Thursday, November 26, 2020

PANDEMIA & EDUCAÇÃO: A PERSPECTIVA EVOLUCIONÁRIA


A conexão entre a educação e a evolução é a seguinte. O evento decisivo na evolução humana é a supremacia ecológica. O termo supremacia ecológica se refere ao fato de que os humanos não têm predator natural e, portanto, adquiriram supremacia sobre a sua ecologia biológica e física. A supremacia ecológica ressaltou a importância das pressões seletivas intra-específicas nos humanos. Ab principal pressão selectiva humana tem a ver com as habilidades sócio-cognitivas necessárias para a cooperação intra-grupo e competição inter-grupos. Os problemas cognitivos mais difíceis que enfrentamos no nosso dia a dia são de natureza social, buscando soluções para os jogos estratégicos nos quais nos metemos. A pressão de seleção social permitiu a evolução de habilidades cognitivas cada vez mais complexas, criando o cenário para a seleção da inteligência geral e a evolução da cultura.


A complexidade cultural humana propiciou a invenção de uma série de artefatos, tais como a língua escrita, a aritmética, a imprensa, o computador, a internet etc. A utilização desses artefatos culturais complexos requer uma pedagogia. Ou seja, uma tecnologia de transmissão de conhecimento entre uma geração e outra, com o intuito de preservar e permitir o aprimoramento do legado cultural.


Geary (2007) distingue entre habilidades cognitivas biologicamente primárias e secundárias. A linguagem oral é um exemplo de habilidade primária. As crianças não precisam ser ensinadas a falar, elas adquirem ou desenvolvem a linguagem. Desde que convivam com uma comunidade falante de alguma língua natural. A língua escrita é outra história. A língua escrita não é aprendida espontaneamente, mas exige uma pedagogia e de três a quatro anos de árduo esforço da criança para adquirir fluência. 



As habilidades primárias constituem o equipamento cognitivo padrão da espécie humana, o qual evoluiu no ambiente ancestral. Esse equipamento padrão é constituído por uma série de primitivos conceituais relacionados ao ambiente físico (tempo, espaço, causalidade, quantidade etc.), à vida (seres vivos e inanimados, espécei etc.) e aos relacionamento intra- e interpessoais (self, outro, teoria da mente etc.). As habilidades primárias são adquiridas espontaneamente, no convívio com um cultural qualquer. As crianças possuem aprendizibilidade das habilidades primárias e são intrinsecamente motivadas para sua aquisição.


A história é bem diferente no que se refere às habilidades secundárias. Não existe motivação intrínseca para gostar da escola. O gosto pelo estudo precisa ser adquirido e depende dos resultados, da orientação de um professor e de muito esforço deliberado. As crianças não são intrinsecamente motivadas para aprender a ler, por exemplo. O estudo pode ser inicialmente aversivo. A motivação para o estudo não é intrínseca, depede dos resultados obtidos aqui agora (permitindo o desenvolvimento de auto-eficácia) e de resultados abstratos projetados em um futuro longínquo (os quais precisam ser representados na memória de trabalho).  A motivação para a aquisição de habilidades cognitivas biologicamente secundárias é, portanto, cognitivamente mediada.


Os efeitos da pandemia de COVID-19 foram analisados por David C. Geary sobre esse pano de fundo evolucionário. A suspensão das aulas e o ensino  remoto prejudicam a aquisição de habilidades cognitivas biologicamente secundárias. Ou seja, aquelas habilidades cognitivas que dependem crucialmente da escola. O prejuízo pode ser irreparável para toda uma coorte da população, que vive essa situação inédita. 


Esse drama pandemônico nos afeto no Brasil também. Paradoxalmente, os efeitos podem ser agravados e simultaneamente nuançados, diria um cínico. A pandemia agravou o Apartheid social no Brasil de duas maneiras. Inicialmente, a suspensão das aulas e dificuldade das escolas públicas em implementar a educação remota prejudicaram os mais pobres. Atualmente, com a suspensão continuada das aulas presenciais, as crianças mais pobres continuam sendo prejudicada.

A suspensão das aulas e educação remota aumentou a responsabilidade das famílias e das próprias crianças sobre sua aprendizagem. A educação remota depende muito da motivação do aluno, da sua capacidade de auto-organização, de auto-motivação, de responsabilidade e de engajamento, de habilidades cognitivas de pensamento crítico que propiciem a aprendizagem por descoberta. Os alunos que exigem mais tutoria têm sua aprendizagem prejudicada quanto não recebem essa tutoria dos professores e/ou quando a família, pelas mais diversas razões, não tem condições de oferecer essa tutoria.


A nuance vem de um comentário cínico que ouvi por aí. Talvez possa até ser vantajoso para as crianças as escolas não funcionarem. O currículo anda tão desidratado de conteúdo que, de qualquer maneira, as crianças não aprendem nada na escola. E ficando em casa, se poupam da doutrinação esquerdista.


Referência


Geary, D. C. (2007).  Educating the evolved mind: Conceptual foundations for an evolutionary  educational psychology. In J. S. Carlson & J. R. Levin (Eds.), Educating the evolved mind (pp. 1-99, Vol. 2, Psychological perspectives on contemporary educational issues).  Greenwich, CT: Information Age. 

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