Wednesday, February 20, 2013

Transtornos da memória semântica: o que é típico e o que é patológico?


As alterações do sistema semântico são uma das coisas mais irritantes do envelhecimento. Esse negócio já me pegou. E há muito tempo. A gente quer falar uma coisa e não vem o nome. Quer se lembrar do nome de um autor e o raio não vem. Isto incomoda demais na sala de aula. Estou careca de saber uma coisa. Já dei aula dezenas de vezes sobre aquilo. E na hora o negócio não vem. Termina a aula e o negócio vem.

O pior é que tem uma série de demências degenerativas, tais  como a doença de Alzheimer e a demência semântico, nas quais um dos principais sintomas é a dificuldade com a memória semântica.
Como saber se as dificuldades que alguém enfrenta com a memória semântica são normais ou patológicas? A neuropsicologia cognitiva tem uma resposta para esta questão.

Uma primeira distinção importante deve ser feita entre anomia e déficits na memória semântica. No envelhecimento típico vão ocorrendo alterações microvasculares na substância branca que lentificam o processamento de informação. Vão surgindo devagarinho microlesões vasculares na substância branca, as quais aparecem nos exames de ressonância magnéticas como pontos de hiperintensidade de sinal (leucoaraiose). Este é o substrato neurofuncional das dificuldades de resgate que começam a incomodar a todos a partir e uma certa idade e que já me pegaram. A informação está lá. Não foi perdida. Mas, devido a essas disfunções da integração córtico-cortical de longa distância, o resgate fica mais difícil, mas lento. E às vezes falha temporariamente. Por vezes é dificultado apenas o acesso ao nome (anomia). O indivíduo consegue se lembrar do conceito e de todos os fatos associados. O que falta temporariamente é o acesso ano nome.

Outras vezes o problema é com a própria informação semântica. O que não vem é o conteúdo mesmo. Nestes casos é importante considerar uma distinção entre transtornos do acesso e degradação das próprias representações semânticas (Warrington & Shallice, 1979). Warrington e Shallice estabeleceram uma série de critérios para distinguir entre estas duas condições: 1) Consistência: Se a representação semântica está degrada, o individuo deve apresentar dificuldades repetidas com determinados itens. Nos transtornos de acesso as dificuldades são variáveis, inconsistentes de um item para outro; 2) Priming: Na degradação da representação semântica não ocorre o fenômeno de priming. Ou seja, a apresentação prévia de um estímulo semanticamente relacionado não ativa o campo semântico do estímulo alvo e. portanto, não facilita o reconhecimento deste; 3) Frequência dos itens: Itens mais frequentes são mais consolidados na memória semântica e possuem representações mais redundantes. Itens mais frequentes são, portanto, mais fáceis de resgatar. No transtorno de acesso não deve haver efeito de frequência; 4) Velocidade de apresentação: Pacientes com déficits de acesso são desproporcionalmente mais afetados pelo intervalo de apresentação entre um estímulo e outro do que pacientes com degradação das representações semânticas.

É possível então estabelecer uma nítida correlação estrutura-função. As dificuldades com a memória semântica no envelhecimento típico, associadas a disfunções metabólico-vasculares da conectividade córtico-cortical, dificultam mais o resgate de informação e aparecem como anomia ou déficit de acesso semântico. A degradação das representações semânticas, com déficits mais graves, consistentes de um ensaio para outro, e não exibindo efeitos de priming, frequência de ocorrência e velocidade de apresentação, é mais típica das doenças degenerativas e progressivas.

Referência

Warrington, E. K. & Shallice, T. (1979). Semantic access dyslexia. Brain, 102, 43-63.