Monday, October 02, 2006

Byron P. Rourke

University of Windsor (Ontario, Canada)
(vide o post abaixo sobre educação de crianças com transtorno não-verbal de aprendizagem)

Educação de crianças com transtorno não-verbal de aprendizagem (TNVA)


University of Windsor (Canada)

Tradução e adaptação: Pedro Pinheiro Chagas Munhós de Sá Moreira e Vitor Geraldi Haase.


Introdução

O presente programa de tratamento tem por objetivo auxiliar os cuidadores e os profissionais de saúde e educação para promover a funcionalidade de crianças portadoras de transtorno não-verbal da aprendizagem (TNVA).

O TNVA é um transtorno do desenvolvimento, caracterizado pela coexistência de baixo desempenho acadêmico e dificuldades nas habilidades sociais, visoespaciais, visoconstrutivas e motoras. As crianças portadoras de TNVA geralmente se apóiam nas habilidades verbais para a resolução de problemas de qualquer natureza, uma vez que tais habilidades encontram-se preservadas.

Segue abaixo, portanto, as recomendações que compõem o programa de tratamento.


1. Observe, de perto, o comportamento da criança, especialmente em situações novas e complexas.

Os cuidadores devem se preocupar em observar o que a criança faz e desconsiderar o que a criança diz. Isto deve ajudar os pais, os terapeutas e os professores a desenvolver uma melhor apreciação dos potenciais déficits adaptativos e adequar seus próprios modelos de intervenção com o a criança. Uma das mais freqüentes críticas dos programas de intervenção com crianças portadoras de TNVA é que as autoridades que se responsabilizam pelas intervenções não são conscientes da extensão e significado dos déficits das crianças. Através de uma observação direta sob essas condições, torna-se necessário que a criança participe de um programa de intervenção sistemático e bem coordenado.

Exemplos. O terapeuta pode orientar os cuidadores para que observem o comportamento da criança durante brincadeiras com outras crianças; pode filmar tais interações ou os comportamentos solitários na sala de aula; pode explicar os resultados das normas de escalas de comportamento social.


2. Adote uma atitude realista

Uma vez que esteja estabelecido que o comportamento da criança não é adaptativo, particularmente em situações novas e complexas, o cuidador deve ser realista na avaliação do impacto das habilidades neuropsicológicas da criança (linguagem e memória), bem como dos déficits (processamento visoespacial e visoconstrutivo). Na sala de aula, por exemplo, deve-se ter em mente que a capacidade bem desenvolvida da criança no reconhecimento de palavras e nas habilidades de ortografar não são suficiente para que a criança se beneficie dos diversos modos, formais ou informais, de instrução, especialmente naqueles assuntos que requerem habilidades visoespaciais, visoconstrutivas e de soluções não-verbais de problemas. Sendo assim, existem somente duas alternativas educacionais: adotar procedimentos especiais para a utilização de materiais que requerem as habilidades visoespaciais, visoconstrutivas e de soluções não-verbais de problemas, ou então evitar completamente tais materiais.


3. Ensine a criança de uma maneira sistemática, isto é, passo-a-passo.

Sempre que possível, utilize uma abordagem de ensino verbal indutiva, ou seja, do singular para o geral. Os terapeutas e os professores devem tomar nota de que, se for possível falar de uma idéia, conceito ou procedimento de uma maneira direta, a criança deve ser capaz de compreender pelo menos alguns aspectos do material. Por um outro lado, se não for possível traduzir em palavras uma descrição adequada do material a ser apreendido (como o conceito de explicação do tempo) será provavelmente muito difícil para que uma criança com TNVA se beneficie das instruções.

Deve-se ter em mente que a criança aprenderá melhor quando cada passo verbal é apresentado na seqüência correta, devido às dificuldades da criança na resolução de problemas e na organização perceptiva com materiais novos (mesmo novidades lingüísticas). Um benefício secundário desta abordagem de ensino é que a criança pode ser fornecida com uma série de regras verbais, que podem ser escritas e posteriormente reaplicadas sempre que o seu uso for apropriado. Isto é particularmente importante para o ensino das operações e procedimentos aritméticos mecânicos.

O principal entrave para o engajamento nesse procedimento de ensino é a impressão errônea dos cuidadores de que a criança irá se adaptar facilmente. Isto aumenta a possibilidade de que o cuidador comece o programa a partir de um nível que é muito sofisticado para a criança. A criança com TNVA, por um outro lado, tende a responder mais eficientemente a uma abordagem que seja lenta, repetitiva e altamente redundante.


4. Encoraje a criança a descrever detalhadamente eventos que acontecem em sua vida.

Esta recomendação aplica-se não somente durante as sessões de ensino, mas também em qualquer situação na qual a criança não pareça entender completamente o seu comportamento ou o comportamento dos outros. Por exemplo, quando acontece um incidente no pátio da escola, no qual a criança encontra dificuldades interpessoais, o terapeuta deve pedir para a criança explicar detalhadamente os eventos que ocorreram e a sua percepção das causas do incidente e de seus efeitos. O cuidador deve encorajar a criança para focar nos aspectos relevantes da situação e apontar as irrelevâncias que surgiram. Através da discussão, a criança deve ser ajudada a tornar-se consciente das discrepâncias entre as suas próprias percepções e as dos outros. Nas situações de ensino, uma técnica útil é encorajar a criança para re-ensinar o professor, terapeuta ou ainda outra criança, o procedimento ou conceito que ela aprendeu. Isto ajudará a aumentar a probabilidade de que a criança entendeu, analisou e integrou, de fato, as informações necessárias e que irá aplicá-las em situações futuras.


5. Ensine à criança estratégias apropriadas para lidar com situações problemáticas que ocorrem com periodicidade diária.

Em vários casos, crianças com TNVA não conseguem desenvolver estratégias de resolução de problemas, de uma forma independente, porque elas não têm consciência das reais exigências da situação. Em outros casos, as crianças podem ser incapazes de desenvolver estratégias apropriadas, porque este tipo particular de tentativa requer competências neuropsicológicas básicas que a criança não desenvolveu. Devido a essas razões, tais crianças precisam aprender estratégias apropriadas para lidar com as exigências das situações problemáticas, que ocorrem frequentemente. O professor ou terapeuta descobrirá que as exigências passo-a-passo, para ensinar crianças com TNVA, são muito similares àquelas que seriam empregadas efetivamente em crianças muito mais novas. Mais uma vez, deve-se enfatizar que o erro mais freqüente cometido pelos cuidadores em tais situações é superestimar as capacidades das crianças com TVNA a aprender e aplicar soluções adaptativas e técnicas de enfrentamento na resolução de problemas.


6. Encoraje a generalização dos conceitos e estratégias aprendidas.

Embora a maioria das crianças normais compreenda como uma estratégia ou procedimento particular podem ser aplicados em diferentes situações, ou como certos conceitos podem ser generalizados a uma série de tópicos, a criança com TNVA usualmente apresenta dificuldades com essas formas de generalização. Por exemplo, é comum encontrar crianças com TNVA que foram treinadas assiduamente para melhorar as habilidades de atenção e busca visual, no laboratório ou em um ambiente terapêutico, que encontram dificuldades para empregar tais habilidades efetivamente no dia-a-dia. É importante destacar que as habilidades de transição e de generalização também devem ser ensinadas de uma maneira passo-a-passo, para as crianças com TNVA.

Relacionado a essas dificuldades, o déficit no julgamento de relações de causa-e-efeito é muito comum. Por exemplo, a criança pode não ser capaz de reconhecer que exista uma conexão causal entre pressionar o interruptor de luz e o acendimento da luz. A maioria das pessoas que não são familiarizadas com o TNVA não consegue reconhecer que tais relações devam ser muito bem explicitadas para que a criança com TNVA consiga aprender.


7. Ensine a criança a refinar e utilizar apropriadamente suas habilidades verbais.

Tal como foi mostrado antes, é muito comum que crianças com TNVA utilizem de habilidades verbais muito mais frequentemente e para muito mais propósitos do que crianças normais. Por exemplo, crianças com TNVA podem fazer perguntas repetitivamente como fonte primária de colher informações sobre situações novas e complexas. Isto pode ser bastante inapropriado em algumas situações, especialmente em situações de natureza social, nas quais comportamentos não-verbais são muito mais importantes para a direção e o feedback.

O conteúdo das respostas verbais das crianças com TNVA também pode ser problemático. Uma observação comum é de que essas crianças podem começar respondendo diretamente à pergunta, mas irem gradualmente mudando para um tópico completamente diferente. No final das contas, tal comprometimento acaba alienando o ouvinte da conversa. Treinamentos específicos devem ser aplicados para que a criança passe a compreender perfeitamente “o que dizer”, “como dizer” e “quando dizer” nas várias situações de sua vida, principalmente nas áreas mais deficitárias. Como nas outras formas de intervenção, entretanto, as crianças podem ter dificuldades de generalizar os treinamentos às situações de seu cotidiano.

Por essas e outras razões, é usualmente necessário investir tempo e esforço consideráveis no treinamento da criança para parar, olhar, ouvir e levantar alternativas, mesmo em situações aparentemente de fácil compreensão. A dificuldade de antecipação das conseqüências de suas ações frequentemente faz com que crianças com TNVA acabam entrando em situações nas quais é bem provável que sofram danos físicos ou psicológicos. A tendência usual é de evitar essas situações, depois de repetidas falhas. O papel do cuidador é ajudar a criança a lidar efetivamente com essas situações, e não encorajar a tendência da criança a evitá-las definitivamente.


8. Ensine a criança a fazer melhor uso das suas habilidades visoespaciais e visoconstrutivas.

Tendo em vista que crianças com TNVA apresentam dificuldades nas habilidades visuoespaciais e visoconstrutivas, mas relativa preservação das habilidades verbais, elas tendem a se apoiar nestas habilidades sempre que possível, mesmo quando inapropriado. Tal comportamento reforça a situação na qual as habilidades pouco desenvolvidas não são exercitadas, portanto o desempenho ótimos nas atividades não é alcançado.

Para aprimorar as habilidades visoespaciais, visoconstrutivas e analíticas, uma criança nova com TNVA pode ser ensinada a nomear detalhes visuais em figuras, como forma de encorajá-la a prestar atenção nestes detalhes. Em conjunção com esse exercício, a criança pode ser questionada a explicitar a relação entre os vários detalhes de uma figura, como forma de chamar a sua atenção para a complexidade, importância e significado das qualidades visuais dos estímulos apresentados.

Quando a criança é mais velha, os exercícios devem ser mais funcionais ou praticados no contexto da vida diária. Por exemplo, a maioria das interações sociais requer que a criança decifre os comportamentos não-verbais dos outros, para que ela possa interpretá-los corretamente. É evidente o comprometimento das crianças com TNVA no que diz respeito às habilidades que são cruciais para o desenvolvimento de comportamentos analítico-sociais corretos. Dessa forma, o cuidador pode criar situações sociais artificiais que requerem que a criança se apóie nas suas habilidades não-verbais para a interpretação. Isto pode ser realizado com figuras, filmes, ou em situações reais nas quais não esteja disponível feedbacks verbais. Após um desses exercícios, o cuidado pode discutir a percepção e o papel mais adequado da criança em relação às situações. Ao mesmo tempo, o cuidador pode auxiliar a criança com estratégias para que ela possa decifrar as dimensões não-verbais mais salientes inerentes em tais situações.


9. Ensine a criança a interpretar informações visuais, quando houver informações auditivas presentes.

Treinar a criança a focar nos estímulos visuais quando estiverem disponíveis estímulos auditivos é usualmente mais complexo do que as outras intervenções propostas. Esta recomendação é particularmente importante no ensino da criança em lidar mais efetivamente com situações sociais novas. Nesses casos, é importante não apenas interpretar corretamente os comportamentos não-verbais dos outros, mas também interpretar o que está sendo dito em conjunto com essas pistas não-verbais. Na maioria dos casos, esse tipo de treinamento só deve ser empregado quando houver progresso nas áreas previamente mencionadas.

Exemplo. O cuidador pode pedir que a criança observe interações sociais filmadas que contenham vários níveis de complexidade no que diz respeito à relações físicas e psicológicas de causa-e-efeito. A criança pode ser encorajada a examinar toda a situação disponível antes de propor uma solução para o problema ou antecipar o próximo passo durante a seqüência de ações.


10. Ensine comportamentos não-verbais apropriados.

Muitas crianças com TNVA não parecem ter desenvolvido comportamentos não-verbais adequados. Por exemplo, essas crianças frequentemente apresentam um “olhar vazio” ou outras expressões faciais inapropriadas. Isto é especialmente verdade no caso de indivíduos que exibem déficits neuropsicológicos acentuados. Uma criança com TNVA pode sorrir em momentos inapropriados, por exemplo, quando ela falha em uma tarefa. É importante procurar ensinar comportamentos não-verbais mais apropriados, tendo em vista os conceitos introduzidos em associação com os refinamentos das habilidades expressivas verbais da criança. Sendo assim, ensinar a criança “o que dizer”, “como dizer” e “quando dizer” deve ser o foco de preocupação. Por exemplo, algumas crianças podem não saber como e quando traduzir seus sentimentos de uma maneira não-verbal. A utilização de figuras informativas, exercícios de imitação e outras técnicas e suportes concretos podem ser extremamente interessantes neste tipo de treinamento. Esse tipo de intervenção pode ajudar a criança a se atentar mais ao significado dos comportamentos não-verbais dos outros.

Exemplo. O cuidador pode encorajar o desenvolvimento de mímica, limitando a comunicação entre ele e a criança, durante pequenos períodos do dia, à formas não-verbais. Pode, também, encorajar a criança a interpretar a comunicação mímica de outros, sejam elas filmadas ou em tempo real. Embora a criança com TNVA pode inicialmente ter muita dificuldade nessas atividades, manter um programa que envolve períodos regulares de comunicação não-verbal pode ser bastante efetivo para se atingir metas adaptativamente válidas.


11. Facilite interações em grupos estruturados de pares.

Não é sempre possível promover treinamentos sociais em situações contextualizadas, devido ao fato de que o alcance do terapeuta ou professor é mínimo. Por exemplo, quando uma criança está brincando no pátio da escola, não é sempre possível regular sua brincadeira, de uma maneira que promova seu crescimento no desempenho das interações sociais. Atividades em lugares fechado, como clubes e comunidades grupais formais, entretanto, podem proporcionar um fórum para treinamento social, caso sejam exploradas corretamente. Infelizmente, tendo em vista o incomodo social que algumas crianças com TNVA apresentam, elas podem não ser encorajadas a participar de tais atividades, porque os cuidadores tendem a privá-las de tais encontros, como forma de proteção.

Tal situação levanta a questão da superproteção. Embora os cuidadores mais sensíveis sejam acusados de superprotejer a criança, eles podem ser os únicos que saibam das vulnerabilidades da criança e de suas habilidades mal desenvolvidas. Equilibrar a necessidade de proteção com a necessidade de expandir os horizontes e encontros com a realidade física e social não é fácil. O primeiro e principal passo é entender que o exercício da prudência pode auxiliar nessa dificuldade.


12. Promova, encoraje e monitore sistematicamente atividades exploratórias.

Uma das principais falhas que um terapeuta pode cometer no acompanhamento de uma criança com TNVA é deixar a criança se envolver sozinha em atividades que possuam pouca estruturação, por exemplo, em situações de brincadeiras com outras crianças. Por outro lado, é bastante recomendável que se desenvolva atividades específicas nas quais a criança seja encorajada a explorar seu ambiente. Por exemplo, a atividade exploratória pode ser encorajada juntamente com um programa estruturado de coordenação motora grossa. Dessa forma a criança pode ser exposta a uma oportunidade de explorar vários tipos de aparatos e exercícios que se encaixam em cada aparato. Nesta situação, é importante que a criança não sinta que está competindo com seus pares. Adicionalmente, seguindo a lição, a criança deve ser requerida a dar feedbacks verbais ao instrutor, em relação às atividades que ocorreram.


13. Ensinar a criança como utilizar suportes adequados à idade para atingir metas específicas.

Um suporte potencial para crianças com TNVA mais velhas é uma calculadora de mão, que possa ser utilizada para que a criança confira a exatidão de seu trabalho aritmético mecânico. Caso a solução com lápis e papel de uma operação matemática for corretamente identificada, por meio da calculadora, como errada, a criança deve ser encorajada a repetir o cálculo com lápis e papel. Para adolescentes e adultos jovens, a utilização da calculadora deve ser feita sempre que possível, para que os indivíduos desenvolvam, ao menos, uma capacidade funcional de operações matemáticas comuns e suas aplicações do cotidiano.

Outro suporte que pode ser utilizado, especialmente para crianças mais novas, é um relógio digital. Muitas crianças com TNVA apresentam dificuldades em ler as horas em relógios de ponteiro, o que dificulta o desenvolvimento de conceitos relacionados ao tempo. Um relógio digital pode servil como um instrumento concreto para o ensino de conceitos elementares relacionados ao tempo.

Deve-se explorar o vasto potencial dos computadores, como instrumentos terapêuticos. Programas que proporcionem feedbacks corretivos úteis e apropriados para dificuldades acadêmicas; de uma maneira passo-a-passo, por meio de várias formas de situações quase-sociais e de resolução de problemas, são formas criativas da utilização de software, para o benefício de crianças e adolescentes portadores de TNVA.


14. Ajude a criança a desenvolver insight em situações que sejam fáceis e, também, potencialmente problemáticas para ela.

É importante, para crianças mais velhas e adolescentes com TNVA, que aprendam a reconhecer, de uma maneira realística, as suas capacidades. Dessa forma, as expectativas do terapeuta sempre devem estar em coerência com as habilidades das crianças, tendo em vista que os ganhos nessa área são marginais, na melhor das hipóteses. Por exemplo, a prática do insight da criança pode limitar-se a “Eu sou boa em ortografar, e tenho problemas com matemática”. Entretanto, caso a criança seja fornecida, por adultos informados, com feedbacks consistentes e apropriados, no que diz respeito ao seu desempenho em vários tipos de situações, insights mais sofisticados podem ser desenvolvidos. Isto é especialmente importante no que concerne à utilização de estratégias previamente aprendidas em situações apropriadas. Adicionalmente, isto é importante para que crianças portadoras de TNVA aprendam que possuem habilidades cognitivas mais desenvolvidas e que essas habilidades podem ser empregadas para aprimorar seu desempenho em situações específicas.


15. Trabalhe com todos os cuidadores, para ajudá-los nas mais salientes necessidades desenvolvimentais da criança.

Todas as recomendações que foram feitas previamente podem ser incorporadas por todos os cuidadores, durante suas interações com as crianças portadoras de TNVA. Infelizmente, não é sempre que um contrato entre o cuidador e a criança é bem estabelecido. Consequentemente, faz-se necessário que o profissional responsável pelo acompanhamento da criança portadora de TNVA assuma a responsabilidade majoritária para aconselhar seus cuidadores. Em alguns casos, é necessário que o profissional utilize um programa bem estruturado para o treinamento dos cuidadores.


16. Outras recomendações educacionais.

Segue abaixo outras recomendações referentes ao domínio educacional, para crianças com TNVA:

a. Ensine e enfatize as habilidades de compreensão da leitura, logo quando a criança for capaz de compreender a correspondência grafema-fonema.
b. Estabeleça rotinas regulares na educação da criança para facilitar o desenvolvimento de suas habilidades de escrita.
c. Antes de uma tarefa de cópia, ensine a criança a analisar cuidadosamente o material a ser copiado.
d. Ensine a criança estratégias verbais que irão ajudá-la a organizar o trabalho escrito.
e. Ensine aritmética mecânica de uma maneira sistematizada, verbal e passo-a-passo.
f. Envolva bastante a criança em atividades físicas educacionais. Deve-se ter em mente que todo aprendizado motor é difícil, mas extremamente necessário para crianças portadoras de TNVA.

Tendo em vista que crianças portadoras de TNVA são capazes de aprender a decodificar palavras e soletra-las sem atenção educacional especial, é recomendável substituir, por atividades físicas, alguns momentos de exercícios verbais, durante as aulas.


17. Conscientizar-se do papel do terapeuta na preparação da criança portadora TNVA para a vida adulta.

Educadores especiais, particularmente, devem assumir o papel majoritário em preparar a criança portadora de TNVA para a vida adulta. Diferentemente da maioria dos programas educacionais, nos quais a meta primária é ajudar a criança a aprimorar particularmente o currículo acadêmico, o programa necessário para crianças com TNVA deve ser direcionado principalmente a desenvolver a pragmática da vida. O aprimoramento do currículo acadêmico é insignificante, caso a criança não seja preparada para lidar bem com demandas sociais ou que requerem comportamentos adaptativos, na sua vida independente. É observado, por meio de levantamentos longitudinais, que crianças algumas portadoras de TNVA tendem, quando adultas, a desenvolver formas graves de psicopatologias. Portanto, torna-se evidente que as intervenções com essas crianças sempre devem estar em consonância com suas necessidades imediatas ou de longo prazo e com suas capacidades.
Referência: Rourke, B. P. (1995). Treatment program for the child with NLD. In B. P. Rourke (Org.) Syndrome of nonverbal learning disabilities. Neurodevelopmental manifestations (pp. 497-508). New York: Guilford.

Saturday, September 30, 2006

Cursos de extensão ( 20 horas-aula)

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Wednesday, September 27, 2006

A abordagem diferencial ao desenvolvimento humano

Diversos avanços conceituais e metodológicos importantes ocorridos nas últimas décadas contribuiram para transformar a psicologia do desenvolvimento em uma das áreas mais excitantes de pesquisa e uma das mais promissoras do ponto de vista do impacto de suas descobertas sobre a vida prática (como p. ex., na educação e na clínica) bem como sobre as concepções da natureza humana que fundamentam a aplicação dos seus resultados. A seguir, serão discutidos alguns dos principais avanços em psicologia do desenvolvimento, principalmente sob a forma do surgimento de novos campos de investigação ou subdisciplinas, muitos deles de caráter interdisciplinar. A exposição finalizará com uma descrição de alguns estudos empíricos que indicam a necessidade de complementar o enfoque tradicional, universalista, da psicologia do desenvolvimento com uma abordagem de psicologia diferencial.

Psicologia do desenvolvimento do arco da vida (lifespan developmental psychology): A psicologia do desenvolvimento do arco da vida (PDAV) tem contribuído para conciliar diversas abordagens metodológicas e conceituais tradicionais, procurando abrigar em um mesmo guarda-chuva a teoria do processamento de informação e abordagens contextualistas, servindo-se tanto de métodos quantitativos quanto qualitativos (Baltes et al., 1999). A PDAV ampliou a atenção para além dos focos tradicionais na infância e adolescência, incluindo a idade adulta e o envelhecimento como objetos de interesse. A PDAV contribuiu para evidenciar a complexidade do desenvolvimento humano, a natureza adaptativa e contextualizada do desenvolvimento, as interdependências entre diversas fases do ciclo vital, bem como a multiplicidade e interatividade dos fatores que influenciam o processo de desenvolvimento. A abordagem simultânea, quantitativa e qualitativa, tem contribuído, p. ex., para esclarecer tanto mecanismos gerais do desenvolvimento quanto o impacto subjetivo dos eventos de vida e das transições de fase no ciclo vital, contribuindo para desmistificar velhas noções quanto à desadaptativade do comportamento adolescente ou na velhice.

Genética comportamental: Os delineamentos tradicionais, de gêmeos e adotados, foram refinados, surgindo também novos delineamentos, como os de gêmeos adotados, os quais permitiram caraterizar melhor a repartição da variância atribuída a fatores genéticos e ambientais em modelos aditivos da inteligência e personalidade (Plomin, 1989). Além de evidenciarem que as contribuições genéticas são substanciais, tanto no que se refere à inteligência quanto à personalidade, os estudos genético-comportamentais contribuiram para estabelecer pelo menos dois resultados surpreendentes. O primeiro deles diz respeito ao fato de que, ao invés de diminuir, a heritabilidade de características como a inteligência tende a aumentar à medida que os indivíduos progridem no ciclo vital. Este resultado pode ser interpretado de acordo com a hipótese de neotenia, a qual prevê uma maior influência dos fatores ambientais nas fases iniciais do ciclo vital.

Mas, talvez, o resultado mais surpreendente da genética comportamental diga respeito às descobertas realizadas quanto à influência do ambiente sobre o desenvolvimento da inteligência e da personalidade. Durante décadas, ao longo do século XX, as ciências sociais e comportamentais trataram o ambiente familiar como se ele fosse homogêneo para todos os membros da família. Bastava estudar uma criança como representativa do ambiente de cada família no que se refere à sua estrutura, nível de conflito-coesão, nível sócio-econômico, relligião, etnia, valores etc. para caracterizar a influência ambiental. As análises complementares de partição da variância atribuída aos fatores ambientais e genéticos em estudos de gêmeos, indivíduos adotados e gêmeos adotados contribuiram para mostrar que a situação é bem mais complexa. O ambiente pode ser particionado em pelo menos dois componentes, um compartilhado e outro não-compartilhado. O ambiente não-compartilhado decorre do fato de que cada indivíduo ocupa um nicho ecológico singular na família, podendo ser equiparado à noção tradicional do indivíduo como um agente do seu desenvolvimento. Ou seja, o indivíduo seleciona ativamente o ambiente em que se desenvolve e, portanto, as influências a que se submete.

Genômica comportamental: A utilização de técnicas de biologia molecular tem contribuído para superar os velhos modelos aditivos da genética comportamental. Não se trata mais apenas de determinar a fração de variância que é atribuída ao ambiente em contraposição à genética como influência sobre o desenvolvimento. Ao caracterizar os mecanismos de interação entre genes, ambiente e o indivíduo, a genômica comportamental está contribuindo para construir modelos verdadeiramente epigenéticos. A velha dicotomia galtoniana entre nature e nurture está prestes a ser definitivamente superada, na medida em que modelos empiricamente fundamentados estão demonstrando como os genes interagem com o ambiente e a experiência individual, resultando no amálgama de influências que caracteriza o comportamento e a experiência. Na concepção de Tooby e Cosmides (1995, Cosmides & Tooby, 1995), os genes funcionam como uma espécie de sonda ambiental, direcionando o desenvolvimento para as trilhas potencialmente mais adaptativas conforme as características do ambiente. O papel da genômica comportamental voltará a ser abordado em conjunto com a psicologia diferencial.

Neuropsicologia e neurociência cognitiva do desenvolvimento: Estudos de mapeamento cerebral funcional têm contribuído para caracterizar a dinâmica do desenvolvimento ao longo do ciclo vital, acentuando a interdependência entre o desenvolvimento das funções mentais e cerebrais. Estas abordagens têm contribuído também para dimensionar as potencialidades e os limites da plasticidade sináptica no que se refere à recuperação funcional após lesões cerebrais adquiridas na infância (Stiles et al., 2005). Um outro desenvolvimento importante é o estudo dos chamados fenótipos cognitivos ou comportamentais, que caracterizam muitas síndromes genéticas (Nokelainen & Flint, 2002). A caracterização de manifestações comportamentais e cognitivas específicas associadas a diversas síndromes genéticas é uma das áreas de maior interesse em neuropsicologia atualmente, contribuindo para ampliar o foco das correlações anátomo-clínicas que tradicionalmente se concentrava em lesões macroscópicas para correlações estrutura-função mais sofisticadas, cujo nível redutivo subjacente é caracterizado do ponto de vista genético-molecular.

Sistemas dinâmicos e redes neurais: Modelos dinâmicos e redes neurais conexionistas foram acrescentados como um importante instrumento heurístico à disposição da psicologia do desenvolvimento (Munakata & McClelland, 2003). As redes neurais constituem-se de modelos simplificados que especificam os requisitos estruturais e funcionais mínimos para que um sistema exiba formas adaptativas ou inteligentes de comportamento e desempenho cognitivo. As redes neurais funcionam também como excelentes dispositivos para simular muitas das propriedades dinâmicas exibidas pelo desenvolvimento humano, tais como mudanças de fase que se caracterizam por transformações qualitativamente radicais na estrura e função do sistema. Um dos resultados mais surpreendentes dos estudos com redes neurais é exemplifcado pelos dados empíricos sugerindo que padrões de dissociação no desempenho cognitivo observadas no nível comportamental não implicam, necessariamente, em uma organização modular da mente, tal como preconizado pela neuropsicologia ultracognitiva, mas podem refletir propriedades sistêmicas, derivadas da interação com o ambiente de um sistema com determinadas características estruturais e funcionais (Kello, 2003). Ou seja, ao invés de refletirem diferentes rotas ou módulos mentais, as dissociações de performance muitas vezes observadas em neuropsicologia, tais como aquelas implicadas pelas dislexias fonológica e lexical, podem derivar, em parte, da natureza da tarefa e da dinâmica de sua aprendizagem/desenvolvimento.

Psicologia evolucionista: Enquanto a sociobiologia era caracterizada como uma disciplina basicamente especulativa, uma filosofia de poltrona, a psicologia evolucionista se vale de todo o arsenal conceitual e metodológico desenvolvido pela psicologia ao longo do século XX para analisar empiricamente o comportamento a partir de uma perspectiva darwiniana. A sociobiologia considerava os indivíduos como maximizadores de aptidão. A partir de uma perspectiva evolutivo-psicológica, o indivíduo é um executor de mecanismos adaptativos (Cosmides & Tooby, 1995, Tooby & Cosmides, 1995). Quaisquer mecanismos mentais observados ou inferidos em humanos contemporâneos representam o resultado de um longo processo evolutivo. Os mecanismos específicos de domínio ou módulos, motivações etc. que caracterizam a natureza humana foram selecionados ao longo da filogênese, constituindo-se em estratégias evolutivamente estáveis. Mas a adaptatividade dos mecanismos selecionados diz respeito ao ambiente ancestral, podendo haver diferenças cruciais quanto à sua adaptatividade ao ambiente contemporâneo.

Servindo-se de delineamentos engenhosos, utilizando-se tanto de abordagens experimentais quanto diferenciais, a psicologia evolucionista tem se dedicado a testar empiricamente hipóteses derivadas da teoria da aptidão inclusiva (seleção natural, seleção sexual e seleção de parentesco) contribuindo para iluminar questões relativas à sexualidade humana e aos papéis de gênero, ao desenvolvimento moral, ao comportamento cooperativo e ao funcionamento cognitivo. Trabalhos empíricos têm demonstrado, p. ex., que em condições ambientais adversas o indivíduo amadurece sexualmente mais precocemente, o que pode estar relacionado a desfechos aparentemente desfavoráveis como a gravidez na adolescência, maltratamento da prole. A maturidade sexual precoce a adoção de uma estratégia reprodutiva quantitativa e oportunista podem ser adaptativas quando o ambiente se caracteriza pela escassez de recursos e incerteza e instabilidade das parcerias conjugais (Ellis, 2004).
Psicopatologia do desenvolvimento: A psicopatologia do desenvolvimento é uma área interdisciplinar que enfoca a psicopatologia como um dos desfechos do desenvolvimento (Sroufe, 1997). A complexidade do desenvolvimento humano se manifesta no fato de que não existe uma via régia do desenlvimento, ou seja, uma trilha majoritária percorrida pela maioria dos indivíduos, ou pelo menos por aqueles considerados normais. O desenvolvimento é, concebido, ao invés disto, como um processo epigenético que comporta diferentes graus de adaptativade. O repertório genético define uma série de possibilidades evolutivas, as quais são selecionadas, ainda que de forma não consciente, pelo indivíduo em função da sua experiência com o ambiente. A diferença entre o normal e o patológico não é qualitativa, mas quantitativa. O processo de desenvolvimento é complexo, podendo ser analisado como uma resultante da interação de níveis biopsicossociais de influência, os quais constituem uma unidade ao interagirem. Ao focalizar a psicopatologia como um desfecho do desenvolvimento esta nova disciplina tem contribuído também para acentuar, por contraste, os matizes do desenvolvimento normal. Ao colocar a psicopatologia no contexto do desenvolvimento em uma perspectiva longitudinal ficam claras especificidades das manifestações psicopatológicas em cada fase do ciclo vital, bem como interdependências entre do comportamento em uma fase do ciclo vital e outra. Com isto é possível identificar grupos de risco ou indivíduos vulneráveis, tais como crianças com padrões internalizantes ou externalizantes de transtornos comportamentais, as quais necessitam supervisão, orientação das suas famílias e, eventualmente, intervenções preventivas.
Psicologia diferencial: A psicologia do desenvolvimento tradicional, tal como exemplificada na obra de Piaget ou na abordagem do processamento informação adotava uma perspectiva de psicologia experimental aos fenômenos do desenvolvimento humano. O objetivo principal era generalizar acima de diferentes contextos, procurando caracterizar estágios ou processos universais de desenvolvimento. As novas subdisciplinas descritas sucintamente acima contribuiram para demonstrar que os fenômenos evolutivos se caracterizam por uma complexidade e diversidade muito maior, que ultrapassa uma descrição genérica e abstrata de padrões universais de desenvolvimento. Diferentes trilhas evolutivas podem ser caracterizdas para indivíduos se desenvolvendo sob a circunstâncias de distintas influências, tais como síndromes genéticas ou condições ambientais extremas de um lado, até variações normais de personalidade e no perfil de habilidades do outro.
A necessidade e oportunidade de um enfoque das diferenças individuais ao desenvolvimento humano pode ser ilustrada por dois exemplos de pesquisa. O primeiro diz respeito ao uso de testes de inteligência como preditores de desfechos evolutivos na velhice e o segundo consiste na utilização da abordagem genômica comportamental para caracterizar a relação entre fatores de risco psicossocial e desfechos psicopatológicos. A descoberta, há alguns anos, dos protocolos de testagem de cerca de 90000 crianças escocesas, correspondendo a quase toda uma coorte da população, que tiveram sua inteligência testada aos 11 anos de idade em 1932 permitiu realizar estudos correlacionando diferenças de inteligência na infância com diversos desfechos relacionados à saúde e adaptação psicossocial na velhice (Deary et al., 2004). As correlações obtidas são muitas vezes da ordem de r=0.5, comprovando que a inteligência é um dos melhores preditores isolados de desfechos tais como qualidade de vida, morbidade, mortalidade, integridade cognitiva, sucesso profissional e matrimonial etc.
Mas, talvez, a melhor maneira de ilustrar as vantagens de uma abordagem diferencial em psicologia do desenvolvimento seja considerando a pergunta sobre os motivos pelos quais nem todos os indivíduos que experienciam um determinado fator de risco desenvolvem o desfecho a ele associado. Os maus tratos físicos na infâncias são sabidamente associados com riscos elevados de depressão e comportamento antisocial na adolescência e idade adulta jovem. Mas nem todos os indivíduos maltratados exibem estas manifestações psicopatógicas. É possível perguntar também porque alguns indivíduos apresentam sintomas depressivos e outros comportamentos antisociais em resposta à experiência de maus-tratos. Essas questões foram abordadas em dois estudos conduzidos por Caspi e cols. (2002, 2003) a partir de dados do Dunedin Longitudinal Study.
No primeiro estudo foi observado que havia uma associação estatisticamente significativa para o sexo masculino entre a experiência de maus tratos físicos na infância e comportamento antisocial na idade adulta jovem (Caspi et al., 2002). A variância no comportamento antisocial feminino era tão reduzida que as análises não foram possíveis. Entretanto, a associação entre maus tratos e comportamento antisocial foi moderada, com um forte efeito de dose, pela presença de um polimorfismo genético no gene da monoaminooxidase A (MAO-A), o qual foi caracerizado por técnicas genético-molecularfes. O efeito também foi mais forte para os indivíduos que sofreram maus-tratos de maior gravidade. A associação estatística entre maus tratos e comportamento antisocial foi significativamente mais forte para os indivíduos cujo genótipo se caracerizava pela virtual ausência de atividade do gene da MAO-A, uma enzima envolvida no metabolismo de diversos neurotransmissores comportamentalmente relevantes.
O segundo estudo abordou a associação entre maus-tratos na infância e o surgimento de um quadro depressivo maior no início da idade adulta jovem (Caspi et al. 2003). Novamente, a associação entre o estressor psicossocial e o desfecho psicopatológico foi estatisticamente significativa. A magnitude do efeito foi, entretanto, maior para as pessoas do sexo feminino. Também foi identificada uma relação de moderação genética com efeito de dose entre o estressor psicossocial e o desfecho sintomático. Desta vez o gene implicado foi o gene transportador de serotonina (5-HTT). Indivíduos com alelo de cadeia curta do gene 5-HTT, o qual está envolvido no metabolismo, entre outras, de drogas antidepressivas como o fluoxetina, apresentaram risco significativamente maior de desenvolver os sintomas de depressão maior e o efeito foi mais pronunciado para aqueles indivíduos submetidos a maus-tratos de maior intensidade. Este estudo foi posteriormente replicado por um grupo independente (Kendler et al., 2005).
O efeito de moderação evidenciado para a relação entre determinados genótipos e manifestações psicopatológicas constitui-se em uma forte evidência para o modelo de diátese-estresse em psicopatologia. Estressores psicossociais associam-se com desfechos psicopatológicos, mas esta relação é mais pronunciada para indivíduos geneticamente vulneráveis. Os estudos descritos constituem-se em exemplos de como a genômica comportamental pode ser utlizada para enfocar as interações entre influências genéticas e ambientais sobre o desevolvimento a partir de uma perspectiva verdadeiramente epigenética. A contovérsia nature-nurture acabou (Turkheimer, 2000). Não faz mais sentido discutir sobre esse assunto no momento em que estão disponíveis as ferramentas metodológicas para analisar efeitos interativos multivariados. Outra novidade importante é que a psicologia do desenvolvimento está deixando de ser uma ciência apenas descritiva ou normativa, para começar a aventurar-se na construção de modelos explicativos do desenvolvimento humano. Finalmente, as evidências discutidas indicam que o enfoque descritivo tradicional, o qual focalizava estágios ou processos supostamente universais deve ser complementado por um enfoque diferencial que contempla as especificidades individuais e ambientais. Somente um enfoque diferencial permitirá compreender porque uma dada experiência se associa com um desfecho sob certas circunstâncias mas não em outras.
Conclusões: O risco de supersimplificação é grande, mas a tentação também. Incorrendo no risco de supersimplificação, é possível dizer que:
O estudo do desenvolvimento humano está cada vez mais epigenético. Ao invés de simplesmente procurar dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus no que se refere à controvérsia sobre o papel da natureza e da criação, os novos modelos derivados da genômica comportamental abordam os mecanismos de interação entre os dois tipos de influência. Qualquer modelo que negligencie um dos fatores será considerado incompleto;
O interesse crescente pela diferenças individuais e especificidade contextual fez com que o estudo do desenvolvimento tivesse se tornado mais “diferencial”, incorporando modelos multivariados para tentar explicar as relações entre fatores de risco, resiliência e desfechos;
A psicologia do desenvolvimento deixou de ser uma ciência apenas descritiva e/ou normativa, na medida em que a genômica comportamental e a psicopatologia do desenvolvimento começam a trabalhar com modelos de relações causais. Isto somente foi possível em função dos desenvolvimentos na genética molecular e do surgimento de técnicas multivariadas de análise estatística, como modelos de equações estruturais e curvas de crescimento;
Subdisciplinas como a neuroinformática, neurociência e a neuropsicologia têm contribuído para ancorar o desenvolvimento psicológico na sua base neurobiológica;
O enfoque evolucionista tem contribuído para contextualizar o estudo do desenvolvimento ontogenética em uma perspectiva mais ampla, focalizando diferenças entre espécies e possíveis pressões de seleção no ambiente ancestral.
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Desenvolvimento epigenético: o self como mediador

Epigênese é o conceito de que o desenvolvimento biopsicossocial ocorre a partir de uma integração de influências ambientais e genéticas. O conceito de epigênese foi introduzido pelo geneticista escocês Waddington na década de 40 e se refere aos processos ontogenéticos que ocorrem após o repertório genético ter sido estabelecido. Ou seja, todo o desenvolvimento que ocorre depois ou em cima dos genes. Segundo a fórmula epigenética:

[inserir figura 1]

É importante observar que na fórmula epigenética, o fenótipo não se refere apenas às características somáticas, mas a todos os traços psicológicos, cognitivos, afetivos e comportamentais que são expressos fenotipicamente. O maior desafio para as ciências contemporâneas do desenvolvimento é construir modelos integrativos sobre os modos como as influências ambientais e genéticas interagem umas com as outras para originar o amálgama fenotípico.
Do ponto de vista psicológico, a relação entre genótipo e ambiente é mediada por uma instância representacional e reguladora denominada self. Uma concepção influente considera que o self é um modelo que o indivíduo constrói de si mesmo, em parte a partir de seus sentimentos e percepções corporais, e parcialmente também a partir do reflexos de si que ele observa no comportamento dos outros. O self tem uma raiz biológica, corporal e outra interativa, social. É possível supor que até um determinado momento no desenvolvimento humano não existe um self. Uma das primeiras manifestações comportamentais de um self é o auto-reconhecimento em um espelho. Do ponto de vista filogenético, o auto-reconhecimento só ocorre em grandes primatas, mas não em macacos. Antes que o self se forme o processo epigenético pode envolver uma interação direta entre genes e o ambiente.
A partir do momento, entretanto, em que se constitui um self, a interação entre as influências genéticas e ambientais passa a ser mediada por ele. Ou seja, o self é uma estrutura representacional e auto-reguladora que emerge quando o sistema cerebral-mental atinge um certo grau de complexidade. A partir do debut do self o indivíduo se reconhece como um agente, atribuindo-se das características de uma instância decisória, tais como reconhecimento de preferências e inclinações pessoais, um perfil de habilidades e limitações, uma volição, um livre-arbítrio, capacidade de previsão das conseqüência futuras dos diversos cursos de ação etc.
A função concorrente de diversas estruturas cerebrais se faz necessária para a construção de um self. As mais notáveis são o córtex prefrontal e o sistema hipocampal. A função do córtex prefrontal pode ser modelada em três aspectos principais. O córtex prefrontal dorsolateral está envolvido com a representação cognitiva dos valores e as habilidades de raciocínio lógico, planejamento, organização seqüencial do comportamento e sua regulação por metas projetas para o futuro. O córtex prefrontal medial monitoriza os estados mentais próprios e alheios. Finalmente, o córtex orbitofrontal em conexão com o sistema límbico representa on line os valores de reforçamento dos estímulos e suas modificações no tempo, auxiliando na adaptação do comportamento a contextos altamente variáveis.
Interagindo com áreas prefrontais, o sistema hipocampal é responsável pela estrutura narrativa do self. Uma das características mais distintivas do self humano é sua estrutura narrativa. Além das imagens corporais, de sentimentos e de conceitos, o self é formado por histórias que construímos ou que construíram a nosso respeito e que contamos para nós mesmos e para os outros. A construção de um discurso coerente sobre si mesmo requer, em primeiro lugar, uma estrutura lingüística discursiva, a qual é função do córtex prefrontal dorsolateral esquerdo. O segundo requisito é uma memória episódica. Ou seja, um sistema de memória que permita a construção de uma linha do tempo onde a sucessão e o contexto de ocorrência dos eventos é registrada e acessada.
Do ponto de vista social uma influência poderosa sobre a construção narrativa são as histórias que os pais e outros familiares contam para as crianças. A amnésia infantil impede o acesso consciente na memória aos eventos que antecedem a idade de três ou quatro anos. Uma hipótese influente é que a amnésia infantil decorre da imaturidade do sistema hipocâmpico-prefrontal. A partir do momento em que o self narrativo começa a funcionar, o discurso dos pais e outros familiares influentes pode se constituir em uma fonte importante de influência, na medida em que ajuda a suprir os lapsos e a produzir um discurso coerente.
Desta forma, tanto influências biológico-genéticas quanto influências sócio-ambientais atuam na construção do self. Mas, no momento, em que o self passa funcionar ele próprio se constitui em uma fonte de fluência, na medida em que funciona como uma instância decisória e reguladora. Do ponto de vista psicológico, a fórmula epigenética pode ser então reescrita:

[inserir figura 2]
O processo de desenvolvimento pode ser considerado iterativo. Ou seja, em um determinado momento um determinado self interage com o ambiente, para, no momento seguinte, o self resultante desta interação anterior interagir com um ambiente, que por sua vez também se modifica constantemente de forma dinâmica.
Como construir modelos que abordem a interação entre os diversos tipos de fatores ou influências sobre o desenvolvimento. Uma das respostas possíveis está na genômica comportamental. No estudo longitudinal de Dunedin foi possível demonstrar que a experiência de maus tratos na infância se associa com diversos desfechos psicopatológicos na idade adulta jovem (vide A abordagem diferencial ao estudo do desenvolvimento humano). A partir dos dados de pesquisa foi possível construir um modelo multivariado de moderação. A experiência de maus tratos na adolescência se associa com comportamento antisocial na idade adulta jovem, mas esta associação é mais forte para homens cujo genótipo se caracteriza por um déficit no gene que codifica a enzima MAO-A (Caspi et al., 2002). Por outro lado, a experiência de maus tratos na infância também se associa com depressão maior na idade adulta jovem, mas a associação é mais forte em mulheres cujo genótipo se caracteriza pela presença do alelo de cadeia curto do gene transportador de serotonina (Caspi et al., 2003).

Os resultados quanto ao efeito de moderação genética das influências ambientais sobre os desfechos psicopatológicos podem ser interpretados em termos de um modelo de diátese-estresse. Somente os indivíduos que apresentam uma diátese, ou seja, uma predisposição genética correm maior risco de apresentar um certo desfecho psicopatológico. Mas nem todos os indivíduos que apresentam um determinado genótipo e que experienciam um fator de risco psicossocial como os maus tratos vão desenvolver o desfecho associado. A relação entre os fatores de risco, genéticos e ambientais, e os desfechos é probabilística. Variáveis mediadoras podem influenciar a relação entre os fatores de risco e os desfechos.
Do ponto de vista da psicopatologia do desenvolvimento, representações cognitivas, ou seja, aspectos do self, podem atuar como mediadores entre os fatores de risco e os desfechos, mais ou menos adaptativos (Dodge, 1993). Dodge e cols. (1990) demonstraram que crianças submetidas a maus tratos desenvolvem certos estilos de processamento de informação e crenças sobre si mesmos e o mundo, que favorecem o surgimento de interações agressivas. Tais crianças prestam mais atenção e processam preferencialmente os estímulos hostis no ambiente. Da mesma forma, em situações sociais ambíguas crianças previamente maltratadas tendem a interpretar as intenções do outro como hostis.
Levado às últimas conseqüências, o conceito de desenvolvimento epigenético só pode ser investigado em um programa de pesquisa com as seguintes características: a) análise multivariada, incorporando tanto modelos de interação moderadora quanto mediadora entre as variáveis; b) delineamentos interdisciplinares que incorporem simultaneamente metodologias psicossocias e genéticas, principalmente métodos de genotipagem (genômica comportamental).

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Síndrome de Gerstmann

A síndrome homônima foi descrita por Josef Gerstmann, um neurologista austríaco, na década de vinte. Na forma adquirida, em adultos, ela decorre de lesões do giro angular esquerdo, geralmente de etiologia vascular, e consiste de: 1) agnosia digital; 2) desorientação direita-esquerda; 3) acalculia; 4) agrafia. Um sintoma associado com bastante freqüência é a apraxia construtiva, a qual não é,entretanto, considerada parte da síndrome.A síndrome de Gerstmann é um assunto dos mais debatidos em neuropsicologia, por vários motivos. Em primeiro lugar, há dúvidas quanto a sua própria existência. Vários autores, como p. ex., Arthur Benton, chegaram a negar sua existência. Em um primeiro trabalho Benton buscou apresentar evidências empíricas contrárias a sua existência como entidade autônoma. Vinte anos depois ele publicou outro trabalho concedendo que na verdade a síndrome existe. Como em todas as síndromes, uma das dificuldades é representada pelas formas frustras. Ou seja, nem todos os pacientes apresentam todas as manifestações.

A outra questão importante diz respeito à relação funcional entre os sintomas constituintes da síndrome. Qual a relação entre agnosia digital, desorientação direita-esquerda e acalculia? A partir de uma perspectiva cognitivo-neuropsicológica é comum encontrarmos afirmações de que a existência de muitas síndromes é irrelevante, uma vez que poderiam decorrer apenas da co-localização das funções em uma determinada região do córtex, correspondendo ao território de irrigação de uma certa artéria. Ou seja, a associação entre os sintomas poderia ser fortuita. A co-ocorrência dos sintomas seria atribuída a um acidente anatômico e não a alguma espécie de vinculação funcional entre os mesmos.

Essa perspectiva me parece um grande absurdo. Por que? O motivo é simples. Acreditar que a co-ocorrência dos sintomas em uma síndrome pode ser atribuída a um “acidente anatômico” pressupõe um desacoplamento entre estrutura e função no sistema nervoso. Ou seja, vai contra tudo o que se sabe sobre fisiologia. Na fisiologia, pelo menos desde Claude Bernard, um dos princípios fundamentais é justamente o acoplamento estrutura-função.

O acoplamento estrutura-função constitui, p. ex., a base dos exames de neuroimagem funcional. Se uma determinada área é mais solicitada funcionalmente, então o aporte sangüíneo aumenta. Acreditar que duas ou mais áreas possam ser irrigadas pelo mesmo ramo terminal de uma artéria cerebral sem que estejam funcionalmente correlacionadas é um absurdo. Representa uma ignorância muito grande da fisiologia.

Os territórios de irrigação vascular são definidos, ao menos em parte, pelo estado de ativação do tecido cerebral. Se algumas áreas cerebrais tendem a ser ativadas conjuntamente, elas “puxarão” mais sangue juntas e, portanto, tenderão a serem irrigadas pela mesma artéria. Existem mecanismos de plasticidade neuronal (fatores de crescimento neural) e de angiogênese que são responsáveis por esse acoplamento funcional na ontogênese do organismo. O aforisma “neurons that fire together, wire together”, pode ser reformulado: “neurons that fire together, are irrigated together”. Essas idéias correspondem a uma perspectiva associacionista em que, ao menos em parte, a arquitetura das redes neuronais e da sua vascularização é determinada pelos padrões de atividade no sistema (plasticidade dependente de atividade).

A minha conclusão, portanto, é que deve haver uma conexão funcional muito íntima entre agnosia digital, desorientação direita-esquerda e acalculia. A partir de uma perspectiva piagetiana, poderíamos pressupor que para aprender a contar a criança se apóia em referencias concretos, como p. ex., as noções espaciais e corporais. O espaço é construído a partir de assimetrias corporais (direita-esquerda, frente-atrás, acima-abaixo), os dedos são referenciais concretos para a contagem etc.

Um terceiro aspecto diz respeito às formas do desenvolvimento da síndrome de Gerstmann descritas por Kinsbourne e Warrington na décda de 60. Ou seja, algumas crianças com dificuldades de aprendizagem escolar, principalmente discalculia, apresentam os outros sintomas da síndrome de Gerstmann. Mais recentemente dois autores indianos publicaram uma série de casos que correspondem à descrição da síndrome de Gerstmann do desenvolvimento. Muitos casos da forma “do desenvolvimento” da síndrome de Gerstmann apresentam manifestações associadas, tais como transtornos externalizantes do comportamento ou evidências eletrofisiológicas que sugerem disfunção do hemisfério direito, adicionando mais lenha à fogueira do debate sobre a lateralização lesional. Seria então a variante do desenvolvimento distante da variante adquirida do adulto?

Em resumo, diversas dificuldades são colocadas pela síndrome de Gerstmann: 1) os elementos constituintes da síndrome de Gerstmann são potencialmente dissociáveis, podendo ocorrer isoladamente, ou ocorrendo em formas frustras da síndrome, nas quais não se manifestam todos os sintomas constituintes; 2) a base comum para a associação ou dissociação entre os diversos sintomas constituintes não é de forma alguma clara; 3) existem dúvidas quanto à lateralização lesional e, eventualmente, quanto à existência de uma variante “do desenvolvimento”.

Mesmo assim, há argumentos teóricos importantes, a partir de uma perspectiva associacionista para acreditar que a associação entre os sintomas constituintes não deve ser fortuita e que a pesquisa por um modelo conceitual explicativo eventualmente será recompensada. Do ponto de vista empírico, por outro lado, não há estudos disponíveis que permitam descartar o valor localizatório da síndrome de Gerstmann, demonstrando que o mesmo é inferior ao de outras síndromes neuropsicológicas. Assim é possível concluir que, longe de estar encerrado o debate sobre a síndrome de Gerstmann não foi resolvido até o momento. E que, longe de constituir uma evidência contra a abordagem síndrômica em neuropsicologia, a síndrome de Gerstmann pode ser concebida como um belo exemplar das vantagens e desvantagens associadas com essa abordagem.

O córtex prefrontal e a tomada de decisões

As conseqüências neuropsicológicas das lesões de áreas prefrontais podem ser dramáticas e complexas. Muitas vezes, a integridade dos mecanismos sensório-motores elementares, bem como da estrutura sintático-fonológica da linguagem, contrasta com os graves déficits observados no comportamento e na cognição. Em diversos graus, os pacientes podem apresentar misturas de falta de motivação, falta de iniciativa, uma espécie de inércia comportamental, déficits na capacidade de juízo e insight, pensamento concreto e déficits na capacidade de planejamento estratégico com impulsividade, desinibição comportamental e sexual, comportamento pueril e jocoso, grandiloqüência etc.Alguns pacientes exibem um elevado grau de controle do seu comportamento pelas contingências imediatas, o que constitui a chamada síndrome de dependência ambiental. O indivíduo transforma-se em uma espécie de autômato ou "ser behaviorista radical", perdendo a capacidade de auto-controle. Um exemplo disto é o chamado comportamento de utilização, em que a pessoa utiliza automaticamente objetos colocados a sua frente pelo examinador.


Trabalhando com feridos na Primeira Guerra Mundial, o neuropsiquiatra alemão Karl Kleist definiu duas síndromes prototípicas, posteriormente denominadas por Blumer e Benson na década de setenta de síndromes pseudopsicopática e pseudodepressiva. A síndrome pseudodepressiva decorre, geralmente, de lesões da convexidade látero-superior do córtex prefrontal e se caracteriza pelos déficits na capacidade de iniciativa e do pensamento abstrato mais complexo. A síndrome pseudopsicopática, por sua vez, caracteriza-se por impulsividade e desinibição, sendo mais freqüentemente associada com lesões orbitofrontais ou ventromediais. Obviamente, estas duas síndromes são protótipos ou casos ideais, na maioria dos pacientes ocorre uma mistura em graus variados dos diversos componentes de uma e de outra.

O diagnóstico e mensuração da gravidade dos sintomas decorrentes de lesões ventromediais no lobo frontal constitui um dos maiores desafios enfrentados pela neuropsicologia contemporânea. A capacidade de tomada de decisões é uma das áreas em que esta dificuldade é mais acentuada. Ficaram célebres relatos de pacientes que apresentam desempenho normal em testes de inteligência e neuropsicológicos convencionais, mas que apresentam um padrão desastrado de tomada de decisões na vida (Damasio, 1996). Um paciente pode, por exemplo, ser encaminhado para avaliação neuropsicológica por uma série de decisões desastradas na sua vida, as quais acarretaram sua falência, a destruição do seu casamento, o contraimento de dívidas, o envolvimento com comportamentos socialmente inapropriados etc. Dificuldades estas que podem contrastar com o desempenho normal,muitas vezes até acima da média em testes de inteligência, como o WAIS, ou em testes neuropsicológicos clássicos de função executiva.

Um avanço importante para a resolução destas dificuldades em caracterizar as dificuldades com o processo de tomada de decisões em pessoas com lesões frontais foi o desenvolvimento da Iowa Gambling Task (Bechara et al., 1994). Na Iowa Gambling Task o probando recebe um cacife de $ 2000,00 em notas de fantasia e precisa escolher cartas a partir de quatro baralhos que lhe são apresentados. No maço A, a maioria das cartas dá recompensas de $ 100,00, mas de tempos em tempos é cobrada uma penalidade financeira moderada (com perdas variando de $ 50,00 a $ 250,00). No maço B, os ganhos na maioria dos ensaios são da ordem de $ 100,00, mas quatro ensaios distribuídos ao longo das tentativas implicam em penalidades de $ 1250,00 cada. Os maços C e D fornecem ganhos menores a cada tentativa ($ 50,00), mas perdas também menores, de modo que a opção preferencial pelos baralhos C e D leva a um acúmulo progressivo de dinheiro de fantasia ao longo da série de ensaios. As regras não são explicitadas para o probando. O mesmo deve inferí-las a partir da sua experiência. A tarefa é encerrada após 100 ensaios, mas isso também não é comunicado ao examinando.

Indivíduos-controle aprendem após cerca de meia dúzia de ensaios que devem evitar os baralhos A e B, restringindo suas opções aos baralhos C e D, o que acarreta um acúmulo progressivo de capital. Pacientes com lesões dos setores ventromediais do lobo frontal não conseguem suprimir o impulso de escolher cartas dos maços A e B, que se associam com maiores ganhos, mas também com maiores perdas. Tais pacientes, por vezes, exibem um comportamento tipicamente observado em pessoas com lesões frontais: verbalizam a resposta mais vantajosa, mas persistem escolhendo as respostas menos vantajosas. A respeito do maço B, uma paciente comentou: "Ah esse B, eu não gosto dele!". Alguns ensaios depois ela voltava a retirar uma carta do baralho B. Sobre o maço C ela comentou; "Se eu continuar ganhando 50 assim está bom!". Apenas para alguns ensaios depois tornar a retirar uma carta do baralho B.O grupo de Iowa City observou também que indivíduos normais começam apresentar, após alguns ensaios durante a tarefa, respostas psicogalvânicas antecipatórias, as quais estão ausentes nos pacientes com lesões ventromediais. A observação de ausência de respostas psicofisiológicas antecipatórias em indivíduos com lesões dos setores ventromediais do córtex prefrontal levou Damasio (1996) a propor a hipótese do marcador somático.
Segundo a hipótese do marcador somático, sinais autonômicos oriundos do corpo são integrados nos setores ventromediais dos lobos frontais, os quais contribuem com um componente afetivo no processo de tomada de decisão, o qual já demonstra eficácia antes mesmo de o indivíduo conseguir desenvolver uma representação explícita das contingências a que está submetido. Segundo a hipótese dos marcadores somáticos, o processo de tomada de decisões em situações reais é auxiliado por estes sinais corporais oriundos do sistema nervoso autônomo e a tomada adaptativa de decisões depende da integração de sinais emocionais com um análise cognitiva da situação. Em pacientes com lesões restritas dos setores ventromediais ocorre uma dissociação entre o componente afetivo, comprometido, e o componente cognitivo, muitas vezes preservado, dependendo da extensão da lesão.

O surgimento da Iowa Gambling Task representou um importante avanço na caracterização dos déficits observados em pacientes com lesões prefrontais. Do ponto de visto teórico contribuiu também para consolidar uma corrente que enfatiza a integração de aspectos da afetividade com a cognição no funcionamento cerebral/normal. Os mecanismos funcionais e estruturais responsáveis pelos comportamentos caracterizados como emocionais não são fundamentalmente distintos daqueles categorizados como cognitivos. Entretanto, nem todos os estudos conseguiram replicar os dois achados principais do grupo de Iowa City: 1) pacientes com lesões da convexidade dorsolateral também podem apresentar o mesmo padrão de déficit; 2) nem todos os estudos foram capazes de obter os achados referentes às respostas psicogalvânicas (vide revisão em Fellows, 2004).

As inconsistências nos resultados com a Iowa Gambling Task indicam que há necessidade de fazer mais pesquisas para elucidar estas questões. Um aspecto crucial diz respeito ao fato de que a tarefa é bastante complexa, sugerindo a necessidade de decompô-la em componentes constituintes a partir de um modelo de processamento de informação. Um modelo freqüentemente usado sugere que o processo de tomada de decisões pode ser decomposto em três fases: 1) identificação ou geração de opções; 2) avaliação das suas conseqüencias; e 3) escolha (Fellows, 2004; Paulus, 2005).

Um exemplo de aplicação da estratégia de decomposição da tarefa em subcomponentes é uma variante da tarefa proposta por Rogers e cols. (1999), na qual é abolido o componente de aprendizagem. O indivíduo recebe um feedbak analógico na tela do computador indicando os valores reforçatórios associados com cada opção. Ainda assim, pacientes com adição a drogas continuam selecionando preferencialmente dos maços desvantajos, indicando que o seu comportamento não é regulado pela representação cognitiva dos valores associados aos estímulos.Os dados clínicos e experimentais são consistentes com os resultados de cirurgias em animais. Um paradigma comportamental freqüentemente utilizado é a inversão do valor dos estímulos. Em um paradigma de condicionamento operante, o animal inicialmente aprende a associar o estímulo A com um reforçador e o estímulo B com uma punição. Após esta contingência ter sido bem estabelecida, a polaridade é invertida e o estímulo A passa a ser associado com uma punição e o estímulo B com reforço. Animais submetidos a ablações do córtex orbitofrontal apresentam muita dificuldade com essa tarefa de reversal learning (Rolls, 1999).

Outros achados experimentais em animais mostram que as áreas olfativas e gustativas primárias sempre exibem respostas neurofisiológicas quando estimuladas com alimento ou odores. As respostas neurofisiológicas do córtex orbitofrontal, contudo, são dependentes do estado do organismo, não respondendo aos reforçadores primários quando o animal está saciado (Rolls, 1999). A interpretação mais plausível para estes resultados é que as regiões orbitofrontais estão envolvidas com a representação do valor de reforçamento dos estímulos.

Dados de neuroimagem funcional em humanos, revisados por Elliott e cols. (2000) indicam que as porções mediais do córtex orbitofrontal são ativadas quando não existe informação suficiente para determinar o curso mais apropriado de ação. Nessas circunstâncias, o córtex orbitofrontal contribui na tentativa de desambiguar o contexto e definir o que deve ser feito a seguir com base no valor reforçatório associados com os estímulos e respostas em um determinado contexto.
Conclusões: Dois sistemas prefrontais

Os achados clínicos e experimentais descritos permitem desenvolver um modelo das correlações anátomo-clínicas das áreas prefrontais, segundo o qual as regiões prefrontais do córtex cerebral desempenham importante papel nas funções auto-regulatórias do organismo por meio de suas conexões com outras regiões do encéfalo, tanto corticais quanto subcorticais. Dois sistemas auto-regulatórios principais podem ser identificados em relação com o córtex prefrontal e suas conexões, o sistema dorsolateral (cognição abstrata, descontextualizada, mecânica) e o sistema ventromedial (tomada de decisões pessoal e social, contextualizada, pragmática).
Sistema Dorsolateral: Um sistema tem origem embrionário no chamado arquicórtex e conecta as regiões dorsolaterais do córtex prefrontal principalmente com o hipocampo e lobo parietal. Esse sistema está envolvido predominantemente nas chamadas funções mentais superiores que exigem memória de trabalho, capacidade de planejamento, solução de problemas e tomada de decisões com vistas a problemas de natureza abstrata, descontextualizada. O sistema do córtex prefrontal dorsolateral é recrutado para a resolução de problemas de natureza mais intelectual, isto é, problemas abstratos, fechados, bem definidos e que comportam uma solução única (verdadeira ou falsa). Tais problemas correspondem aos testes neuropsicológicos corriqueiramente empregados, tais como testes de atenção, memória, linguagem, solução de problemas, habilidades perceptivas, motoras e construtivas etc.

Sistema Ventromedial: O sistema ventromedial se origina embrionariamente do páleo-córtex e conecta as regiões orbitofrontais principalmente com a amígdala e outras áreas do chamado sistema límbico. Esse sistema se ocupa preponderantemente do processamento de informação social, motivacional e emocional, sendo responsável pelo controle de impulsos e pela adequação social do comportamento, ou seja, pela inserção do comportamento em um contexto afetivo-motivacional e relacional. O tipo de situação que recruta a atividade dos circuitos ventromediais diz respeito a problemas de natureza mal definida e eminentemente contextualizada, que não comportam uma solução única e correta. As soluções possíveis precisam ser avaliadas pelo indivíduo em termos relativos, quanto às suas conseqüências futuras e ao grau de adaptabilidade que eventualmente possam promover. Mas, muitas vezes, não existe uma solução ótima. A adequação das soluções possíveis depende em quanto elas possam eventualmente promover ou impedir a consecução dos objetivos motivacionais do indivíduo.

A observação clínica e experimental de Damasio (1996) chamou atenção para indivíduos com lesões nas porções límbicas dos lobos frontais, que muitas vezes apresentavam resultados excelentes em tarefas descontextualizadas como testes de inteligência ou de personalidade, mas que persistiam com graves dificuldades adaptativas na vida pessoal e cotidiana, principalmente no que se refere ao planejamento de vida e tomada de decisões pessoais e sociais. A partir dessas observações Damasio postulou que a dificuldade dessas pessoas poderia estar relacionada a déficits em um mecanismo de sinalização neural, os chamados "marcadores somáticos", que integra os aspectos afetivo-motivacionais aos cognitivos no processo de tomada de decisões contextualizado na vida pessoal e interpessoal.

As estruturas da superfície medial do córtex prefrontal, entre as quais o córtex cingular anterior, se distribuem entre os dois sistemas. As porções mais dorsais integram o sistema cognitivo dorsolateral, enquanto as porções mais ventrais são funcionalmente relacionadas ao córtex orbitofrontal e ao sistema límbico. O córtex cingular anterior participa em funções tais como a monitorização dos estados mentais em si mesmo e nas outras pessoais, na monitorização e na correção de erros, além de estar envolvido em outras funções de natureza vegetativa, bem como nas respostas sexuais e no orgasmo (Devinsky et al., 1995).

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