Saturday, June 01, 2019

Vamos agitar?

Gosto de pensar que os principais fatores de risco ambientais para TDAH são: a) ser filho único; b) morar em apartamento; c) ter que aturar a escola. Pois não é que as pesquisas do Jaak Panksepp sobre a neurociência afetiva da brincadeira (PLAY) podem apoiar minha hipótese?

Panksepp propôs e investigou a estrutura anátomo-funcional de sete sistemas cerebrais responsáveis pelas emoções primárias (Panksepp e Biven, 2012). As emoções primárias constituem estratégias evolutivamente estáveis e são adaptativas no sentido de que: a) promovem a aprendizagem, conferindo valência afetiva aos eventossão integradas em estruturas subcorticais e b) promovem o desenvolvimento do neocórtex em interação com a experiência. A atividade dos sistemas emocionais primários se acompanha de manifestações rudimentares de consciência, comprovadamente observáveis em mamíveros, as quais cpodem constituir a origem de toda atividade mental.

Um dos principais sistemas emocionais primários identificados por Panksepp é o sistema responsável pela brincadeira social (PLAY). A ativação do sistema de PLAY promove a aprendizagem social, incluindo a formação e manutenção de vínculos, imprescindível para o funcionamento adaptativo de mamíferos na idade adulta.

Ratinhos exibem uma série de atividades lúdicas, muito semelhantes às brincadeiras turbulentas (rough-and-tumble play) observadas em crianças humanas (Panksepp & Biven, 2012). Essas brincadeiras são acompanhadas de vocalizações ultrasônicas de 50 kHz, denominadas de chirps. As chirps são interpretadas como uma expressão de bem-estar subjetivo dos animaizinhos. A freqüência e intensidade da emissão de chirps e da brincadeira turbulenta em ratinhos é preditiva do seu desempenho cognitivo na idade adulta. Veja um video mostrando o trabalho de Panksepp sobre a brincadeira e as chirps em ratinhos.


Lesões do córtex prefrontal direito em ratinhos promovem um aumento da emissão de chirps e da rough-and-tumble play (Panksepp et al., 2003). Os resultados dessas lesões do córtex prefrontal direito em ratinhos podem ser consideradas um modelo animal para o TDAH. Os estudos de neuroimagem mostram de forma consistente, que uma das principais alterações observáveis no TDAH humano é uma maturação cortical mais lenta (Shaw et al., 2007). Os modelos neurológicos mais antigos já propunham que a atividade "excessiva" poderia refletir uma falta de modulação cortical sobre estruturas subcorticais (Barkley, 2014).

Entretanto, o mais genial desse estudo do Panksepp é que uma hora de "ludoterapia" por dia, durante sete dias, reduziu os comportamentos agitados nos animaizinhos com lesões prefrontais (Panksepp et al., 2003).

Os resultados de Panksepp reforçam várias hipóteses: a) a brincadeira é importante para o desenvolvimento de mamíferos; b) a brincadeira promove o desenvolvimento do córtex prefrontal; c) talvez estejamos lidando de forma completamente errada com os comportamentos relacionados ao TDAH.

O que os pais e as escolas fazem quando a criança é agitada e não quer estudar? Geralmente os adultos tendem a administar algum aversivo para a criança, do tipo xingar, colocar de castigo etc. Essas coisas nunca funcionam. Se funcionassem, o problema não existiria.

Uma segunda alternativa, freqüentemente adotada, é utilizar alguma medicação estimulante dos circuitos dopaminérgicos no córtex prefrontal, tais como o metilfenidato. Isso faz mais sentido. Mas quais são as conseqüências a longo prazo do uso desse tipo de medicação? Até agora não apareceu nada de concreto e esses remédios são utilizados desde 1978. Mas, é importante não esquecer que todos os fármacos alteram os padrões de expressão gênica no organismo (Carrey e Wilkinsnon, 2011). Pode acontecer algum surpresa desagradável, lá pelas tantas.

Uma atitude prudente seria começar manejando comportamentalmente os comportamentos. Os resultados do Panksepp com a "ludoterapia" de ratinhos lesados fornece uma base biológica para essa recomendação. A experiência com o treinamento comportamental de pais indica que uma disciplina consistente e branda, associada a "recreios especiais" sistemáticos reduz significativamente os comportamentos hiperativos (Chacko et al., 2014). O uso de medicamentos poderia ser reservado para aqueles casos mais graves ou para situações nas quais a família não consegue implementar um programa de treinamento de pais.

Mas por que não promover, deliberadamente, a brincadeira turbulenta? Ela é muito importante para o desenvolvimento cortical de mamíferos. É importante considerar também que a brincadeira turbulenta é normativa, especialment na idade pré-escolar. Algumas crianças podem se comportar de forma agitada e desinteressada em relação à escola simplesmente porque ainda são imaturas e precisam brincar mais e não menos.

A agitação perturba os adultos. A escola é um inferno para os meninos agitados. Nos últimos anos a coisa só piorou porque estão querendo proibir os meninos de serem meninos (Sommers, 2001; veja um video com Christina Hoff Sommers, mostrando como as escolas estão combatendo a masculinidade). A expectativa pedagógica contemporânea é de que os meninos não se comportem mais de modo masculino. Ou seja, nada de lutinhas, de arminha, de polícia-e-ladrão, de guerrinha, de luta de travesseiros etc. A masculinidade virou tóxica e isso afeta mais os meninos agitados.


Fico me lembrando da infância dos meus filhos e da minha própria. Um dos meus filhos era bem agitado. Ele nunca tomou remédito porque na Hora H, a minha mulher não me deixava levá-lo ao médico, ou eu não a deixava levá-lo. Ele era especialista em agitar. Era muito divertido quando ele chegava para os irmãos e dizia assim: "Vamos agitar?". Não preciso dizer qual era o efeito. Mesmo assim, ou justamente por causa disso, hoje meus três filhos são jovens que se iniciam na vida adulta de forma adaptattiva, responsável, e creio eu, são felizes. Cada um à sua maneira.

Meu caso era o seguinte. Eu estudava no Grupo, que ficava a duas quadras da minha casa. A aula terminava às 12:00. Quando meu pai chegava em casa às 13 horas para almoçar, eu já tinha terminado o dever. Às 13:30, meu irmão e eu escapulíamos para o mato. Só voltávamos para casa à noite. Entre outras, nossas brincadeiras eram as seguintes: a) fazer casinha de Tarzan nas árvores; b) formar bandos rivais para uma guerra que nunca acontecia: c) tomar banho no lageado no inverno, ou na piscina da cidade no verão; d) dar tiro de carbureto; e) dar tiro de chumbinho nas vacas para vê-las corcovear; e) fazer circo; e) andar quilômetros de bicicleta; f) caminhar 13 Km até a cidade vizinha; g) invadir os terreiros alheios para furtar frutas; h) fazer rinha de cascudo etc. Pescar também era uma opção. Só que o meu irmão e o resto dos meninos fugiam de mim quando queriam pescar. Eles diziam que eu não parava de falar e, com isso, espantava os peixes. 

Certa vez, teve uma turma que tomou banho na caixa d'água do Grupo. Juro que eu não estava lá. Uma época, meu irmão pegou a mania de dar tiro com umas garruchas velhas, todas enferrujadas, que tinha lá em casa. Ele as carregava com pólvora e chumbinho pelo cano, socava bem e mandava bala. É fácil de perceber que eu não recomendaria algumas das nossas atividades para meus filhos ou meus alunos. Mas nós sobrevivemos. Acho que só não fui diagnosticado na época porque não tinha esse tal de TDAH. Mas, também, porque eu não parava em casa. Isso durou até a época em que eu peguei a mania de ler. Daí, eu não saia mais de casa.  

Referências

Barkley, R. A. (2014). History of ADHD. In R. A. Barkley (ed.) Attention-deficit hyperactivity disorder. A handbook for diagnosis and treatment (pp. 3-50). New York: Guilford.

Carrey, N., Wilkinson, M. (2011). A review of psychostimulant-induced neuroadaptation in  developing animals. Neuroscience Bulletin, 27, 197-214.

Chacko, A., Allan, C. C., Uderman, J., Cornwell, M.,Anderson, L., & Chimiklis, A. (2014). Training parents of youth with ADHD. n R. A. Barkley (ed.) Attention-deficit hyperactivity disorder. A handbook for diagnosis and treatment (pp. 513-536). New York: Guilford.
Sommers, C. H. (2001). The war against boys. How misguided feminism is harming our young men. New York: Simon and Schuster.
Panksepp, J. Biven, L. (2012). The archaeology of mind. Neuroevolutionar origins of human emotion. New York: Norton.

Panksepp, J., Burgdorf, J., Gordon, N.,Turner, C. (2003). Modeling ADHD-type arousal with unilateral frontal cortex damage in rats and beneficial effects of play therapy. Brain and Cognition, 52, 97–105.
Shaw, P., Eckstrand,, K., Sharp, W., Blumenthal, J., Lerch, J. P., Greenstein, D., Clasen, L., Evans, A., Giedd, J., Rapoport, J. L. (2007). Attention-deficit/hyperactivity disorder is characterized by a delay in cortical maturation.  Proceedings of the National Academy of Sciences, USA, 104, 19649-19654.

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