Monday, January 14, 2019

DÉFICIT NO SENSO NUMÉRICO NA MUTAÇÃO ATÍPICA DE 22q11.2 ?

Microdeleções em 22q11.2 se associam a mais de 180 fenótipos diferentes, constituindo a síndrome velocardiofacial (VCFS). Entre outras manifestações, a VCFS é um fator de risco para esquizofrenia e para discalculia.

Em uma triagem populacional de mais de 2000 crianças identificamos uma menina com uma mutação atípica na região 22q11.2, adjacente ao lócus tipicamente envolvido na VCFS (Carvalho et al., 2014). Essa mutação atípica constitui uma síndrome nova.

A menina que identificamos tem inteligência normal e não apresenta esquizofrenia. Ela tem dificuldades persistentes de aprendizagem da matemática. Dando seguimento à investigação dessa menina, publicamos um estudo cognitiivo-neuropsicológico de caso (Oliveira et al., 2018).

O seu desempenho foi avaliado aos 8 e 11 anos de idade, sendo comparado estatisticamente a grupos apropriados de controle através das técnicas estatísticas desenvolvidas por John Crawford

Os resultados sugerem que suas dificuldades com a matemática se associam a um déficit no senso numérico (acurácia das representações aproximadas e não-simbólicas de numerosidade) e em algumas funções executivas.

Os transtornos do neurodesenvolvimento, incluindo os transtornos de aprendizagem são geralmente considerados como tendo uma etiologia multifatorial (Plomin, 2018). Segundo a perspectiva multifatorial, os transtornos do desenvolvimento resultem de múltiplos pequenos efeitos aditivos de poligenes interagindo com a experiência do indivíduo.


Contudo, há evidências crescentes de que os transtornos do neurodesenvolvimento podem ser causados por etiologias genéticas (p. ex., microdeleções e microduplicações cromossômicas) e ambientais (embriopatia alcoólica) específicas (Carvalho et al., 2009, 2016, 2017, Mitchell, 2015). 


Os nossos estudos com as microdeleções de '22q11.2 estão de acordo com essa hipótese de que transtornos de aprendizagem podem ter etiologias específicas em determinados indivíduos. Etiologias essas cuja diagnóstico é relevante. Ainda não se sabe qual é a prevalência de etiologias específicas nos transtornos de aprendizagem. Entretanto, no autismo a prevalência de etiologias específicas situa-se por volta de 30% (Miles, 2011).

O desafio na clínica é triar crianças que possam apresentar uma etiologia mais especifica para investigações etiológicas ulteriores. O diagnóstico dessas etiologias específicas tem conseqüências importantes para o prognóstico, prevenção e intervenção (Reilly, 2012). 

O desafio é identificar critérios que permitam formular hipóteses diagnósticas, uma vez que a variabilidade interindividual nessas síndromes é gigantesca. Os casos mais difíceis de identifcar e, portanto, subdiagnosticados são justamente aqueles nos quais o fenótipo é mais leve ("formes frustres") e a inteligência normal. 

Quais são então as pistas que podem ser utilizadas para identificar crianças que possam ter uma etiologia específica? Crianças que apresentem um aspecto "sindrômico", caracterizado por "funny face" e malformações menores (Huang et al., 2010) ou alterações motoras sugestivas de comprometimento neurológico merecem uma consideração diagnóstica mais detalhada.


Referência


Asbury, K., and Plomin, R. (2013). G is for genes. The impact of genetics on educational achievement. Chichester: Wiley/Blackwell.


Carvalho, M. R. S., Santos, L. L., Peixoto, M. G. C. D. & Haase, V. G. (2009). Para melhor compreensão da base genética das doenças. In V. G. Haase, F. O. Ferreira e F. J. Penna (Orgs.) Aspectos biopsicossociais da saúde na infância e adolescência (pp. 441-474). Belo Horizonte: COOPMED (ISBN: 978-85-7825-003-4).

Carvalho, M. R. S., Martins, A. A. S., Salazar, G., & Haase, V. G. (2016). Genética e Genômica da deficiência intelectual. In. J. F. de Sallas, V. G. Haase, e L. F. Malloy-Diniz (Orgs.) Neuropsicologia do desenvolvimento. Infância e adolescência (pp. 66-74). Porto Alegre: ARTMED (ISBN 9788582712832).

Carvalho, M. R. S., Santos, F. C., Martins, A. A. S., Becker, N., e Haase, V. G. (2017). Fatores genéticos na dislexia do desenvolvimento. In J. F. Salles e A. L. Navas (Orgs.) Dislexias do desenvolvimento e do adulto (pp. 135-168). São Paulo: Pearson (ISBN: 9978-85-8040-777-8).

Carvalho, M. R. S., Vianna, G., Oliveira, L. F. S., Júlio-Costa, A., Pinheiro-Chagas, P., Sturzenecker, R., Zen, P. R. G., Rosa, R. F. M., de Aguar, M. J. B., and Haase, V. G. (2014). Are 22q11.2 distal deletions associated with math difficulties? American Journal of Medical Genetics, 164A, 2256-2262 (DOI 10.1002/ajmg.a.36649)

Huang, C. J., Chiu, H. J., Lan, T. H., Wang. H. F., Kuo, S. W., Chen, S. f., Yu, Y. H., Liu, Y. R., Hu, T. M., & Loh, E. W. (2010). Significance of morphological features in schizophrenia of a Chinese population. Journal of Psychiatry Research, 44, 63-68.


Miles, J.H. (2011). Autism spectrum disorders--a genetics review. Genet Med: Off J Am Coll Med Genet 13, 278–294. 


Mitchell, K. J. (2015). The genetic architecture of neurodevelopmental disorders. In K. J. Mitchell (ed.) Genetics of neurodevelopmental disorders (pp. 1-28). Hoboken, NJ: Wiley.

Oliveira, L. F., S., Júlio-Costa, A., Santos, F. C., Carvalho, M. R. S. and Haase, V. G. (2018). Numerical processing impairment in 22q11.2 (LCR22-4 to LCR22-5) microdeletion: a cognitive-neuropsychological case study. Frontiers in Psychology 9, 2193 (doi: 10.3389/fpsyg.2018.02193 ).


Reilly, C. (2012). Behavioural phenotypes and special education needs: is aetiology important in the classroom? Journal of Intellectual Disability Research, 56, 929-946.

Leituras recomendadas


Carvalho, M. R. S., Santos, L. L., Peixoto, M. G. C. D. e Haase, V. G. (2009). Para melhor compreensão da base genética das doenças. In V. G. Haase, F. O. Ferreira e F. J. Penna (Orgs.) Aspectos biopsicossociais da saúde na infância e adolescência (pp. 441-474). Belo Horizonte: COOPMED (ISBN: 978-85-7825-003-4).


Carvalho, M. R. S., Martins, A. A. S., Salazar, G., e Haase, V. G. (2016). Genética e Genômica da deficiência intelectual. In. J. F. de Sallas, V. G. Haase, e L. F. Malloy-Diniz (Orgs.) Neuropsicologia do desenvolvimento. Infância e adolescência (pp. 66-74). Porto Alegre: ARTMED (ISBN 9788582712832).

Carvalho, M. R. S., Santos, F. C., Martins, A. A. S., Becker, N., e Haase, V. G. (2017). Fatores genéticos na dislexia do desenvolvimento. In J. F. Salles e A. L. Navas (Orgs.) Dislexias do desenvolvimento e do adulto (pp. 135-168). São Paulo: Pearson (ISBN: 9978-85-8040-777-8).





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