Crianças que têm
dificuldades para aprender a ler e escrever as palavras frequentemente também
tem dificuldades para aprender aritmética. A co-ocorrência de dificuldades
persistentes de aprendizagem da leitura (dislexia) e da aritmética
(discalculia) constitui um exemplo de comorbidade.
A comorbidade entre
dislexia e discalculia pode ser verdadeira em alguns casos. Ou seja, os mecanismos
cognitivos subjacentes às dificuldades de leitura e de aritmética são distintos
e a co-ocorrência dos dois fenômenos é obra do acaso.
Por outro lado, a
co-ocorrência das dificuldades de aprendizagem de leitura e aritmética pode ser
devida a um mecanismos cognitivo comum, que seja responsável pelas dois tipos
de dificuldades. Tradicionalmente o processamento fonológico tems ido
identificado como um importante correlato da aprendizagem da leitura. Pesquisas
recentes estão mostrando que o processamento fonológico também é importante para
a aprendizagem de diversos aspectos da aritmética também.
Por processamento
fonológico entende-se a capacidade de acessar rapidamente as formas fonológicas
das palavras (nomeação automatizada rápida), manter e processar essa informação
na memória de trabalho fonológica e identificar e manipular conscientemente os
sons constituintes das palavras (consciência fonêmica).
Além de ser um
correlato da aprendizagem da leitura, o processamento fonológico tem sido
consistentemente implicado na aprendizagem de alguns aspectos da aritmética,
principalmente da habilidade de ler e escrever números nos diversos formatos
(transcodificação numérica) e memorização dos fatos aritméticos.
Adicionalmente,
crianças e adolescentes com dislexia apresentam um padrão bastante específico
de dificuldades de aprendizagem da aritmética com dificuldades na leitura e
escrita de números, memorização dos fatos e resolução de problemas verbalmente
formulados.
É fácil compreender a
razão pela qual a memória de trabalho
fonológica é importante para a memorização dos fatos aritméticos.
Os fatos aritméticos
consistem de associações problemas-resposta para as operações mais simples e
mais frequentes com apenas um algarismo. De tanto repetir essas operações, a
criança acaba memorizando os resultados como fatos, os quais podem ser então
resgatados automaticamente, O resgate de fatos aritmético facilita enormemente
a aprendizagem de formas mais complexas de matemática, tais como cálculo
multidigital.
A capacidade de
representar, acessar, manter e manipular as informações fonêmicas é muito
importante também para as tarefas de
transcodificação numérica.
Vejamos o que
acontece na tarefa de ditado de numerais arábicos. O indívudo escuta um numeral
que é ditado e, portanto, apresentado oralmente. A partir do numeral verbal
ouvido, a criança precisa acessar sua forma fonológica e mantê-la na memória de
cruto prazo para posterior processamento.
De posso das representações
fonológicas, a criança busca na memória de longo prazo se já existe algum
numeral correspondente àquele estímulo, o qual tenha sido lexicalizado pela
repetição de frequente. Tal é o caso, p. ex., de datas históricas, marcas de
carro ou de avião etc. A partir da forma
lexical de um número podem ser ativdos mais ou menos diretamente os mecanismos
de transcrição no código arábico.
Se a forma fonológica
do numeral verbal não corresponde a uma forma lexical previamente armazenada
então o processo é um pouco mais complexo. Essas representações fonológicas
precisam ser mantidas na memória de curto prazo enquanto é ativado um processo
de transcrição passo a passo, bastante laborioso, de modo que ocorra a
transcrição no código arábico.
É possível concluir
então que as três formas de processamento fonológico (resgate rápido
automatizado, representação na memória de curto-prazo e consciência fonêmica)
são importantes para o processo de ditado de numerais arábicos.
Pesquisas conduzidas
por Julia Beatriz Lopes-Silva (Lopes-Silva et al. 2014, 1016) no Laboratório de
Neuropsicologia do Desenvolvimetno (LND) dão suporte empírico à hipótese do
processamento fonológico como uma via comum entre a leitura e escrita de
palavras e números.
A tarefa utilizada é
o teste de supressão de fonemas, uma tarefa que avalia tanto a precisão das
representações fonêmicas, quanto sua manipulação na memória de curto prazo. Na
tarefa de supressão de fonemas a criança precisa descobrir qual a palavra resultante da remoção de um fonema de
uma palavras estímulo. P. ex., caída sem /i/ vira cada, pRato sem /r/ vira
pato, cLaro sem /l/ vira caro etc.
Em um primeiro estudo
foi observado que o desempenho na tarefa de supressão de fonemas é associado
tanto ao desempenho em escrita de palavras quanto em escrita de numerais
arábicos (Lopes-Silva et al., 2014). Os efeitos da memória de trabalho
fonológica, operacionalizada pelo teste de digit span, sobre a transcodificação
numérica são mediados pelo desempenho na tarefa de supressão de fonemas.
Posteriormente foi
observado que o desempenho na tarefa de supressão de fonemas é preditivo tanto
da leitura e escrita de palavras quanto de números. Quando se inclui a
inteligência nos modelos de análise, os efeitos da memória de trabalho
fonológica e visoespacial desaparecem, mas os efeitos da supressão de fonema
continuam.
Ou seja, o desempenho
em uma tarefa de processamento fonológico que avalia tanto a memória quanto a
precisão das representações fonêmicas, é um elo comum entre a leitura e escrita
de palavras e de números. O efeito do processamento fonológico permanece mesmo
quando é estatisticamente controlada a influência da inteligência.
Esses resultados têm importantes
implicações educacionais. Tarefas de manipulação de fonemas, as quais promovem
a consciência fonêmica, são importante não apenas para a aprendizagem da leitura
mas também para a aprendizagem da aritméticas. Tais tarefas inclui a
identificação das letras das palavras, a identificação dos sons correspondentes
às letras, a manutenção dos sons na memória por breves períodos de tempo, a
pronúncia das palavras sem determinados sons, a troca de sons entre uma palvra
e outra etc.
Referências
Lopes-Silva, J. B.,
Moura, R., Júlio-Costa, A., Haase, V. G., & Wood, G. (2014). Phonemic awareness as a pathway to number transcoding. Frontiers inPsychology, 5, 13 (doi:10.3389/fpsyg.2014.00013).
Lopes-Silva, J. B.,
Mour, R., Júlio-Costa, A., Wood, G., Salles, J. F., & Haase, V. G. (2016). What is specific and what is shared etween numbers and words? Frontiersin Psychology, 7, 22 (DOI: 10.3389/fpsyg.2016.00022).
Obs.: Os artigos
citados são de acesso livre e podem ser consultados na internet.
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