Friday, November 23, 2018

2019/1: DESEMPENHO ESCOLAR EM DISCIPLINA DO PPG EM NEUROCIÊNCIAS

Programa de Pós-graduação em Neurociências
ICB - UFMG

Projeto de disciplina

TÍTULO

Fundamentos neuropsicológicos e sociodemográficos do desempenho escolar

DOCENTE: Vitor Geraldi Haase

MONITOR: Henrique Augusto Torres Simplício

EMENTA: Bases genéticas, neurocognitivas e sociodemográficas associadas às diferenças individuais no desempenho escolar.

DATA: Primeiro semestre de 2019.

HORÁRIO: Segundas-feiras de 10:00 às 13:00 horas.

LOCAL: FAFICH.

CARGA HORÁRIA: 45 horas.

VAGAS: 40 (quarenta), incluindo matrículas em disciplina isolada.

PRÉ-REQUISITO: Habilidade de leitura em inglês.

MÉTODO DE ENSINO: Aulas expositivas e seminários.

AVALIAÇÃO: Seminário (30 pontos), duas provas escritas (35 pontos cada). 

PROGRAMA

  1. O problema do desempenho escolar no Brasil
  2. Evolução e educação
  3. Diferenças individuais e desempenho escolar
  4. Genética comportamental do desempenho escolar
  5. Bases neurais da aprendizagem escolar: Conhecimento
  6. Bases neurais da aprendizagem escolar: Memória de trabalho
  7. Bases neurais da aprendizagem escolar: Motivação
  8. Caracteristicas da família e desempenho escolar
  9. Características da escola e desempenho escolar
  10. Sociodemografia do desempenho escolar: Em busca de um modelo integrativo



RESUMO

1. O problema do desempenho escolar no Brasil

As crianças e adolescentes brasileiros não aprendem na escola. São mais freqüentes do que o desejável as consultas em serviços de neuropsicologia de adolescentes com inteligência normal que permanecem analfabetos ao final do Ensino Fundamental II. O desempenho de adolescentes brasileiros em testes internacionais como o PISA é notoriamente deficiente. Ao mesmo tempo, o Brasil gasta muito em educação. As análises econônomicas indicam que o problema está relacionado com a gestão e não com a falta de recursos. Adicionalmente, as práticas educacionais no Brasil não se fundamentam nas melhores evidências científico-psicológicas disponíveis. A formação psicológica dos pedagogos não incorpora resultados importantes da pesquisa em psicologia comportamental e cognitiva nos últimos 50 anos. Resultados esses que fariam diferença em sala de aula.


2. Evolução e educação

Na espécie humana, a pedagogia é um instinto. A cultura e a pedagogia são estratégias evolutivamente estáveis. A pedagogia é a atividade humana que objetiva a transmissão da cultura de uma geração para outra. A evolução cultural avassaladora dificulta a atividade pedagógica na época atual. A adaptação a mundo atual impõe demandas cognitivas crescentes. Demandas essas que somente são satisfeitas às custas de muito esforço por parte do aprendiz. As habilidades cognitivas podem ser divididas em biologicamente primárias, tais como a linguagem oral, e biologicamente secundárias, tais como a lectoescrita. As habilidades cognitivas biologicamente primárias são adquiridas de forma instintitiva, sem necessidade de intervenções pedagógicas específicas. As habilidades cognitivas biologicamente secundárias requerem intervenções pedagógicas para sua aquisição. Não existe uma motivação instintiva que propicie a motivação e intuição das habilidades secundárias. A aquisição das habiliddes secundárias exige habilidades cognitivas gerais (inteligência, funções executivas) e específicas (habilidades fonológicas, habilidades numéricas, habilidades sociais etc.), as quais são adquiridas apenas às custas de muito esforço e que não são intrinsecamente reforçadoras. O desafio da pedagogia é construir uma motivação secundária para o estudo. 


3. Diferenças individuais e desempenho escolar

Em geral, as diferenças individuais explicam de 80% a 90% da variância (populacional) no desempenho escolar. Fatores relacionados à escola e classe explicam 10% a 20% da variância (populacional). As diferenças individuais são o resultado de um processo epigenético de interação entre influências genéticas e ambientais. A pobreza é o principal fator de risco para dificuldades de aprendizagem escolar. As habilidades cognitivas gerais (inteligência, funções executivas) são o principal indicador prognóstico quanto ao desempenho escolar. Quanto mais desigual for uma sociedade menor será a influência das diferenças individuais e maior a influência de fatores sócio-ambientais relacionados à escola e classe. As crianças mais pobres e aquelas com transtornos de desenvolvimento e de aprendizagem são mais dependentes da qualidade do método, da professora e da escola para aprenderem.


4. Genética comportamental do desempenho escolar

O desempenho escolar é o resultado de um processo epigenético complexo de interação ente influências ambientais e genéticas. As influências genéticas explicam cerca de 60% da variância (populacional) no desempenho escolar. As influências ambientais podem ser classificadas em compartilhadas (que tornam os irmãos semelhantes) e não compartilhadas (que tornam os irmãos diferentes). A variância (populacional) no desempenho escolar depende mais do ambiente não-compartilhado do que do ambiente compartilhado. As investigações tradicionais em ciências sociais e comportamentais amostram um indivíduo de uma família, interpretando seu desempenho como ilrepresentativo da família como um todo. Entretanto, o ambiente compartilhado, ou seja as semelhanças entre os irmãos, explica apenas de 5% a 10% da variância (populacional) no desempenho escolar. Quanto mais desigual for uma sociedade, menor será a influência das influências genéticas e maior a influência de fatores sócio-ambientais sobre o desempenho escolar. As influências genéticas e o ambiente não-compartilhado interagem de forma complexa. As interações genético-ambientais podem ser passivas (o indivíduo herda dos pais o ambiente em que vive), reflexas (as pessoas reagem e reforçam as características inatas do indivíduo) e ativas (os indivíduos constroem o ambiente em que vivem).


5. Bases neurocognitivas da aprendizagem escolar: Conhecimento

A aprendizagem escolar pode ser concebida como formação de hábitos ou aquisição de habilidades. Segundo William James, a pessoa educada é aquela que cultiva bons hábitos. Ou seja, aquela pessoa que constrói rotinas para funcionar na vida cotidiana, libera recursos cognitivos preciosos para a resolução de problemas mais complexos ou para o lazer. O conhecimento é importante para a aprendizagem. Quanto mais a pessoa sabe, mais facilmente ela aprende. Por exemplo, o vocabulário (conhecimento de mundo) é um dos principais preditores da compreensão leitora. Existem várias formas de conhecimento: conceitual (p. ex., compreensão das operações aritméticas), factual (p. ex., fatos aritméticos) e procedimental (p. ex., algoritmos de cálculo e estratégias de resolução de problemas). Todas formas de conhecimento são importantes. Não basta compreender, é também preciso memorizar e automatizar o conhecimento. As provas não apenas avaliam o conhecimento adquirido, mas elas são também uma oportunidade de aprendizagem. Sempre que ocorre uma situação potencialmente problemática, inicia-se um processo de busca por uma solução previamente aprendida. Caso uma solução previamente aprendida esteja disponível, o problema está resolvido. Quando uma solução previamente disponível não está disponível, é preciso ativar a memória de trabalho.

Figura. Modelo simples da mente proposto por Willingham (2011). A aprendizagem escolar pode ser explicada em função de três componentes: o conhecimento, a memória de trabalho e a motivação. Quando surge uma questão potencialmente problemática, ocorre uma busca por uma solução previamente adquirida e armazenada como conhecimento na memória de longo prazo. Caso essa solução esteja disponível, o problema está resolvido. Caso não haja uma solução disponível na memória de longo prazo, a memória de trabalho precisa ser ativada para que uma nova solução seja encontrada a partir de uma estratégia de solução de problemas. O processamento controlado na memória de trabalho custa esforço, exige atenção, sendo muito sujeito a erro. A capacidade de processamento na memória de trabalho é limitada, tornando a ativação da mesma aversiva. A motivação é a fonte energética que mantém a memória de trabalho ativada enquanto uma solução é desenvolvida. O conhecimento é o resultado desse processo interativo de ativação da memória de trabalho e armazenamento e reorganização da memória de longo prazo.


6. Bases neurocognitivas da aprendizagem escolar: Memória de trabalho

A memória de trabalho é o lócus da aprendizagem. A memória de trabalho pode ser comparada à memória RAM de um computador. A aprendizagem se baseia na ativação e processamento de informação na memória de trabalho. Não existe aprendizagem passiva. Toda aprendizagem é ativa. Por um lado, a atividade mental pode se restringir à memória de trabalho não sendo manifesta do ponto de vista comportamental. Por outro lado, a atividade comportamental pode não se interiorizar e, portanto, não se refletir em aprendizagem. A construção do conhecimento se processa na memória de trabalho e não necessariamente através de ações externamente observáveis. A principal característica da memória de trabalho é a limitação quantitativa e temporal na capacidade de processamento. A quantidade de informação representável e processável na memória de trabalho é limitada. A memória de trabalho é transitória. Após alguns segundos, a informação se esvanece. Métodos instrucionais, mais estruturados, são mais eficientes para a aprendizagem porque não sobrecarregam a memória de trabalho A aprendizagem colaborativa e por descoberta é pouco estruturada e impõe mais demandas quanto aos recursos limitados de processamento na memória de trabalho. O método instrucional é especialmente importante para as crianças pobres e/ou que têm dificuldades de aprendizagem.


7. Bases neurocognitivas da aprendizagem escolar: Motivação

O processamento controlado na memória de trabalho demanda esforço, atenção, sendo muito sujeito a erro. A ativação da memória de trabalho, necessária para a aprendizagem, é aversiva. As crianças são intrinsecamente motivadas para adquirir determinados tipos de conhecimento, tais como a linguagem oral. Mas as crianças não são intrinsecamente motivadas para adquirir os conteúdos escolares, os quais são complexos e, porisso, dependentes da ativação da memória de trabalho. A motivação é a fonte energética que mantém a memória de trabalho ligada enquanto a aprendizagem se processa. O desafio da pedagogia é construir uma motivação intrínseca para o estudo e aprendizagem. Isso somente é possível através dos resultados. Uma das principais habilidades adquiridas na escola resulta da compreensão de que existe uma relação entre o esforço dispendido e o resultado alcançado. A pessoa somente se motiva para estudar se obtém resultado. Por esse motivo, a aprendizagem deve se processar sem erro. O currículo deve ser adaptado ao nível de proficiência do aluno, de tal forma que esteja ao seu alcance com um pequeno esforço. Outras influências motivacionais importantes são as características inerentes do indivíduo, as expectitativas dos adultos e as contingências de reforçamento. Indivíduos mais inteligentes, reflexivos e conscienciosos tendem a se motivar mais para o estudo. Se o adulto acredita que a criança tem potencial, ele investe mais tempo e esforço na sua educação. A criança tende a desenvolver as qualidades elogiadas. Se o estudo e o bom comportamento são incentivados, os mesmos tendem a aumentar de freqüência.


8. Caracteristicas da família e desempenho escolar

Quando a ecologia familiar é desfavorável, uma estratégia reprodutiva quantitativa é mais adaptativa. Quando a ecologia se caracteriza por escassez de recursos, conflito familiar, instabilidade conjugal, abuso e maus-tratos, desiguldade social, mortalidade elevada, perspectivas reduzidas de ascensão social etc., ter mais filho se traduz em maior probabilidade de transmitir os genes de uma geração para outra. Quanto mais filhos uma família tem, menos recursos são disponibilizados e menor é o investimento na educação das crianças. Essas características da ecologia familiar são percebidas de forma implícita desde a mais tenra infância e imprintam o desenvolvimento do indivíduo para uma maturação sexual acelerada e uma estratégia reprodutiva quantitativa. As características do ambiente familiar são transmitidas de forma epigenética de uma geração para outra.


9. Características da escola e desempenho escolar

As crianças mais pobres e/ou com dificuldades de aprendizagem escolar são mais sensíveis à qualidade do ensino. A mudança de uma professora mais compreensiva e engajada para uma professora com características opostas pode ter efeitos desastrosos sobre a aprendizagem de uma criança. Principalmente se a criança tem dificuldades de aprendizagem ou problemas de comportamento. A qualidade das escolas, públicas ou privadas, é muito variável e também afeta o desempenho escolar dos alunos, principalmente também daqueles com dificuldades. As políticas educacionais implantadas em nosso País não se fundamentam em evidências científicas mas em pressupostos ideológicos indemonstráveis.  Os professores têm escassa autonomia decisória. As diferenças inter-regionais e inter-individuais não são consideradas. A carreira de magistério é pouco atraente e a formação dos professores deficiente, sendo altos os níveis de insatisfação, estresse, desmotivação e absenteísmo.


10. Sociodemografia do desempenho escolar: Em busca de um modelo integrativo

Como o desempenho escolar é um fenômeno complexo, multi-determinado, a melhoria da qualidade do ensino e do rendimentos dos alunos depende de intervenções em múltiplos níveis. Alguns dos fatores identificados se relacionam às caracteristicas individuais, familiares, escolares e institucionnais, as quais resultam da interação de influências genéticas e ambientais. 


REFERÊNCIAS

Asbury, K., & Plomin, R. (2013). G is for genes. The impact of genetics on educational achievement. Chichester: Wiley. New York: Springer.

Babad, E. (2009). The social psychology of the classroom. New York: Routledge.

Christodoulou, D. (2014). Seven myths about education. Routledge.

Franks, D. D. (2010). Neurosociology. The nexus between neuroscience and social psychology. 

Haier, R. J. (2017). The neuroscience of intelligence. Cambridge University Press.

Moreno, R. (2009). Educational psychology. New York: Wiley. 

Willingham, D. T. (2011). Por que os alunos não gostam da escola. Porto Alegre: Artmed.













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