Tuesday, November 20, 2018

SANTÍSSIMA TRINDADE DA EDUCAÇÃO

O only game in town da educação brasileira é a luta do Dragão da Maldade, também conhecido como Paulo Freire, contra os Santos Guerreiros, compostos pela Santíssima Trindade formada por Henri Wallon (1879-1962), Lev Semenovich Vygotsky (1896 – 1934) e Jean Piaget (1896-1980).


A hegemonia desses autores na formação psicológica e ideológica dos pedagogos brasileiros é inconteste. Basta olhar os currículos dos cursos de graduação em pedagogia. O gatilho que me levou a escrever esse post foi um link que vi no FaceBook recentemente. O autor achou que as idéias dos Santos Guerreiros são tão importantes que mereciam ser didatizadas sob a forma de um quadro comparativo.

Eu não nego a importância dos Santos Guerreiros. Mas a importância deles é histórica. O mais novinho deles morreu em 1980. Acontece que os avanços da psicologia comportamental e cognitiva nos últimos 50 anos não podem ser ignorados. Os Santos Guerreiros merecem ser estudados, porém num contexto histórico, reinterpretados à luz dos conhecimentos atuais. Infelizmente, não é isso que acontece. A sabedoria dos Santos Guerreiros é tratada como se fosse o estado atual do conhecimento. 

Mas o que aconteceu na psicologia nos últimos 50 anos, que tornou grande parte do ideário dos Santos Guerreiros obsoleto? Basicamente, aprendemos muita coisa sobre os mecanismos motivacionais e cognitivos subjacentes à aprendizagem escolar. Entre outras coisas, as evidências empíricas indicam que:

a) Os métodos comportamentais, principalmente reforçamento diferencial, são extreamamente eficientes para controlar o comportamento em sala de aula sem usar punição e para motivar os alunos para o estudo;

b) A motivação para a aprendizagem se baseia no sucesso previamente obtido. Por essa razão a aprendizagem sem erro, com individualização do currículo, é fundamental;

c) As abordagens educacionais que incluem instrução formal são mais eficientes do que as abordagens que desconsideram a instrução;

d) A inteligência geral é o principal fator associado ao sucesso na aprendizagem escolar;

e) O conhecimento prévio (p. ex., vocabulário e habilidades) é um importante pré-requisito para a aprendizagem;

f) Existem diversas formas de conhecimento, como p. ex., conceitual (conceito de número e compreensão das operações), factual (fatos aritméticos), procedimental (contagem nos dedos, algoritmos). Todas as formas de conhecimento precisam ser explicitamente desenvolvidas;

g) Um dos principais limitadores da aprendizagem escolar é a capacidade limitada de processamento na memória de trabalho, o lócus operacional da aprendizagem;

h) Como a capacidade de processamento é limitada na memória de trabalho, o processo de aprendizagem é muito sujeito a erro, exigindo esforço, atenção concentrada e prática repetida;

i) Os métodos instrucionais reduzem a demanda por memória de trabalho e favorecem a aprendizagem;

j) As abordagens construtivistas, de aprendizagem por descoberta e colaboração social, sobrecarregam a memória de trabalho e podem ter efeitos negativos sobre a aprendizagem. Isso é expecialmente importante para as crianças que têm dificuldades de aprendizagem;

k) Um grupo significativo de alunos com inteligência normal apresenta déficits em algum tipo específico de conhecimento, dificultando a aprendizagem. P. ex., algumas crianças têm dificuldade com o vocabulário, o que dificulta a compreensão de leitura. Outras crianças não conseguem automatizar as conexões entre as letras e os sons, dificultando a aquisição de fluência na leitura;

l) Os métodos instrucionais e o manejo comportamental favorecem a aprendizagem de crianças com dificuldades.

Esses e outros resultados foram integrados por Willingham  (2011) em um  modelo cognitivo da aprendizagem escolar, o qual pressupõe uma arquitetura cognitiva simples, composta por memória de longo prazo (conhecimento de diversos tipos), memória de trabalho (lócus operacional da aprendizagem) e  motivação (a fonte energética que mantém a memória de trabalho ligada durante a aprendizagem). O livro do Willingham é uma excelente porta de entrada para a psicologia científica da aprendizagem. 


Há um interesse muito grande pela neurociência na área de educação. E, realmente, a neurociência poderá contribuir muito para a educação. Mas não há como integrar evidências neurocientíficas à educação sem passar pela psicologia comportamental e cognitiva. Os modelos testados pelos métodos de neuroimagem funcional se originaram e somente fazem sentido à luz dos modelos cognitivos, principalmente de processamento de informação. A psicologia comportamental e cognitiva é a ponte entre neurociência e educação.  A Santíssima Trindade vive em outra esfera da realidade, muito distinta da neurociência.

Referência


Willingham, D. T. (2011). Por que os alunos não gostam da escola. Porto Alegre: ARTMED.

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