Saturday, June 04, 2016

O que funciona: o construtivismo ou a instrução explícita?

Inúmeras pesquisas na área de educação procuraram responder a essa pergunta. Tais estudos foram sistematizados em diversas meta-análises. Hattie (2008) sintetizou os resultados de mais de 800 meta-análises. Os resultados são inequívocos, as crianças apendem mais e melhor pela instrução direta do que pela abordagem construtivista. As principais características das intervenções pedagógicas eficientes são a instrução explícita, uma base conceitual sólida e estratégias procedimentais eficientes no contexto de prática estratégica regular e cumulativa (Fuchs et al., 2012).

Por construtivismo entenda-se a filosofia pedagógica de valorizar a atividade do aluno, a “construção do conhecimento”. A idéia subjacente é que as  crianças aprendem por conta própria, interagindo com os colegas na resolução de situações-problema estruturadas pela professora (Matthews, 2002).

A professora propõe os problemas e os alunos devem buscar as soluções. O papel da professora se reduz ao de um andaime, que lhes permite construir o conhecimento. A professora interfere o mínimo possível, não demonstra, não sugere estratégias nem corrige os alunos.

Os alunos chegam às suas próprias conclusões, inventam suas próprias estratégias. A professora não instrui nem demonstra. Se os alunos não intuem as estratégias canônicas, culturalmente consagradas, fica por isso mesmo. O que se valoriza é a espontaneidade, o engajamento dos alunos com a situação problema e a construção do conhecimento a partir dos seus recursos cognitivos. A ênfase recai sobre a compreensão e não sobre a memorização ou “transmissão de conhecimento”.

No método instrucional, a professora introduz uma questão para reflexão pelos alunos. A seguir demonstra a solução ótima para o problema e os alunos emulam a estratégia demonstrada pela professora em pequenos grupos e/ou individualmente. A professora monitoriza o desempenho, corrige, demonstra novamente. Os alunos começam praticando com problemas mais simples, podendo servir-se de materiais concretos para  representar os componentes dos problemas. À medida que os alunos vão adquirindo maestria sobre os problemas em um determinado nível, a professora vai demonstrando as estratégias para resolver problemas crescentemente mais complexos etc. O método consiste basicamente em instrução seguida de prática com exemplos demonstrados (Sweller et al., 2011).

A crença dos construtivistas é que seu método seja superior porque motiva mais as crianças em função do caráter lúdico conferido às atividades, sendo ao mesmo tempo mais eficiente por promover uma base conceitual sólida, baseada na intuição do aluno. Será que é assim mesmo?

Uma exame direto da eficácia relativa das abordagens construtivista e instrucional foi realizado por Evelyn Kroesbergen da Universidade de Utrecht (Kroesbergen et al., 2014). O foco do estudo foi a aprendizagem dos fatos de multiplicação em crianças com dificuldades específicas de aprendizagem da matemática.

Duzentas e cinqüenta e cinco crianças com idades entre oito e onze anos receberam 30 lições de meia hora sobre fatos de multiplicação à razão de duas aulas por semana. As crianças foram divididas aleatoriamente em três grupos: a) Construção: aulas estruturadas a partir da perspectiva construtivista; b) Instrução: aulas estruturadas sob a forma de instrução seguida de exemplos demonstrados e prática; c) Regular: aulas baseadas na didática habitual de cada escola. Os desfechos foram avaliados comparando o desempenho no pré- e no pós-teste em medidas de Motivação, Automatização dos fatos, Solução de problemas e uso de Estratégias.

|Os resultados foram muito claros (vide Tabela 1). O grupo Construção foi superior ao grupo Regular em Motivação, Automaticidade e Solução de problemas, mas não foi superior no uso de Estratégias. O grupo Instrução foi superior aos grupos Regular e Construção em todos os quesitos avaliados.


Tabela 1 - Resultados de Kroesbergen et al. 2004



Como o método instrucional se mostrou superior aos dois outros em todos os quesitos, os efeitos são específicos. Ou seja, não podem ser atribuídos apenas à atenção especial recebida pelas crianças.

Dois resultados adicionais chamam atenção. A abordagem construtivista não foi superior ao ensino instrucional no que se refere à Motivação e nem foi superior ao grupo REegular no que se refere à diversidade de Estratégias empregadas. Esses resultados contrariam frontalmente os pressupostos construtivistas de que a abordagem seria mais motivadora bem como promotora da criatividade e do pensamento crítico.

Os resultados de Kroesbergen e cols. (2014) não são nem um pouco surpreendentes por diversos motivos. Do ponto de vista cognitivo, a falta de estrutura, definição clara do problema, demonstração e correção que caracteriza a abordagem contrutivistga sobrecarrega a memória de trabalho das crianças (Kirshner et al., 2010, Sweller et al., 2011).

Como se sabe, os recursos de processamento são escassos na memória de trabalho. E mais escassos ainda nas crianças que têm dificuldades (Raghubar et al., 2010). Então, realmente não é surpreendente que as crianças aprendam menos. Na abordagem construtivista, as crianças gastam seus parcos recursos cognitivos na busca pela solução do problema e resta menos capacidade para memorizar o que foi aprendido.

Os resultados motivacionais também não são surpreendentes. A abordagem lúdica, informal e ativa pode, a princípio, ser bem mais atraente para as crianças. Entretanto, a instrução e exemplos demonstrados promovem a auto-eficácia (Pajares & Schunk, 2002). Ou seja, a percepção pelo indivíduo de que ele domina uma técnica, um conteúdo, de que ele sabe e é eficiente na resolução de um tipo de problemas.

Sintetizando os resultados até o momento, pode-se dizer que a construção do conhecimento é divertida mas confunde as crianças, consumindo seus escassos recursos de processamento. Por outro lado, a instrução direta pode ser tediosa, mas promove a auto-eficácia.

O terceiro resultado é menos surpreendente ainda. O fato de que as crianças do Construção não foram superior ao grupo Regular no quesito Estratégias só demonstra uma coisa. As crianças não precisam do construtivismo para pensar. Elas pensam por conta própria. Mesmo as crianças do grupo Regular pensam, por mais surpreendente que isso possa ser para os construtivistas. Não é apenas em settings construtivistas que as crianças pensam. As crianças pensam o tempo todo e ficam tentando resolver os problemas que lhes são apresentados. Nâo é só na hora do teatrco construtivista que as crianças pensam e desenvolvem o “raciocínio crítico”.

As razões para a persistência da lenga-lenga construtivista podem parecer um mistério. Mayer (2004) chamou atenção para o fato de que, desde a Década de 1960 vêm se acumulando as evidências de que o construtivismo não funciona. Mas o construtivismo é como a Fênix, ressurge das cinzas, apenas com nomes diferentes. De acordo com Mayer, a cada vez  que uma estratégia construtivista se mostra ineficiente, a abordagem se disfarça sob um novo nome e o mesmo vinho velho é servido em uma garrafa nova. Foi assim que surgiram várias ondas de “minimal guidance”, “collaborative learning”, “discovery learning” etc. A mais nova onda é o “problem-based learning”, que está inclusive infestando as faculdades de medicina pelo País afora. E tudo isso contra a vontade dos pais e contra a opinião dos matemáticos profissionais (Klein, 2003).

O mistério apenas se desvanece quando percebemos que as razões para a sobrevivência do construtivismo são ideológicas. O construtivismo é tão resiliente porque compatível com a ideologia esquerdistas (Freire, 1981).  O construtivismo  é reprimido mas retorna porque é um dos principais instrumentos doutrinários da esquerda (Bernardin, 2012). A consciência crítica que ele pretende desenvolver é a consciência de classe, de gênero, de etnia etc. Ou seja, a criação de categorias sociais de indivíduos em conflito umas com as outras e a tematização de todos os assuntos humanos em termos de relações de poder e dominação.

Esses são os reais objetivos do construtivismo. Aprender os fatos aritméticos, tirar uma nota boa no PISA, passar no ENEM, fazer uma faculdade, arrumar um bom emprego, subir na vida: tudo isso é secundário. O que importa é questionar a ordem estabelecida. Realmente, precisamos refletir sobre os objetivos da educação.

O que construtivistas respondem quando são confrontados com as evidências? Um dos chavões prediletos é dizer que a filosofia construtivista jamais foi adequadamente implantada. Ou seja, que as crenças e práticas tradicionais de ensino, baseadas na decoreba são muito resistentes e difíceis de exterminar. Em grnade parte, isso pode ser verdade. Como o socialismo, o construtivismo real nunca foi adequadamente implantado. Quem sabe dessa vez vai?

Não menos verdade, entretanto, é o fato de que a ideologia construtivista domina a formação dos professores há décadas (). Como o construtivismo é muito influente do ponto de vista ideológico, as professoras acabam se confundindo e surge uma quimera extremamente original, o “construtivismo da reguada”. O construtivismo da reguada impera no Brasil. As professoras  não recebem uma formação adequada e têm muito pouco conhecimento para transmitir aos alunos. Mas o conhecimento transmitido  não importa. O que importa é o conhecimento construído. Como os alunos não constroem o tal conhecimento, então dá-lhe reguada neles.

Obs. Se você ficou interessado e deseja ler mais alguma coisa em Português, pode dar uma olhada em Haase & Júlio-Costa (2015) e Haase e cols. (2015).


REFERÊNCIAS

Bernardin, P. (2012). Maquiavel pedagogo. Ou o ministério da reforma psicológica. Campinas: Ecclesia/Vide.

Freire, P. (1981). Pedagogia do oprimido (9a. ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Fuchs, L. S., Fuchs, D., & Compton, D. L. (2012). The early prevention of mathematics difficulty: Its power and limitations. Journal of Learning Disabilities, 45(3), 257-269.

Haase, V. G. & Júlio-Costa, A. (2015). Ciência cognitiva e educação: um diálogo necessário porém muito difícil. Associação Basileira do Déficit de Atenção.

Haase, V. G., Lima, B. A.C. R. & Júlio-Costa, A. (2015). A lenda do construtivismo. In R. Ekuni, L. Zeggio & O. F. A. Bueno (eds.) Caçadores de neuromitos. O que você sabe sobre o seu cérebro é verdade? (pp. 153-166).São Paulo: Mennon.

Hattie, J. C. (2009). Visible learning. A synthesis of over 800 meta-analyses relating to achievement. London: Routledge.

Kirshner, P. A., Sweller, J., & Clark, R. (2010). Why minimal guidance during instruction does not work: an analysis of the failure of constructivist, discovery, problem-based, experientail, and inquiry-based teaching. Educational Psychology, 41, 75-86.

Klein, D. (2003). A brief history of American K-12 mathematics education in the 20th century. In J. M. Royer (ed.) Mathematical cognition (pp. 175-225). Greenwitch, CO: IAP (Information Age Publisher).

Kroesbergen, E.H., van Luit, J.E.H. & Maas, C.J.M. (2004). Effectiveness of explicit and contructivist mathematics instruction for low-achieving students in the Netherlands. Elementary School Guidance and Counseling, 104, 233-251.

Matthews, M. R. (2002).  Constructivism and science education: a further analysis. Journal of Science Education and Technology, 11, 121-134.

Mayer, R. E. (2004). Should there be a three-strike rule against pure discovery learning? the case for guided methods of instruction. American Psychologist, 59, 14-19.

Pajares, F. & Schunk, D. H. (2002). Self and self-belief in psychology and education: a historical perspective. In J. Aronson (Ed.) Imptoving academic achievement. Impact of psychological factors on education (pp. 3-21). San Diego: Academic.

Raghubar, K. P., Barnes, M. A., & Hecht, S. A. (2010). Working memory and mathematics: a review of developmental, individual difference, and cognitive approaches. Learning and Individual Differences, 20, 110-122.


Sweller, J., Ayres, P., & Kalyuga, S. (2011). Cognitie load theory. New York: Springer.

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