Tuesday, June 28, 2016

Por que as crianças não aprendem na escola?

A neuropsicologia do desenvolvimento, mais especificamente a neuropsicologia escolar, é uma área do conhecimento teórico e prático que procura identificar e explicar as razões pelas quais algumas crianças não aprendem na escola bem como auxiliar na formulação de estratégias pedagógicas eficazes para superar as dificuldades.

Cerca de 5 a 10% das crianças não aprendem a ler as palavras ou têm dificuldades persistentes com a realização de operações mais simples de adição, subtração e multiplicação e, principalmente, não memorizam os fatos de multiplicação. Quando essas dificuldades mais graves são persistentes e não podem ser explicadas por fatores secundários tais como deficiência neurosensorial ou intelectual, falta de motivação ou estimulação, falta de oportunidade de aprendizagem etc., pode ser realizado um diagnóstico de dislexia ou discalculia do desenvolvimento.

Um contingente populacional um pouco maior - de cerca de 25% nos países do Hemisfério Norte, mas certamente maior nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento – apresenta problemas mais leves porém persistentes até a vida adulta. São adolescentes que conseguem ler as palavras, mas não conseguem compreender textos. Ou que conseguem realizar as três o perações mais básicas e memorizaram os fatos de multiplicação, mas não conseguem aprender a divisão, fracção, decimais, juros etc. Ou a utilizar essas habilidades para resolver os problemas aritméticos que surgem na vida cotidiana e  profissional. As dificuldades de leitura desse contingente maior não corresponde a nenhuma categoria nosológica, sendo referida como analfabetismo funcional. Não existe um termo semelhante em português para as dificuldades em aritmética. Em inglês fala-se em iliteracy e inumeracy.


Os indivíduos com dificuldades persistentes de aprendizagem das habilidades escolares básicas da cidadania, quer sejam mais graves ou mais leves, representam um motivo de preocupação clinica, social e econômica. As informações disponíveis indicam que, como o próprio nome diz, as ferramenteas escolares da cidadania são indispensáveis para a obtenção e manutenção de um emprego e renda. As dificuldades persistentes de aprendizagem escolar constituem também um fator de risco para desadaptação psicossocial, manifestando-se sob a forma de psicopatologia internalizantes nas mulheres e exetrnalizantes nos homens. Na sociedade da informação, as habilidades escolares da população constituem um dos principais ativos econômicos. Fala-se, inclusive, em capital cognitivo. Enquanto o capital cognitivo do Brasil for baixo, o gigante continuará adormecido.

As causas das dificuldades persistentes de aprendizagem são múltiplas e podem ser sistematizadas em fatores relacionados à criança, à família, à escola e ao contexto sócio-cultural mais amplo. O interesse principal da neuropsicologia diz respeito às causas de dificuldades de aprendizagem inerentes ao indivíduo. O neuropsicólogo está interessado em compreender, diagnósticar e ajudar crianças com diagnóstico de dislexia, dislexia, TDAH, autismo, deficiência intelectual etc. que apresentam dificuldades de aprendizagem.

Mas nenhum indivíduo é uma ilha. Até as crianças com dificuldades de aprendizagem vivem em condições ecológicas com potencial para afetar seu desempenho escolar. Apesar de a neuropsicologia estar mais interessada na variabilidade interindividual inerente, causada por transtornos do desenvolvimento ou lesões cerebrais, a dimensão ecológica não pode ser negligenciada no diagnóstico e intervenção. Nesse pequeno ensaio serão discutidos algumas interações entre variáveis neuropsicológicas e ecológicas com potencial para afetar o desempenho escolar.

A discussão será contextualizada na experiência do Ambulatório Número, uma clinica especializada em dificuldades de aprendizagem da aritmética e síndromes genéticas que funciona no Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da UFMG (tel. 31/34096295). O Numero é um ambulatório de pesquisa no qual os atendimentos são conduzidos no âmbito de projetos de pesquisa aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG e financiados por entidades públicas de fomeneto à pesquisa, tais como FAPEMIG, CNPq e CAPES. No âmbito das pesquisas são realizadas atividades de formação de recuros humanos (iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado) e atendimento clinico à comunidade carente, incluindo diagnóstico, aconselhamento e intervenções neuropsicológicos.

Os atendimentos no Número são realizados em três fases: 1) Avaliação neuropsicológica breve; 2) Avaliação neuropsicológica geral; e 3) Avaliação das habilidades cognitivo-numéricas e intervenções.

A avaliação neuropsicológica breve é usada como um processo de triagem para  selecionar casos nos quais haja a suspeita diagnóstica de discalculia do desenvolvimento. As mães ou responsáveis realizam uma entrevista clinica e respondem a questionários sobre o comportamento e sintomas psicopatológicos das crianças. As crianças realizam uma bateria neuropsicológica breve consistindo de testes de inteligência e de desempenho escolar padronizado em aritmética e ortografia. Após a realização da avaliação neuropsicológica é fornecido um relatório para as mães, sendo realizada uma entrevista de aconselhamento. Os casos nos quais foi levantada a hipótese de discalculia são indicados para a segunda fase de avaliação. Os outros casos são encaminhados para os recursos diagnósticos e terapêuticos disponíveis na comunidade, sempre que necessário. A avaliação neuropsicológica breve é realizada em uma sessão simultânea com a mãe e com a criança e uma sessão de devolução com a mãe.

A segunda fase de avaliação se estende por quatro a cinco sessões individuais. São selecionadas para a segunda fase as crianças que apresentam quadros sugestivos de discalculia do desenvolvimento. São critérios de exclusão a presença de deficiência intelectual, autismo e transtornos de conduta. A segunda fase compreende uma anamnese mais aprofundada e abrangente com a mãe testes nos domínios cognitivos geral (inteligência, destreza motora, habilidades visoespaciais e visoconstrutivas, memoria de trabalho e funções executivas, leitura e processamento fonológico) e numéricas (senso numérico, transcodificação entre notações numéricas, operações aritméticas simples, fatos aritméticos, problemas aritméticos verbalmente formulados e ansiedade matemática). A segunda fase de avaliação encerra-se novamente com o fornecimento de um relatório e uma entrevista de aconselhamento com a mãe.

A segunda fase de avaliação neuropsicológica permite confirmar o diagnóstico de discalculia do desenvolvimento e identificar comorbidades associadas, tais como ansiedade matemática ou generalizada, hiperatividade, dislexia etc. Os casos identificados como discalculia do desenvolvimento são então encaminhados para a terceira fase do atendimento. O objetivo da terceira fase é caracterizar o subtipo de discalculia do desenvolvimento, orientando assim e iniciando o processo de intervenção.

Na terceira fase, o perfil de habilidades numéricas comprometidas e preservadas é analisado, sendo realizados testes complementares quando necessário. Essa análise mais aprofundada é conduzida à luz dos modelos cognitivo-neuropsicológicos dspóniveis, permitindo caracterizar o desempenho da criança em função de domínios do processamento numérico e da aritmética: senso numérico, processamento simbólico, operações simples ou mais complexas, problemas verbais etc. É possível caracterizar também  os fatores cognitivos potencialmente implicados nas dificuldades tais como problemas motivacionais (ansiedade, impulsividade)ou cognitivos (dificuldades com a memória de trablao e funções executivos, com o senso numérico, com o processamento fonológico, com o processamento visoespacial etc.).

A partir da caracterização mais detalhada do perfil de processos psicológicos comprometidos e preservados é possível formular programas de intervenção para o senso numérico, domínio do sistema arábico, conceitos e procedimentos operacionais, fatos aritméticos e problemas verbais. Os aspectos emocionais e motivacionais são atendidos através de programas de treinamento comportalmental para pais e programas de treinamento cognitivo-comportamental para ansiedade matemática para as crianças.

As intervenções com as crianças e com os pais são formuladas em moldes cognitivo-comportamentais, incluindo ingredientes de análise dos componentes das habilidades e instrução das habilidades mais simples para as mais complexas, uso dew representações concretas de apoio, individualização curricular e aprendizagem dsem erro, exercícios e prática repetidos e distribuídos com feedback, auto-controle e auto-instrução, reforçamento diferencial e auto-reforçamento.

O atendimento no Ambulatório Número procura ser integral,  considernado as necessidades da criança e da família. Mas é fortemente influenciado pelo modelo assistencial de saúde, por utilizar categorias nosológicas e formular diagnósticos. O modelo de saúde tem sido criticado como “medicalização do ensnio” e algumas alternativas foram propostas para resolver as dificuldades de aprendizagem no âmbito da própria escola, sem recorres a profissionais de saúde.

Um dos modelos alternativos preconizados é a resposta à intervenção ou (RTI, response to intervention). O modelo de RTI consiste em empregar instrumentos de rastreio no último ano da educação e identificar crianças que apresentam dificuldades cognitivas sugestivas de problemas ulteriores de aprendizagem, quer seja na leitura quer seja na aritmética. As crianças identificadas como estado sob risco recebem então intervenções pedagógicas adicionais e mais intensivas, sendo posteriormente avaliadas. Se a criança persistir com dificuldades um novo ciclo de intervenção é iniciado e assim ucessivamente.

O modelo de RTI tem vários atrativos, mas também se caracteriza por alguns problemas. As principais vantagens da RTI são a ênfase no diagnóstico e intervenção precoce e o manejo preventivo das dificuldades no próprio âmbito escolar. Sem haver a necessidade de recrutar outros profissionais ou encaminhar a criança para serviços fora da escola.

Uma das dificuldades com a RTI é que o seu sucesso depende da qualidade da intervenção bem como do engajamento das professoras e alunos. O maior problema talvez seja, entretanto, que algumas crianças vão continuar apresentando dificuldades graves e resistentes às intervenções sucessivas. Provavelmente a RTI é adequada para melhorar as dificuldades de crianças cujas dificuldades são mais leves, temporárias e mais relacionadas a causas ambientais do que a fatores intrínsecos. Um grupo reduzido porém significativo de crianças vai permanecer com dificuldades apesar de todos os esforços pedagógicos. São essas as crianças que apresentam transtornos de aprendizagem.

Essas crianças com dificuldades mais graves e persistentes têm um risco maior de apresentar problemas médicos associados, tais como deficiência intelectual, lesões cerebrais, síndromes genéticas, transtornos psiquiátricos ou doenças clinicas em geral. Essas crianças geralmente necessitam também de intervenções mais intensas e individualizadas. Uma dos potenciais problemas com a RTI é retardar o acesso dessas crianças aos serviços especializados que as beneficiariam.

Um dos maiores problemas do modelo biomédico dos transtornos de aprendizagem é a arbitrariedade dos critérios diagnósticos. Como não existem marcadores biológicos ou genéticos específicos dos diversos transtornos de aprendizagem, o diagnóstico se baseia em critérios estatísticos arbitrários.

O diagnóstico se baseia na pressuposição de que se a criança apresenta Inteligência normal e um desempenho acadêmico em uma oumais disciplinas inferior ao percentil 5, é grande a probabilidade de que, além de grave o problema seja constitucional e persistente. Um ponto de corte mais elevado, no percentil 35, p. ex., identifica crianças com problemas menos graves e maior probabilidade de apresentar dificuldades temporárias e influenciadas por fatores ambientais.

O modelo nosológico ou biomédico funciona relativamente bem, permitindo identificar crianças cujas dificuldades são mais graves, persistentes, com maior probabilidade de comorbidades associadas e que requerem internveções mais intensivas e individualizadas. Obviamente, o modelo tem suas falhas, as quais ocorrem sob a forma de falsos positivos e falsos negativos.

Um grupo de crianças que representa um desafio diagnóstico e terapêutico considerável são aquelas crianças com inteligência normal porém baixa, oriundas de famílias pobres e com nível educacional baixo e freqüentando escolas de má qualidade. Muitas dessas crianças preenchem os critérios formais para o diagnóstico de um transtorno específico de aprendizagem, mas transmitem a impressão clinica de que o problema pode ser mais de natureza ecológica do que constitucional.

São crianças oriundas de famílias pobres, nas quais os pais poucas condições têm de estimular os filhos ou de auxilá-los nas atividades escolares. Os pais podem, inclusive, ser analfabetos. Essas crianças também freqüentam  escolas de má-qualidade, nas quais recebem pouca ou nenhuma atenção por partedas professoras. As características individuais podem incluir agitação, desatenção e impulsividade, além de uma inteligência normal porém baixa. O resultado é que o menino pode chegar à adolescência sem ser alfabetizado ou sem haver compreendido as operações aritméticas ou com funciona o sistema numeral arábico.

Sabe-se que crianças com QI acima de 70 porém abaixo de 85, ou seja, um desvio-padrão abaixo da média, apresentam risco significativo de apresentar dificuldades de aprendizagem escolar. Em muitos países essas crianças são identificadas no primeiro ano do ensino fundamental e passam a receber intervenções pedagógicas especializadas.

Muitas vezes surgem dilemas quanto ao diagnóstico diferencial com deficiência intelectual. O resultados de algumas crianças nos testes de QI pode situar-se abaixo do ponto de corte de 70 para deficiência intelectual. Nesses casos o mau resultado nos testes de QI contratas com indicadores clínicos de que a crianção não é deficiente, tais como o fato de que apresenta boas habilidades de auto-cuidado, tem boa capacidade para auxiliar nas tarefas domésticas, tem amigos sendo socialmente bem adaptada e apresenta boas habilidades práticas, tais como fabricar e empinar uma pipa. O diagnóstico deve então ser baseado no juízo clínico e não do resultados dos testes de inteligência. Os testes psicométricos falham, não revelando de forma fidedigna o nível de funcionamento do indivíduo.

As crianças com o perfil de agitação, inteligência baixa, família pobre e esccola ruim constituem um desafio para os neuropsicológos. O foco da neuropsicologia é na identificação de vulnerabilidades individuais, ainda que as mesmas possam ser nfluenciadas por vulnerabilidades ecológicas e essas últimas devam ser identificadas e consideradas. Mas se um jovem de 15 anos que ainda não foi alfabetizado apresenta esse perfil fica muito difícil decidir se ele tem uma dislexia do desenvolvimento ou se as suas dificuldades são apenas o resultado de uma ecologia adversa ou da interação de ambos tipos de fatores.

Um indicador valioso nesses casos vem da análise do desenvolvimento dos irmãos. A mãe pode ser analfabeta e a escola ruim. Mas se os irmãos mais velhos se encaminharam na vida, fazendo ensnio médio, arrumando emprego ou até mesmo curansado um faculdade, então deve ser seriamente considerada a possiblidade de que a criança apresente alguma vulnerabilidade intrínseca. A avaliação neuropsicológica é importante mesmo nesses casos porque ajuda identificar as vulnerabilidades individuais e a mapear como elas interagem com as restrições ecológicas ao desenvolvimento da criança.

Bem mais difíceis são os problemas decorrentes da má-qualidade da educação, tanto da escola quanto da falta de políticas educacionais eficazes. Uma aluna comentou certa vez que o seu pai é professor de História no Ensino Fundamental II. Ela dá aulas para turmas do 7º. ao 9º. anos. Sua tarefa inicia-se no início do  ano pela alfabetização dos alunos. Não tem como  ensinar História para um jovem que não sabe ler.


Por que o pai da aluna consegue alfabetizar os seus alunos, tarefa que fora impossível para os professores que cuidaram das crianças até o final do Fundamental II? Por que as crianças são promovidas de ano apesar de não serem alfabetizadas? Tudo indica que em muitas crianças as dificuldades de aprendizagem refletem um complexo processo de interação entre vulnerabilidades individuais e cológicas. Em outras as dificuldades podem decorrer apenas do fracasso da educação escolar. Identificando as vulnerabilidades e fortitudes individuais a neuropsicologia pode auxiliar a compensar as dificuldades e promover as facilidades de modo que a orientar os pais de modo que a criança tenha seu desenvolvimento favorecido.

Sunday, June 26, 2016

Conhecimento, pensamento crítico, ou ambos?

Desde a virada do Século XIX para o Século XX a pedagogia vem crescentemente enfatizando o pensamento crítico como um dos principais objetivos da educação (Christodoulou, 2014, halpern, 2013, Hirsch, 2006, Sweller et al., 2011). O objetivo declarado da educação é formar cidadãos que sejam capazes de refletir criticamente e intervir de forma ética e socialmente construtiva sobre sua realidade. A mera  transferência de conhecimento ou aquisição mecânica de habilidades básicas de leitura, escrita e aritmética não são garantia de consecução dos nobres objetivos da educação.

O reverso da moeda, que muitos educadores parecem não perceber, é que sem algumas ferramentas culturais básica e muito simples, não é possível a construção e o exercício da pedagogia. Apenas memorizar a tabuada não é suficiente para resolver os problemas aritméticos colocados no dia a dia, tasic omo comparar preços expressos em diferentes razões ou calcular juros. Mas apenas compreender os princípios subjacentes, sem memorizar, não permite aplicar o conhecimento na prática cotidiana. Sem memorização dos fatos  aritméticos também não é possível evoluir para formas mais complexas de matemática.

A compreensão e a decoreba correspondem a dois tipos de conhecimento, os quais são complementares e não antagônicos (Baroody, 2003). O conhecimento procedimental e factual somente é adquirido após muito exercício e prática, sendo automatizado e facilmente acessível. Mas é relativamente inflexível e seu uso restringe-se a situações previamente aprendidas. Situações novas e inesperadas requerem um conhecimento mais adaptativo e flexível, o conhecimento conceitual. Os dois tipos são complementares. Memorizar os fatos sem compreender não aditanta nada. Mas compreender sem memorizar os fatos também é de pouca serventia.

As evidências oriundas da ciência e neurociência cognitiva ajudam a compreender como se processa a aprendizagem de habilidades escolares básicas. Foi reconhecida, p. ex., a importância do processamento fonológico para a aprendizagem da leitura de palavras em sistemas ortográficos, a importância do vocabulário e conhecimento de mundo para  a compreensão textual e do senso numérico para a aprendizagem da aritmética etc.

A psicologia cognitiva também avançou muito no estudo dos mecanismos do pensamento, da tomada de decisão e da metacognição bem cmo das suas limitações e vieses que tornam o pensamento crítico difícil de ser alcançado (halpern, 2013, Nisbett, 2015). Mais questionável é a possibilidade de ensinar habilidades de pensamento crítico, independente do domínio do conhecimento ao qual se aplica (Christodoulou, 2014, Hirsch, 2006, Sweller et al., 2011).

Essa é uma discussão antiga na psicologia e pedagogia. Platão acreditava que a aprendizagem da matemática e da lógica promoveria o pensamento racional. Os currículos universitários na Idade Média enfatizavam o Trivium, ou seja, o estudo de gramáticalatina, lógica e retórica. A partir da Renascença os currículos foram para ampliados para o Quadrivium, incluindo matemática e alguns ramos da ciência. Acrditava-se que as disciplinas abstratas e difíceisdo Quadrivium, cuja natureza é eminentemente formal, favoreceriam a construção de habilidades de raciocínio lógico, transferíveis de um domínio do conhecimento para o outro.

A transferência de conhecimento de um domíno para o outro ou capacidade de generalização é a principal limitação dos programas de instrução em pensamento crítico (Hirsch, 2006). A razão é simples, o raciocínio adequado exige conhecimento do domínio sobre o qual se aplica. Tente ler a sentença de um juiz se você for leigo em direito e você rapidamente se convencerá disso. Você conhece a maioria das palavras e não terá muita dificuldade em analisar a estrutura sintática das frases. Mas não entenderá patavina porque muitas palavras representam conceitos específicos do direito e não o significado usual  que elas têm na vida cotidiana.

Alguns programas de instrução em compreensão de textos ensinam os alunos a categorizar os textos em estilos, explicitando os componentes da gramática textual de cada tipo. OK. Só que a seguir o aluno aplica esses conhecimentos sobre um texto de um domínio do conhecimento e a seguir sobre outro e mais outro etc. etc. Não tem como funcionar. As habilidades de compreensão ou de pensamento crítico somente podem emergir a partir do momento em que o indivíduo adquire e aprofunda seu conhecimento sobre um determinado assunto.

Pensamento crítico e conhecimento andam de mãos dadas. Algumas formas de conhecimento factual, como vocabulário, e habilidades procedimentais, como a fluência na leitura de palavras, constituem pré-requisitos para a compreensão leitora.

Um problema semelhante é enfrentado pelos alunos de pós-graduação. São freqüentes as manifestações de desespero de alunos de pós-graduação no FaceBook. Sentem-se assoberbados e alguns até ousam criticar seus orientadores. O problema é que escrever uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado exige tanto conhecimento específico do domínio quanto habilidades de pensamento crítico.

Dá preguiça de ler muitos projetos ou trabalhos de pós-graduação. Alguns alunos apresentam as informações sem qualquer hierarquia ou relevância para o argumento que deveriam desenvolver.  Muitas vezes a apresentação dos fatos parece obedecer apenas à ordem cronológica da leitura realizada pelos alunos. Não há uma análise crítica da relevância das publicações, nem identificação da seqüência lógica de evolução do conhecimento relevante para a questão sendo discutida. Outras vezes o aluno se revela totalmente incapaz de montar um argumento.

Qual é o remédio? Em primeiro lugar, adquirir conhecimento sobre o assunto. Realizar uma revisão bibliográfica completa. Identificar toda a literatura pertinente. Reconstruir a seqüência de evolução do conhecimento e discriminar as contribuições mais relevantes. Acho que 100 artigos originais está de bom tamanho para um mestrado. Um doutorado exige a leitura e análise de mais de 200 trabalhos originais.

Em segunda lugar é preciso adquirir habilidades de pensamento crítico. Hà toda uma literatura sobre isso (Halpern, 2013, Nisbett, 2015). Como foi discutido acima, é questionável a instrução em pensamento crítico se funciona ou não. Mas, certamente não vai atrapalhar conhecer a anatomia de um argumento (Halpern, 2013). O primeiro passo para fazer uma boa dissertação ou teste é construir um argumento que tenha lógica. Segundo Halpern, a a anatomia mínima de um argumento é composta por elementos essenciais e adicionais (vide Figura 1). Os elementos essenciais são constituídos por uma ou mais premissas e uma ou mais conseqüências. A conexão lógica entre as premissas e conseqüência é geralmente do tipo condicional, correspondendo a uma hipótese: “Se A então B”.

Os elementos adicionais são as pressuposições, as qualificações e os contra-argumentos. As pressuposições constituem toda a gama de conhecimentos e a cadeia de raciocínio que conduzem à formulação das premissas. As qualificações são aquelas situações que restringem a validade do argumento. Os contra-argumentos, como o nome diz, são as hipóteses alternativas.

Figura 1 – A anatomia de um argumento (cf. Halpern, 2013)

A validade do argumento é dada pela relação lógica entre as premissas e as conseqüências (vide Figura 2). Se não existe relação lógica alguma ou se as conseqüências são sustentadas por umas poucas premissas fracas, o argumento é inválido. O argumento válido é aquele sustentado por uma premissa única muito poderosa ou por múltiplas premissas mais fraquinhas que somam sua força.



Figura 2 – Validade de um argumento (cf. Halpern, 2013)

O exemplo da pós-graduação é muito ilustrativo. A capacidade argumentativa é de pouco valor  se não houver um conhecimento sólido, específico de domínio. Mas se o conhecimento for fragmentário  e não articulado em um argumento válido também é de pouca serventia. Mesmo o professor mais experiente, com habilidades de pensamento crítico desenvolvidas em mais alto grau, não se atreveria a escrever um trabalho acadêmico sobre qualquer área específica sem fazer previamente uma boa revisão bibliográfica.

Alguns autores sugerem que o conhecimento é fundamental e que não há como ensinar habilidades de raciocínio (Hirsch, 2006, Sweller et al., 2011). Segundo esses autores, os argumentos se auto-organizam a partir do conhecimento. Mesmo que isso seja verdade, não fará mal nenhum ao aluno de pós-graduação estudar a literatura sobre pensamento crítico. No mínimo ele vai aprender muita coisa sobre a psicologia cognitiva do pensamento e da tomada de decisão. No máximo pode até ajudar na redação da dissertação ou tese.

O importante na universidade é não negligenciar a revisão bibliográfica. O importante no ensino fundamental é não negligenciar a aquisição de fatos e habilidades procedimentais básicas. Pode ser que não seja possível ensinar habilidades de pensamento critico. Pode ser que sim. O que não é possível é querer construtir um pensamento crítico sem um sólido alicerce de conhecimento.


Referências

Baroody, A. J. (2003). The development of adaptive expertise and flexibility: the integration of conceptual and procedural knowledge.  In A. J. Baroody & A. Dowker (Eds.) The development of arithmetic concepts and skills. Constructing adaptive expertise (pp. 1-33). Mahwah, NJ: Erlbaum.

Christodoulou, D. (2014). Seven myths about education. London: Routledge / The Curriculum Centre.

Halpern, D. F. (2013). Thought and knowledge. Introduction to critical thinking (5th. ed.). New York: Psychology Press.

Hirsch, E. D. (2006). The Knowledge Defi cit: Closing the Shocking Education Gap for American Children. Boston: Houghton Mifflin.

NIsbett, R. E. (2015). Mindware. Tools for smart thinking. New York: Farrer, Strauss & Giroux.

Sweller, J., Ayres, P., & Kalyuga, S. (2011). Cognitie load theory. New York: Springer.

Como as crianças aprendem na escola? Contribuições das ciências cognitivas e comportamentais



1.   O que é aprendizagem?

Aprendiazagem é o processo pelo qual o cérebro-mente modifica sua estrutura em função da experiência. A aprendizagem é o processo, a memória ou conhecimento o resultado. O objetivo da aprendizagem é a modificação da memória de longo prazo.


2.   Existe um mecanismo neural genérico de aprendizagem?

O cérebro é concebido como uma grande rede associativa. A sinapse e não o neurônio é a sua unidade funcional. A experiência modifica os padrões de conectividade sináptica no cérebro. O mecanismo pelo qual os padrões de conectividade se modificam são os mesmos no desenvolvimento, aprendizagem e recuperação funcional. O envelhecimento reflete a redução da plasticidade sináptica. O mecanismo neural da aprendizagem é a plasticidade sináptica dependente de atividade ou lei de Hebb. Grupos de neurônios que são ativados simultaneamente em função de algum estímulo evento ou experiência tendem a reforçar sua conectividade sináptica, diferenciando-se em assembléias neurais ou redes associadas a processos psicoógicos específicos. Grupos de neurônios que não descarregam em sincronia têm sua conectividade mútua enfraquecida.


3. Quais são as principais formas de aprendizagem, relevantes para o contexto escolar?

A aprendizagem e memória podem ser não-declarativas ou declarativas. As memórias não-declarativas são aquelas que não podem ser traduzidas em enunciados verbais ou lógicos com valor de verdade. As principais formas de aprendizagem não-declarativa relevantes para o contexto escolar são os condicionamentos respondente e operante. As principais formas de aprendizagem declarativa são a aprendizagem conceitual e factual.


4.   O que é, qual é a base neurocognitiva e qual a relevância educacional do condicionamento respondente?

O condicionamento respondente, clássico ou pavloviano. é uma forma de aprendizagem na qual um comportamento reflexo ou previamente adquirido passa a ser eliciado por um estímulo que anteriormente não era eficiente em desencadeá-lo. A emoção de medo é desencadeada por estímulos percebidos como ameaçadores, tendo uma natureza reflexa. Experiências negativas na sala de aula, relacionadas ao fracasso em resolver atividades, reprimenda por parte de pais e professores ou chacota por parte dos colegas podem ser associadas a experiências aversivas desencadeando medo ou ansiedade de desempenho. O condicionamento de medo se estabelece a partir de  modificações sinápticas na amígdala, as quais são moduladas pelo córtex associativo peceptual (condicionamento discriminante), hipocampo (condicionamento contextual) e corte pré-frontal (extinção).


5.   O que é, qual é a base neurocognitiva e qual a relevância educacional do condicionamento operante?

O condicionamento operante é a forma pela qual  comportamentos exploratórios do ambiente são associados a suas conseqüências. Quando solicitada a resolver uma dada tarefa escolar a criança pode proceder por tentativa e erro até encontrar a solução. Uma vez encontrada a solução, a mesma é reforçada e tende a ser emitida no futuro sempre que a criança se confrontar com um problema semelhante. O condicionamento operante é o mecanismos da formação de hábitos e a aquisição de procedimentos. O mecanismo neural do condicionamento operante é a formação de associações entre representações do comportamento e das suas conseqüências hedônicas nos gânglios da base. O processo de condicionamento operante é modulado pela atividade dopaminégica oriunda do mesencéfalo. Sempre que  um comportamento é associado de forma inesperada a uma conseqüência, o sistema dopaminérgico é ativado.  O sistema dopaminérgico desepenha então um papel importante na sinalização de novidade, na curiosidade e na consolidação dos condicionamentos operantes.


6.   Qual é a arquitetura cognitiva mínima para a aprendizagem declarativa?

A aprendizagem declarativa também se processa de modo associativo no cérebro. Mas a sua arquitetura é um pouco mais complexa, dependendo da interação de sistemas mais diferenciados. Uma arquitetura mínima para a aprendizagem declarativa é comporta pela memória de longo prazo, memóerita de trabalho e motivação (vide Figura 1).

Figura 1 – Arquitetura cognitiva simples para a aprendizagem escolar. A aprendizagem depende de três componentes cognitivos. A memória de longo prazo é o sistema dinâmico e ilimiatado quanto à capacidade de representação de conhecimento, o qual é modificado permanentemente como resultado da aprendizagem. A memória de trabalho é o componente ativo, com capacidade limitada, que armazena temporariamente a informação, processando-a através de resgate a partir da memória de longo prazo, reconfiguração de associações, regulação da atividade mental e planejamento e controle das respostas. A motivação é a fonte energética que mantém a memória de trabalho ativa enquanto for necessário para que a aprendizagem se processe.

A memória de longo prazo não é um repositório passivo de informação mas uma estrutura dinâmica e flexível de conhecimento. A memória de longo prazo tem a estrutura de uma rede associativa, na qual os conhecimentos são representados de forma fragmentária e geograficamente dispersa por amplas regiões do córtex cerebral. A memória de longo prazo facilita a aprendizagem na medida em que permite a assimilação de informação nova à informação antiga. Simultaneamente, as estruturas de conhecimento na memória de longo prazo se acomodam à nova informação. Os fatos aritméticos são aprendidos em ordem crescente de dificuldade. Primeiramente são apresentados os números menores (p. ex., 2 x 3) e posteriormente os números maiores (3 x 2). O fato de que é mais fácil processar 3 x 2 do que 2 x 3 sugere que a memoria semântica reorganiza as representações dos fatos aritméticos e os  mesmos não são armazenados como simples cadeias de estímulos e respostas.
A memória de trabalho é o motor que ativa a memória de longo prazo durante a aprendizagem. A memória de trabalho recebe e processa a informação oriunda do ambiente. A memória de trabalho resgata e armazena a informação da memória de longo prazo. Na memória de trabalho são comparadas, associadas e compiladas as informações provenientes do ambiente e da memória de longo prazo. A memória de trabalho corresponde a todos os sistemas neurais ativos em um determinado momento e ao conteúdo dos quais o indivíduo tem acesso introspectivo. As estruturas do córtex pré-frontal, principalmente dorsolateral, são responsáveis pelos mecanismos associativos subjacentes à aprendizagem conceitual, tais como abstração e categorização. O hipocampo está envolvido na consolidação da aprendizagem conceitual como memória factual e no resgate da mesma. As principais características da memória de trabalho são a duração temporal fugaz e a limitação da capacidade de armazenamento e processamento. Se a informação não é refrescada na memória de trabalho ela decai em alguns segundos.  A capacidade representacional na memória de trabalho é de 6 a 7 bits e a capacidade de processamento é menor ainda, de 4 a 5 bits.
A motivação é a fonte energética que mantém o motor da memória de trabalho ativo. As limitações de duração e capacidade da memória de trabalho fazem da aprendizagem declarativa um processo complexo, que exige atenção e esforço. A ativação da memória de trabalho pode ser aversiva. As pessoas gostam dos resultados do pensamento, mas evitam o esforço de pensar. Ninguém nasce gostando de estudar. O gosto pelo estudo é adquirido sendo mediado cognitivamente. Para aprender a gostar de estudar o indivíduo precisa postergar a recompensa. Ou seja, precisa abrir mão de uma recompensa  menor imediata, como brincar, por uma recomopensa maior porém abstrata e projetada no futuro, como tirar boas notas ou passar no ENEM. A ativação da memória de trabalho requer, portanto, persistência e motivação.


7.   Como se processa a aprendizagem declarativa?

Quando surge uma situação problema, cria-se uma representação da mesma na memória de trabalho. Inicia-se então o processo de busca na memória de longo prazo por uma solução previamente adquirida. Caso seja encontrada uma solução na memória de longo prazo, o problema está resolvido e o indivíduo pode tratar da vida. Quando não existe uma solução previamente armazenada, duas são as alternativas: buscar a solução no ambiente ou criar uma nova solução, adaptando recursos previamente empregados para resolver problemas semelhantes. Quando a solução está facilmente acessível no Prof. Google ou na Dra. Wikipedia o problema está novamente resolvido. Quando não há uma solução de fácil acesso no ambiente, o indivíduo precisa pensar.
Pensar é uma atividade aversiva envolvendo processamento controlado, o qual requer atenção, custa esforço, é demorado, tem capacidade limitada e é muito sujeito a erro. As pessoas fogem do pensamento como o Diabo da Cruz. O pessoal somente recorre ao pensamento em último caso. Assim sendo, a formação de hábitos ou automatização é uma alternativa viável para reduzir a sobrecarga de memória de trabalho subjacente ao pensamento. William James considerava que a educação é a formação de hábitos e que a pessoa educada é aquela que cultiva bons hábitos. Quanto mais problemas puderem ser resolvidos no piloto automático, através de soluções previamente aprendidas e automatizadas, mais capacidade de processamento restará para o pensamento criativo ou para o lazer. O processamento automático é rápido, não requer atenção nem custa esforço, tem capacidade ilimitada e é pouco sujeito a erro. O problema com o processamento automático é a falta de flexibilidade e a especificidade de contexto. A solução de problemas novos requer processamento controlado. A automatização ou criação de hábitos ou conhecimento factual rapidamente resgatável é importante porque libera recursos escassos de processamento na memória de trabalho. A automatização é, inclusive, um pré-requisito para o pensamento crítico e criativo. O pensamento crítico e criativo torna-se impossível se o indivíduo é forçado a gastar seus escassos e preciosos recursos de processamento com as tarefas mais triviais. A seqüência de ativação cerebral no processo de aquisição de habilidades vai da ativação de regiões corticais anteriores nas fases iniciais. nas quais o processamento é controlado, para a ativação progressiva de áreas corticais posteriores ou subcorticais, à medida que ocorre a automatização.


8.   De onde vem a motivação para o estudo e como promove-la?

A motivação para o estudo é adquirida, sendo mediada cognitivamente pelos resultados e comportamentalmente pelo reforçamento. As fontes da motivação podem ser endógenas ou exógenas. A inteligência e o temperamente são as principais fontes de variação interindividual que afetam a motivação. Crianças mais inteligentes têm mais facilidade e, portanto, são mais facilmente motiváveis para o estudo. Crianças com temperamento impulsivo têm mais dificuldade para postergar a recompensa e, portanto, para implementar a mediação cognitiva necessária para adquirir o gosto pelo estudo.
As fontes exógenas da motivação são as experiências de sucesso e as crenças dos adultos. Quando a criança estuda e obtém um bom resultado, aumenta sua crença de que ela consegue resolver um dado tipo de tarefa (auto-eficácia) e a motivação para o estudo. Quando a criança obtém um resultado pior porque não se esforçou ou porque a tarefa era muito acima das suas possibilidades, a auto-eficácia diminui e com ela a motivação para o estudo. A experiência pessoal de sucesso é a pedra fundamental da auto-eficácia. A persuasção verbal apenas ajuda a destruir a auto-efiácia mas não a construí-la. A calibração do currículo à capacidade do aluno é a chave para a promoção da auto-eficácia e motivação para o estudo. Se o currículo é pecebido como muito difícil ou muito fácil, a motivação diminui. A motivação aumenta quando o currículo é percebido como estando ao alcance do individuo com um pequeno esforço.
As crenças dos adultos são outro fator motivador poderoso. Se pais ou professores acreditam que uma criança tem talento para aprender, a criança recebe mais atenção, atenção de melhor qualidade, mais explicações, mais correções, mais oportunidades para aprender e demonstrar seus conhecimentos, mais reforçadores etc. Assim, a criança acaba aprendendo mais.
O contrário acontece quando pais e professores acreditam que a criança tem menor potencial para aprender ou quando o comportamento da criança é percebido como inadequado. Nesses casos, o comportamento inadequado ou a dificuldade de aprendizagem são colocados em evidência sob a forma de punições, tais como reprimendas ou castigos. A conseqüência é que as dificuldades apenas aumentam e não diminuem.
A análise aplicada do comportamento desenvolveu ferramentas psicológicas eficazes para promover a motivação para o estudo, tais como a aprendizagem sem erro baseada na individualização do currículo, a atenção positiva e o reforçamento diferencial.


9. Quais são as implicações educacionais do conhecimento sobre os mecanismos neurocognitivos e comportamentais implicados na aprendizagem?

Todas as as formas de conhecimento, tais como hábitos, habilidades, procedimentos, fatos, conceitos, atitudes e valores importam. Nenhuma forma de conhecimento ou aprendizagem deve ser priorizada sobre as outras. Os métodos de ensino devem se adquar ao tipo de conhecimento a ser aprendido. A aprendizagem por imitação e colaboração/descoberta sobrecarregam a memória de trabalho em situações pouco estruturadas. A criança tende a proceder por tentativa e erro, consumindo recursos escassos e preciosos na descoberta da solução, a qual não é garantida, restando menos recursos para a aprendizagem propriamente dita. A instrução, o exercício e a prática desempenham um papel fundamental na aprendizagem conceitual e factual. Duas estratégias instrucionais poderosas são os exemplos ilustrados e a instrução programada. A motivação pode ser promovida através da aprendizagem sem erro, atenção positiva e reforçamento diferencial.



Saturday, June 04, 2016

O que funciona: o construtivismo ou a instrução explícita?

Inúmeras pesquisas na área de educação procuraram responder a essa pergunta. Tais estudos foram sistematizados em diversas meta-análises. Hattie (2008) sintetizou os resultados de mais de 800 meta-análises. Os resultados são inequívocos, as crianças apendem mais e melhor pela instrução direta do que pela abordagem construtivista. As principais características das intervenções pedagógicas eficientes são a instrução explícita, uma base conceitual sólida e estratégias procedimentais eficientes no contexto de prática estratégica regular e cumulativa (Fuchs et al., 2012).

Por construtivismo entenda-se a filosofia pedagógica de valorizar a atividade do aluno, a “construção do conhecimento”. A idéia subjacente é que as  crianças aprendem por conta própria, interagindo com os colegas na resolução de situações-problema estruturadas pela professora (Matthews, 2002).

A professora propõe os problemas e os alunos devem buscar as soluções. O papel da professora se reduz ao de um andaime, que lhes permite construir o conhecimento. A professora interfere o mínimo possível, não demonstra, não sugere estratégias nem corrige os alunos.

Os alunos chegam às suas próprias conclusões, inventam suas próprias estratégias. A professora não instrui nem demonstra. Se os alunos não intuem as estratégias canônicas, culturalmente consagradas, fica por isso mesmo. O que se valoriza é a espontaneidade, o engajamento dos alunos com a situação problema e a construção do conhecimento a partir dos seus recursos cognitivos. A ênfase recai sobre a compreensão e não sobre a memorização ou “transmissão de conhecimento”.

No método instrucional, a professora introduz uma questão para reflexão pelos alunos. A seguir demonstra a solução ótima para o problema e os alunos emulam a estratégia demonstrada pela professora em pequenos grupos e/ou individualmente. A professora monitoriza o desempenho, corrige, demonstra novamente. Os alunos começam praticando com problemas mais simples, podendo servir-se de materiais concretos para  representar os componentes dos problemas. À medida que os alunos vão adquirindo maestria sobre os problemas em um determinado nível, a professora vai demonstrando as estratégias para resolver problemas crescentemente mais complexos etc. O método consiste basicamente em instrução seguida de prática com exemplos demonstrados (Sweller et al., 2011).

A crença dos construtivistas é que seu método seja superior porque motiva mais as crianças em função do caráter lúdico conferido às atividades, sendo ao mesmo tempo mais eficiente por promover uma base conceitual sólida, baseada na intuição do aluno. Será que é assim mesmo?

Uma exame direto da eficácia relativa das abordagens construtivista e instrucional foi realizado por Evelyn Kroesbergen da Universidade de Utrecht (Kroesbergen et al., 2014). O foco do estudo foi a aprendizagem dos fatos de multiplicação em crianças com dificuldades específicas de aprendizagem da matemática.

Duzentas e cinqüenta e cinco crianças com idades entre oito e onze anos receberam 30 lições de meia hora sobre fatos de multiplicação à razão de duas aulas por semana. As crianças foram divididas aleatoriamente em três grupos: a) Construção: aulas estruturadas a partir da perspectiva construtivista; b) Instrução: aulas estruturadas sob a forma de instrução seguida de exemplos demonstrados e prática; c) Regular: aulas baseadas na didática habitual de cada escola. Os desfechos foram avaliados comparando o desempenho no pré- e no pós-teste em medidas de Motivação, Automatização dos fatos, Solução de problemas e uso de Estratégias.

|Os resultados foram muito claros (vide Tabela 1). O grupo Construção foi superior ao grupo Regular em Motivação, Automaticidade e Solução de problemas, mas não foi superior no uso de Estratégias. O grupo Instrução foi superior aos grupos Regular e Construção em todos os quesitos avaliados.


Tabela 1 - Resultados de Kroesbergen et al. 2004



Como o método instrucional se mostrou superior aos dois outros em todos os quesitos, os efeitos são específicos. Ou seja, não podem ser atribuídos apenas à atenção especial recebida pelas crianças.

Dois resultados adicionais chamam atenção. A abordagem construtivista não foi superior ao ensino instrucional no que se refere à Motivação e nem foi superior ao grupo REegular no que se refere à diversidade de Estratégias empregadas. Esses resultados contrariam frontalmente os pressupostos construtivistas de que a abordagem seria mais motivadora bem como promotora da criatividade e do pensamento crítico.

Os resultados de Kroesbergen e cols. (2014) não são nem um pouco surpreendentes por diversos motivos. Do ponto de vista cognitivo, a falta de estrutura, definição clara do problema, demonstração e correção que caracteriza a abordagem contrutivistga sobrecarrega a memória de trabalho das crianças (Kirshner et al., 2010, Sweller et al., 2011).

Como se sabe, os recursos de processamento são escassos na memória de trabalho. E mais escassos ainda nas crianças que têm dificuldades (Raghubar et al., 2010). Então, realmente não é surpreendente que as crianças aprendam menos. Na abordagem construtivista, as crianças gastam seus parcos recursos cognitivos na busca pela solução do problema e resta menos capacidade para memorizar o que foi aprendido.

Os resultados motivacionais também não são surpreendentes. A abordagem lúdica, informal e ativa pode, a princípio, ser bem mais atraente para as crianças. Entretanto, a instrução e exemplos demonstrados promovem a auto-eficácia (Pajares & Schunk, 2002). Ou seja, a percepção pelo indivíduo de que ele domina uma técnica, um conteúdo, de que ele sabe e é eficiente na resolução de um tipo de problemas.

Sintetizando os resultados até o momento, pode-se dizer que a construção do conhecimento é divertida mas confunde as crianças, consumindo seus escassos recursos de processamento. Por outro lado, a instrução direta pode ser tediosa, mas promove a auto-eficácia.

O terceiro resultado é menos surpreendente ainda. O fato de que as crianças do Construção não foram superior ao grupo Regular no quesito Estratégias só demonstra uma coisa. As crianças não precisam do construtivismo para pensar. Elas pensam por conta própria. Mesmo as crianças do grupo Regular pensam, por mais surpreendente que isso possa ser para os construtivistas. Não é apenas em settings construtivistas que as crianças pensam. As crianças pensam o tempo todo e ficam tentando resolver os problemas que lhes são apresentados. Nâo é só na hora do teatrco construtivista que as crianças pensam e desenvolvem o “raciocínio crítico”.

As razões para a persistência da lenga-lenga construtivista podem parecer um mistério. Mayer (2004) chamou atenção para o fato de que, desde a Década de 1960 vêm se acumulando as evidências de que o construtivismo não funciona. Mas o construtivismo é como a Fênix, ressurge das cinzas, apenas com nomes diferentes. De acordo com Mayer, a cada vez  que uma estratégia construtivista se mostra ineficiente, a abordagem se disfarça sob um novo nome e o mesmo vinho velho é servido em uma garrafa nova. Foi assim que surgiram várias ondas de “minimal guidance”, “collaborative learning”, “discovery learning” etc. A mais nova onda é o “problem-based learning”, que está inclusive infestando as faculdades de medicina pelo País afora. E tudo isso contra a vontade dos pais e contra a opinião dos matemáticos profissionais (Klein, 2003).

O mistério apenas se desvanece quando percebemos que as razões para a sobrevivência do construtivismo são ideológicas. O construtivismo é tão resiliente porque compatível com a ideologia esquerdistas (Freire, 1981).  O construtivismo  é reprimido mas retorna porque é um dos principais instrumentos doutrinários da esquerda (Bernardin, 2012). A consciência crítica que ele pretende desenvolver é a consciência de classe, de gênero, de etnia etc. Ou seja, a criação de categorias sociais de indivíduos em conflito umas com as outras e a tematização de todos os assuntos humanos em termos de relações de poder e dominação.

Esses são os reais objetivos do construtivismo. Aprender os fatos aritméticos, tirar uma nota boa no PISA, passar no ENEM, fazer uma faculdade, arrumar um bom emprego, subir na vida: tudo isso é secundário. O que importa é questionar a ordem estabelecida. Realmente, precisamos refletir sobre os objetivos da educação.

O que construtivistas respondem quando são confrontados com as evidências? Um dos chavões prediletos é dizer que a filosofia construtivista jamais foi adequadamente implantada. Ou seja, que as crenças e práticas tradicionais de ensino, baseadas na decoreba são muito resistentes e difíceis de exterminar. Em grnade parte, isso pode ser verdade. Como o socialismo, o construtivismo real nunca foi adequadamente implantado. Quem sabe dessa vez vai?

Não menos verdade, entretanto, é o fato de que a ideologia construtivista domina a formação dos professores há décadas (). Como o construtivismo é muito influente do ponto de vista ideológico, as professoras acabam se confundindo e surge uma quimera extremamente original, o “construtivismo da reguada”. O construtivismo da reguada impera no Brasil. As professoras  não recebem uma formação adequada e têm muito pouco conhecimento para transmitir aos alunos. Mas o conhecimento transmitido  não importa. O que importa é o conhecimento construído. Como os alunos não constroem o tal conhecimento, então dá-lhe reguada neles.

Obs. Se você ficou interessado e deseja ler mais alguma coisa em Português, pode dar uma olhada em Haase & Júlio-Costa (2015) e Haase e cols. (2015).


REFERÊNCIAS

Bernardin, P. (2012). Maquiavel pedagogo. Ou o ministério da reforma psicológica. Campinas: Ecclesia/Vide.

Freire, P. (1981). Pedagogia do oprimido (9a. ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Fuchs, L. S., Fuchs, D., & Compton, D. L. (2012). The early prevention of mathematics difficulty: Its power and limitations. Journal of Learning Disabilities, 45(3), 257-269.

Haase, V. G. & Júlio-Costa, A. (2015). Ciência cognitiva e educação: um diálogo necessário porém muito difícil. Associação Basileira do Déficit de Atenção.

Haase, V. G., Lima, B. A.C. R. & Júlio-Costa, A. (2015). A lenda do construtivismo. In R. Ekuni, L. Zeggio & O. F. A. Bueno (eds.) Caçadores de neuromitos. O que você sabe sobre o seu cérebro é verdade? (pp. 153-166).São Paulo: Mennon.

Hattie, J. C. (2009). Visible learning. A synthesis of over 800 meta-analyses relating to achievement. London: Routledge.

Kirshner, P. A., Sweller, J., & Clark, R. (2010). Why minimal guidance during instruction does not work: an analysis of the failure of constructivist, discovery, problem-based, experientail, and inquiry-based teaching. Educational Psychology, 41, 75-86.

Klein, D. (2003). A brief history of American K-12 mathematics education in the 20th century. In J. M. Royer (ed.) Mathematical cognition (pp. 175-225). Greenwitch, CO: IAP (Information Age Publisher).

Kroesbergen, E.H., van Luit, J.E.H. & Maas, C.J.M. (2004). Effectiveness of explicit and contructivist mathematics instruction for low-achieving students in the Netherlands. Elementary School Guidance and Counseling, 104, 233-251.

Matthews, M. R. (2002).  Constructivism and science education: a further analysis. Journal of Science Education and Technology, 11, 121-134.

Mayer, R. E. (2004). Should there be a three-strike rule against pure discovery learning? the case for guided methods of instruction. American Psychologist, 59, 14-19.

Pajares, F. & Schunk, D. H. (2002). Self and self-belief in psychology and education: a historical perspective. In J. Aronson (Ed.) Imptoving academic achievement. Impact of psychological factors on education (pp. 3-21). San Diego: Academic.

Raghubar, K. P., Barnes, M. A., & Hecht, S. A. (2010). Working memory and mathematics: a review of developmental, individual difference, and cognitive approaches. Learning and Individual Differences, 20, 110-122.


Sweller, J., Ayres, P., & Kalyuga, S. (2011). Cognitie load theory. New York: Springer.