experiência. E não tinha à minha disposição exames sofisticados tais como neuroimagem ou avaliações genéticas clinicas e laboratoriais.

O desafio era então como ajudar as pessoas, as famílias, os alunos e os profissionais, apenas com os parcos recusos clinicos que eu havia desenvolvido até então: história clinica, exame neurológico e raciocínio diagnóstico.

Todos começamos praticamente do zero. Eu tentanto descobrir como aplicar na prática os poucos conhecimentos adquiridos na faculdade. As APAES de Antônio Prado e de todas outras cidades brasileiras também: identificando alunos, recrutando profissionais e voluntários, criando equipes e estrutura física, arrumando financiamento, trabalhando com as famílias, formulando e implementos projetos pedagógicos etc. etc.

Quando o sociólogo francês Alexis de Tocqueville esteve viajando pelos Estados Unidos no ínicio do Século XIX ele ficou impressionadíssimo com o associativismo, que foi identificado como uma das principais características da sociedade americana. Hoje em dia dizemos que associativismo é capital social.


Aqui no Brasil, as APAES constituem um dos mais belos exemplos de associativismo. Todas as APAES começaram do nada, a partir da garra de pais, educadores, profissionais de saúde e pessoas interessadas em melhorar a educação e assistência social e de saúde a pessoas com deficiências, principalmente intelectual e autismo, e suas famílias. Um dos principais indicadores de desenvolvimento humano é a qualidade da assistência que uma sociedade presta a pessoas que por uma razão ou outra têm dificuldades para se inserir no mercado de trabalho.

As APAES têm origem na comunidade, a partir da iniciativa de cidadãos, de baixo para cima e independentemente de ideologias políticas ou iniciativas estatais. O movimento foi crescendo e se organizando. Hoje existe uma rede organizada que propicia toda uma infraestrutura e tende a se expandir.

Fico muito feliz em poder colaborar com a APAE de Belo Horizonte e com a Federação das APAES de Minas Gerais no Programa de Capacitação em Neuropsicologia do Desenvolvimento (PCND).  Uma das coisas que eu percebi desde o início, durante as minhas visitas à APAE de Antônio Prado, é a importância e o potencial da neuropsicologia para a educação de pessoas com deficiência intelectual e autismo.

A variabilidade é a característica definitória dos fenômenos biológicos. As apresentações fenotípicas de deficiência intelectual e autismo são extremamente variáveis e precisam ser consideradas no processo educacional. As pessoas apresentam variabilidade interindividual em uma série de características com potencial para afetar a aprendizagem e o funcionamento adaptativo, tais como personalidade, habilidades perceptuais e motoras, habilidades lingüísticas, habilidades visoespaciais, habilidades numéricas, inteligência etc. etc.

A avaliação neuropsicológica contribui para caracterizar o fenótipo cognitivo e comportamental de diversos síndromes e transtornos que se associam com deficiência intelectual e autismo. A caracterização do perfil de pontos fracos e pontos fortes é essencial para a individualização do currículo. Um currículo muito difícil, que negligencia as dificuldades do aluno, é fonte de estresse e desmotivação. Por outro lado, um currículo muito fácil, aquém das capacidades do aluno, não promove o desenvolvimento e também pode ser causa de desmotivação e desadaptação.


Antônio Prado é uma das cidades mais lindas que eu conheço. Vejam as belíssimas casas tombadas que remontam à época da Colonização Italiana. Saudades de Antônio Prado!

Essa experiência modesta na APAE de Antônio Prado certamente foi um dos muitos fatores que despertou em mim o interesse pela neuropsicologia. Na época não havia neuropsicologia no Brasil. A neuropsicologia também começou do zero. Mas foi crescendo. 

Atualmente dispomos no Brasil de uma comunidade considerável de pesquisadores e clínicos na área de neuropsicologia. Fico feliz e orgulhoso em pensar que, talvez, os meus mais de trinta anos de trabalho possam ter contribuído para consolidar essa área no Brasil.

A viabilidade do PCND depende da existência de profissionais, docentes e pesquisadores na área de neuropsicologia do desenvolvimento, com perícia na avaliação cognitiva e comportamental, diagnóstico do impacto biopsicossocial das condições de saúde e diagnóstico e intervenções comportamentais com famílias.

Mas a viabilidade do PCND depende crucialmente da existência de uma rede de APAEs, de federações estaduais e nacional, que asseguram a infraestrutura necessária, bem como de dispositivos legais no Estado que permitem a captação de recursos financeiros junto à iniciativa privada através da renúncia fiscal.

É a partir da integração desses diversos fatores que o PCND está se tornando realidade. À medida que as APAEs e a neuropsicologia cresceram, os desafios também foram sendo elevados. O sarrafo foi subindo. O desafio que nos colocamos é capacitar 350 educadores das APAEs de Minas Gerais na área de neuropsicologia do desenvolvimento.

Um número tão grande alunos só pode ser atendido através da educação à distância. É aí que entra o Centro de Apoio à Educação à Distância (CAED) da UFMG. A expertise e a estrutura montadas pelo CAED viabilizam a operacionalização do projeto a um custo-benefício eficiente e realista.

É uma felicidade e uma honra poder participar de um projeto com a envergadura clinica, educacional e social do PCND da APAE de BH e da Federação das APAEs de Minas Gerais. A capacitação dos educadores das APAEs na área de neuropsicologia do desenvolvimento certamente contribuirá para uma individualização dos projetos educacionais dos alunos atendidos.

Discute-se muito no Brasil atual os modelos de educação para pessoas com deficiência intelectual e autismo. Diversos grupos de pressão e até mesmo o Governo Federal tentam excluir as escolas especiais como uma opção educacional para essa clientela. A escola especial virou anátema e ocorre uma forte pressão governamental em favor de um modelo tipo tamanho único, de “inclusão” em escolas regulares.

“Inclusão” em escolas regulares que ocorre sem um planejamento adequado, sem a formação de recursos humanos, sem a disponibilização de recursos materais. E que, justamente por causa dessa desorganização acaba sendo mais excludente do que inclusiva. É interessante observar o contraste entre as APAES, que nasceram de baixo para cima e estão se desenvolvendo e aperfeiçoando há sessenta anos, com as “políticas públicas” gestadas nos gabinetes de burocratas ideologicamente orientados e implementadas de cima para baixo sem levar em consideração o mundo real e as necessidades objetivas e subjetivas das pessoas envolvidas.

A dicotomia entre “escola especial” e “escola regular” é falsa. Não existe antinomia. Ambas abordagens são complementares, se o objetivo é uma inclusão real. A neuropsicologia pode ajudar a caracterizar o perfil do aluno e da família. Fornecendo assim informações sobre as diferenças individuais, as quais precisam ser integradas ao planejamento pedagógico individualizado.


Um determinado tipo de currículo é melhor trabalhado em um certo tipo de escola, outro currículo em outra escola. O tipo de posicionamento escolar depende também das características do aluno, da fase do desenvolvimento em que se encontra, das  características e recursos da família e da disponibilidade de recursos na comunidade. As APAEs estão desenvolvendo e aperfeiçoando essa infraestrutura há mais de sessenta anos. Tenho certeza de que a neuropsicologia tem muito contribuir com esse case de sucesso.

Obs. Informações sobre o Programa de Capacitação em Neuropsicologia do Desenvolvimento (PCND) para as APAEs de Minas Gerais podem ser obtidas no site do PCND.

Aprender a ler as palavras e a interpetrar textos

Como aprender a ler as palavras? Como melhorar a compreensão de textos?

A aprendizagem da leitura pode ser simplificada em duas etapas, parcialmente superponíveis: aprender a ler as palavras e melhorar a compreensão de texto.

A aprendizagem da leitura de palavras isoladas é uma tarefa cognitivamente menos complexa. Depende da habilidade de decodificação fonológico-ortográfica e de muita prática para adquirir fluência. Ao todo, são necessários três anos de trabalho intenso para adquirir fluência em leitura.


A compreensão de textos é bem mais complexa, dependendo de uma série de mecanismos cognitivos, inclusive da inteeligência. O caminho mais acessível para melholrar a compreensão de textos é aumentar o vocabulário, o conhecimento de mundo. Nâo existem técnicas assemânticas para melhroar a compreensão de textos. A gente só consegue compreender textos sobre aquilo que conhece alguma coisa. Então, É preciso aumentar o estoque de conhecimentos sobre um assunto, trabalhar a compreensão de textos sobre aquele assunto. Passar para outro assunto e para outro e assim por diante. Não existe técnica de compreensão de textos isenta da conteúdo.

Os preconceitos contra o treinamento e contra o conhecimento factual são apenas desculpas para a ignorância, das professoras, dos alunos, dos pais e das autoridades. A escola precisa aprender a motivar os alunos para o trabalho árduo. Nâo existe mágica para aprender. A escola precisa ser preenchida e não esvaziada de conteúdo.

A psicologia cognitiva e comportamental já descobriu muita coisa sobre como motivar para o estudo e como os indivíduos adquirem e armazenam conhecimentos.Por que fazer de conta que não aconteceu nada na psicologia desde Vygotsky, Wallon e Piaget? Por que reverenciar um débil mental como o Paulo Freire?

Tuesday, February 16, 2016

CURSO DE FÉRIAS DE NEUROPSICOLOGIA 2016

TÍTULO: Como as crianças aprendem? Bases neurocognitivas das ferramentas culturais da cidadania

DOCENTE: Vitor Geraldi Haase

DATA PROVÁVEL: Segunda semana de julho de 2016

LOCAL: FAFICH-UFMG

INSCRIÇÕES: Aguarde

EMENTA: Mecanismos neurocognitivos subjacentes às quatro habilidades escolares básicas que constituem pré-requisito para a cidadania. Importância do conhecimento (hábitos, fatos e conceitos, habilidades e procedimentos) e da memória de trabalho para a aprendizagem escolar. Bases cognitivas dos métodos de aprendizagem cultural (imitação, instrução e colaboração). Limites da abordagem construtivista.

PROGRAMA: Como as crianças aprendem a

Ler e escrever palavras e números
Contar, resolver operações e memorizar os fatos
Compreender textos
Resolver problemas
Por que o construtivismo não funciona?



ARGUMENTO: Nas últimas décadas a escola vem se transformando progressivamente em um instrumento de engenharia social. A educação foi subordinada à causa da “justiça social”. O objetivo de transmissão de conhecimento, do legado cultural de uma geração para outra, foi ficando cada vez mais em segundo plano. O processo educacional corre o risco de se desfigurar em “problematização” das relações de poder, de gênero, de classe, de raça etc. Quando a escola deixa de priorizar a transmissão de conhecimento, os alunos são privados do acesso ao mesmo e, portanto, da sua principal oportunidade de qualificação profissional e ascensão social.

Individuos sem acesso ao conhecimento e habilidades escolares básicas - que não sabem ler e escrever as palavras e os números, que não sabem fazer contas e resgatar os fatos aritméticos, que não conseguem compreender um texto ou resolver problemas aritméticos da vida diária - também não têm acesso à cidadania. São condenados ao clientelismo de programas sociais e à vassalagem a políticos populistas. Paroxalmente, a instrumentalização da educação em ferramenta para a “justiça social” pode ter como efeito colateral justamente o oposto daquilo que supostamente é almejado. Ou seja, a cristalização da desigualdade social.

A relevância das habilidades e do conhecimento para a aprendizagem escolar é apoiada pelas pesquisas em ciências cognitivas: a) As habilidades de decodificação fonológico-ortográfica são uma condição indispensável para a alfabetização e fluência de leitura; b) A compreensão textual depende do vocabulário; c) A leitura enriquece o vocabulário e desenvolve a inteligência; d) A disponibilidade de habilidades e conhecimentos reduz a sobrecarga de memória de trabalho, facilitando o processamento de informação e a memorização; e) A memorização dos fatos aritméticos e automatização dos algoritmos são essenciais para a aprendizagem de formas mais complexas de matemática; f) A resolução de problemas aritméticos verbalmente formulados depende das habilidades de compreensão textual etc.

As crianças adquirem muitas habilidades e conhecimentos de forma espontânea, no contexto da interação social na família e com seus pares. As habilidades aprendidas espontaneamente na interação social são chamadas de biologicamente primárias e podem ser exemplificadas pela linguagem oral e pelo conceito de número. Outras habilidades e conhecimentos requerem, entretanto, instrução mais formal, constituindo o domínio biologicamente secundário. Constituem exemplos de habilidades biologicamente secundárias, a lectoescrita, o sistema numérico arábico, os algoritmos e a resolução de problemas.

As habilidades biologicamente secundárias precisam ser aprendidas de forma epigenética, através de intervenções pedagógicas. Se a pedagogia descuida dos objetivos de ensinar habilidades e conhecimentos, os alunos não adquirem as ferramentas culturais básicas, que lhes permitiriam funcionar em um mundo cada vez mais complexo e desafiador. A análise dos fundamentos neurocognitivos das habilidades escolares básicas auxilia na compreensão dos obstáculos à sua aprendizagem. 

Saturday, February 06, 2016

BRAIN WASHING: Antídoto contra a ideologia do politicamente correto


O sociólogo, jornalista , coemdiante e cineasda noruguês Harld Eia baunçou o coreto do politicamente correto em sete filmes:

Episódio 1 – Gender equality paradox
Episódio 2 – Parental effect
Episódio 3 – Gay/straight
Episódio 4 – Violence
Episódio 5 – Sex
Episódio 6 – Race
Episódio 7 – Nature vs. Nurture

Thursday, February 04, 2016

A HIDRA CONSTRUTIVISTA


Não vai funcionar. Já foi testado no mundo inteiro e não funcionou. Como não funcionou no resto do mundo os gênios vão testar com as nossas criancinhas. Essa negócio aí se chama construtivismo e não funciona. Há 50 anos sabe-se que o construtivismo não funciona. Mas com o construtivismo acontece a mesma coisa que com o socialismo. Mesmo sabendo que o troço não funciona, de tempos em tempos aparecem uns gênios querendo implementá-lo. Muda o nome, mas a essência continua sempre a mesma: construtivismo, aprendizagem colaborativa, aprendizagem por descoberta, aprendizagem baseada em projetos etc. O negócio é uma verdadeira praga. Tipo assim uma Hidra de Lerna, cujas inúmeras cabeças ressurgem imediatamente à medida que vão sendo decepadas.




Por que o construtivismo não funciona? Há uma ampla literatura documentando e explicando os motivos para o fracasso do construtivismo (Christodoulou, 2014, Hattie, 2009, Sweller et al., 2011, Willingham, 2009), aqual foi sintetizada por Haase e cols. (2015, vide também Haase & Júlio-Costa, 2015). Basicamente, o construtivismo não funciona porque não fornece a estrutura necessária para a aprendizagem, sobrecarregando a capacidade de processamento de informação do aluno. O aluno precisa dividir recursos cognitivos escassos entre descobrir a solução para problemas complexos e pouco estruturados e aprender. Acaba não aprendendo. 

Um outro motivo é o desprezo pelo conhecimento factual e a ênfase no processo, independentemente de conteúdo. Os resultados da ciência cognitiva enfatizam a importância do conhecimento factual para a aprendizagem. O vocabulário, p. ex., é o principal fator que influencia a compreensão textual. Sem memorização e resgate automático dos fatos aritméticos não tem como progredir na matemática. 

Os mais prejudicados por essa filosofia perniciosa são os mais pobres, os menos inteligentes e as crianças que têm dificuldades específicas de aprendizagem. Os alunos mais brilhantes aprendem por conta própria, não precisam de pedagogia para aprender. Os alunos que têm dificuldades não aprendem porque não se lhes fornece a instrução e o treinamento necessários. Os colégios militares e militarizados são uma alternativa muito mais eficiente, que surgiu recentemente no Brasil.

O Brasil é um país curioso. Temos na nossa história, um sujeito genial, do bem, o fundador da educação no Brasil, que é o Padre José de Anchieta. Por alguma razão o PT acha que o Anchieta não é bom que chega para ser oficialmente nomeado "Patrono da Educação Brasileira". Talvez porque ele fosse um indivíduo caridoso, culto, correto, trabalhador, que se alinhasse com a tradição civilizatória ocidental. Daí eles foram buscar o energúmo do Paulo Freire para ocupar essa nobre função. A idéia genial do Paulo Freire foi postular que a educação não deve se restringir à mera transmissão do conhecimento. Não, a educação tem uma missão muito mais nobre. A educação deve ser instrumentalizada para a engenharia social, deve ser usada como veículo para doutrinação e propagação de uma ideologia. Enquanto isso, a revolução socialista não vem e os alunos continuam sem aprender. Mas não é por falta de tentar. Sempre que tem uma coisa que não dá certo lá fora, tem um povo aqui no Brasil que resolve experimentar.



Referências

Christodoulou, D. (2014). Seven myths about education. London: Routledge / The Curriculum Centre.

Haase, V. G., & Júlio-Costa, A. (2015). Ciência cognitiva e educação: um diálogo necessário, porém muito difícil. Rio de Janeiro: Associação Brasileira do Déficit de Atenção.

Haase, V. G., Lima, B. A.C. R. & Júlio-Costa, A. (2015). A lenda do construtivismo. In R. Ekuni, L. Zeggio & O. F. A. Bueno (eds.) Caçadores de neuromitos. O que você sabe sobre o seu cérebro é verdade? (pp. 153-166).São Paulo: Mennon.

Hattie, J. C. (2009). Visible learning. A synthesis of over 800 meta-analyses relating to achievement. London: Routledge.

Sweller, J., Ayres, P., & Kalyuga, S. (2011). Cognitie load theory. New York: Springer.

Willinhgam, D. T. (2009). Why don't students like the school? A cognitive scientis naswers questons about how the mind workds and what it means for the classroom. San Francisco: Jossey-Bass.