Tuesday, May 24, 2016

Como as crianças aprendem a ler e escrever as palavras e os números?

Crianças que têm dificuldades para aprender a ler e escrever as palavras frequentemente também tem dificuldades para aprender aritmética. A co-ocorrência de dificuldades persistentes de aprendizagem da leitura (dislexia) e da aritmética (discalculia) constitui um exemplo de comorbidade.

A comorbidade entre dislexia e discalculia pode ser verdadeira em alguns casos. Ou seja, os mecanismos cognitivos subjacentes às dificuldades de leitura e de aritmética são distintos e a co-ocorrência dos dois fenômenos é obra do acaso.

Por outro lado, a co-ocorrência das dificuldades de aprendizagem de leitura e aritmética pode ser devida a um mecanismos cognitivo comum, que seja responsável pelas dois tipos de dificuldades. Tradicionalmente o processamento fonológico tems ido identificado como um importante correlato da aprendizagem da leitura. Pesquisas recentes estão mostrando que o processamento fonológico também é importante para a aprendizagem de diversos aspectos da aritmética também.

Por processamento fonológico entende-se a capacidade de acessar rapidamente as formas fonológicas das palavras (nomeação automatizada rápida), manter e processar essa informação na memória de trabalho fonológica e identificar e manipular conscientemente os sons constituintes das palavras (consciência fonêmica).

Além de ser um correlato da aprendizagem da leitura, o processamento fonológico tem sido consistentemente implicado na aprendizagem de alguns aspectos da aritmética, principalmente da habilidade de ler e escrever números nos diversos formatos (transcodificação numérica) e memorização dos fatos aritméticos.

Adicionalmente, crianças e adolescentes com dislexia apresentam um padrão bastante específico de dificuldades de aprendizagem da aritmética com dificuldades na leitura e escrita de números, memorização dos fatos e resolução de problemas verbalmente formulados.
É fácil compreender a razão pela qual a  memória de trabalho fonológica é importante para a memorização dos fatos aritméticos.

Os fatos aritméticos consistem de associações problemas-resposta para as operações mais simples e mais frequentes com apenas um algarismo. De tanto repetir essas operações, a criança acaba memorizando os resultados como fatos, os quais podem ser então resgatados automaticamente, O resgate de fatos aritmético facilita enormemente a aprendizagem de formas mais complexas de matemática, tais como cálculo multidigital.

A capacidade de representar, acessar, manter e manipular as informações fonêmicas é muito importante também para as tarefas  de transcodificação numérica.

Vejamos o que acontece na tarefa de ditado de numerais arábicos. O indívudo escuta um numeral que é ditado e, portanto, apresentado oralmente. A partir do numeral verbal ouvido, a criança precisa acessar sua forma fonológica e mantê-la na memória de cruto prazo para posterior processamento.

De posso das representações fonológicas, a criança busca na memória de longo prazo se já existe algum numeral correspondente àquele estímulo, o qual tenha sido lexicalizado pela repetição de frequente. Tal é o caso, p. ex., de datas históricas, marcas de carro ou de avião etc. A partir da  forma lexical de um número podem ser ativdos mais ou menos diretamente os mecanismos de transcrição no código arábico.

Se a forma fonológica do numeral verbal não corresponde a uma forma lexical previamente armazenada então o processo é um pouco mais complexo. Essas representações fonológicas precisam ser mantidas na memória de curto prazo enquanto é ativado um processo de transcrição passo a passo, bastante laborioso, de modo que ocorra a transcrição no código arábico.

É possível concluir então que as três formas de processamento fonológico (resgate rápido automatizado, representação na memória de curto-prazo e consciência fonêmica) são importantes para o processo de ditado de numerais arábicos.
Pesquisas conduzidas por Julia Beatriz Lopes-Silva (Lopes-Silva et al. 2014, 1016) no Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimetno (LND) dão suporte empírico à hipótese do processamento fonológico como uma via comum entre a leitura e escrita de palavras e números.

A tarefa utilizada é o teste de supressão de fonemas, uma tarefa que avalia tanto a precisão das representações fonêmicas, quanto sua manipulação na memória de curto prazo. Na tarefa de supressão de fonemas a criança precisa descobrir qual a  palavra resultante da remoção de um fonema de uma palavras estímulo. P. ex., caída sem /i/ vira cada, pRato sem /r/ vira pato, cLaro sem /l/ vira caro etc.

Em um primeiro estudo foi observado que o desempenho na tarefa de supressão de fonemas é associado tanto ao desempenho em escrita de palavras quanto em escrita de numerais arábicos (Lopes-Silva et al., 2014). Os efeitos da memória de trabalho fonológica, operacionalizada pelo teste de digit span, sobre a transcodificação numérica são mediados pelo desempenho na tarefa de supressão de fonemas.
Posteriormente foi observado que o desempenho na tarefa de supressão de fonemas é preditivo tanto da leitura e escrita de palavras quanto de números. Quando se inclui a inteligência nos modelos de análise, os efeitos da memória de trabalho fonológica e visoespacial desaparecem, mas os efeitos da supressão de fonema continuam.

Ou seja, o desempenho em uma tarefa de processamento fonológico que avalia tanto a memória quanto a precisão das representações fonêmicas, é um elo comum entre a leitura e escrita de palavras e de números. O efeito do processamento fonológico permanece mesmo quando é estatisticamente controlada a influência da inteligência.

Esses resultados têm importantes implicações educacionais. Tarefas de manipulação de fonemas, as quais promovem a consciência fonêmica, são importante não apenas para a aprendizagem da leitura mas também para a aprendizagem da aritméticas. Tais tarefas inclui a identificação das letras das palavras, a identificação dos sons correspondentes às letras, a manutenção dos sons na memória por breves períodos de tempo, a pronúncia das palavras sem determinados sons, a troca de sons entre uma palvra e outra etc.

Referências

Lopes-Silva, J. B., Moura, R., Júlio-Costa, A., Haase, V. G., & Wood, G. (2014). Phonemic awareness as a pathway to number transcoding. Frontiers inPsychology,  5, 13 (doi:10.3389/fpsyg.2014.00013).

Lopes-Silva, J. B., Mour, R., Júlio-Costa, A., Wood, G., Salles, J. F., & Haase, V. G. (2016). What is specific and what is shared etween numbers and words? Frontiersin Psychology, 7, 22 (DOI: 10.3389/fpsyg.2016.00022).

Obs.: Os artigos citados são de acesso livre e podem ser consultados na internet.






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