Sunday, June 16, 2013

Regras para citações bibliográficas

Tenho observado que alguns alunos apresentam dificuldades para captar as normas que regem a etiqueta das citações bibliográficas. Lendo textos de alunos, muitas vezes fico com a impressão de que o cara citou o primeiro trabalho em que leu um determinado assunto. Assim, à êsmo. No caso de alguns alunos é possível até mesmo reconstruir a cronologia das suas leituras. Como se a ordem em que o cara foi aprendendo as coisas tivesse qualquer relevância...

Não é assim que a coisa funciona. Um dos critérios que os referees usam para avaliar a qualidade de um trabalho científico diz respeito às citações. O estilo de citações pode ser muito revelador do conhecimento ou ignorância do autor. As citações em um texto científico não podem ser feitas a êsmo. Devem refletir a evolução e o estado atual de conhecimento de um dado tópico. E o conhecimento de que o autor dispõe.

A seguir vou descrever algumas regrinhas que eu uso. Não tenho pretensão a ser dono da verdade. Mas acho que estas regrinhas têm uma certa lógica.

Artigos originais em periódicos com revisão por pares
Sempre procurar citar artigos originais, publicados em periódicos indexados com revisão por pares e que, principalmente, tenham como objeto principal de estudo o fato que está sendo mencionado. O artigo original publicado em periódico indexado, revisado por pares e em inglês é o padrão-ouro da evidênccia científica. É melhor transacionar com moeda forte do que com moeda fraca. É sempre importante citar trabalhos cujo objetivo principal tenha sido a questão mencionada. Não citar coisas que outros autores apenas mencionam de passagem ou na discussão dos seus resultados.

Revisões literárias
Revisões literárias ou tradicionais não devem ser citadas. Este tipo de estudo têm finalidade apenas didática.  A utilidade das revisões tradicionais ou literárias é dar uma geral sobre um determinado assunto. São úteis como introdução. Como sua função é principalmente didática, não devem ser citadas em uma dissertação, tese ou artigo. O conhecimento adquirido a partir de artigos originais é fragmentário. Leva um tempo para montar o quebra-cabeça. As revisões são úteis para traçar uma visão geral. Mas as revisões sistemáticas e meta-análises são preferíveis.

Revisões sistemáticas e metanálises
Devem sempre ser citadas. As revisões sistemáticas e metanálises ocupam o mais alto patamar da evidência científica. Sempre que houver alguma revisão sistemática ou metanálise de um assunto é  conveniente citá-la. Este tipo de trabalho é altamente considerado e pode ser muito útil na organização das idéias. Estruturar a introdução de um trabalho em cima de uma revisão sistemática é uma ótima maneira de começar o negócio. As revisões sistemáticas proporcionam também uma acesso rápido e fácil a toda à literatura. Identificada uma revisão sistemática fica mais fácil a tarefa de revisão. Basta correr atrás dos trabalhos publicados posteriormente. Até o momento da publicação a revisão bibliográfica está resolvida. As revisões sistemáticas estruturam o conhecimento e fornecem parâmetros metodológicos. As metanálises estimam a magnitude dos efeitos, orientado a avaliação da significância teórica, prática, clinica de uma evidência dada.

Capítulos de livro
Muito cuidado com as citações de livros e capítulos de livros. Este tipo de literatura pode não ser tão facilmente acessivel. Se o leitor não dispõe da obra em sua biblioteca particular, precisa ir até a biblioteca da sua faculdade para conferir. Por vezes a obra pode não estar disponível na biblioteca mais próxima.  Se o leitor tiver que se esforçar muito para avaliar a validade ou fidedignidade de uma informação, ele vai ficar de má-vontade. É sempre melhor privilegiar artigos originais publicados em periódicos indexados e com revisão por pares. A indexação permite o fácil e rápido acesso. A revisão por pares é um selo de garantia. Uma razão adicional é que a informação contida em capitulos tende a ser menos atualizada do que a informação publicada em artigos. A vantagem dos capítulos é que os autores têm mais liberdade de especular, uma vez que os controles são menos rígidos do que no caso dos periódicos. Isto pode ser interessante para aprender. Mas, geralmente, não justifica citação.

Livros-texto
Não citar informações de livros-texto. Isto transmite a impressão de que o autor tem um conhecimento apenas superficial do assunto. Informações de livros-texto são permitidas quando se trata de fatos estabelecidos em outras áreas do conhecimento, mais remotas ao tópico do trabalho. Livros-texto devem ser, entretanto distinguidos dos clássicos. Citar os Principles of psychology do William James é chique. Citar um manual recente de psicologia cognitiva traduzido para o português é caipirice.

Relevância
Citar apenas trabalhos que representem algum tipo de contribuição relevante para uma determinado ponto que está sendo enfatizado. É um pecado muito grave citar o primeiro autor lido que discutiu a questão mencionada, às vezes apenas de passagem. O foco principal do trabalho citado tem que ser a questão que está sendo enfatizada. O trabalho citado precisa representar uma contribuição importante, no sentido de ter sido o primeiro a mostrar algo, ou o artigo que melhor controlou as variáveis confundidoras, ou fez alguma inovação metodológica ou conceitual, contribuindo assim para estabelecer um fato de forma mais sólida. Revisões sistemáticas e metanálises também são altamente relevantes e merecem se recitadas. 

Novidade
Os referees são enviesados para a novidade. Ao citar alguma coisa, é sempre recomendável que o autor se pergunte se esta é a contribuição mais recente disponível para a questão. Caso contrário, deve ser a primeira, ou aquela que se destacou pela excelência metodológica. Em algumas áreas do conhecimento a taxa de turn-over do conhecimento é mais lenta. Ou seja, não necessariamente os artigos mais recentes contêm novidades radicais em relação ao que foi publicado há mais tempo. Entretanto, é importante sempre ter em mente de que o referee pode ser alguém que atua em uma área com turn-over mais rápido. Neste caso ele vai dar tinta no trabalho. Vai achar que o autor está desatualizado. É bom recomendável não ter este telhado de vidro.

Afinidades eletivas
Existem regras para a citação. Mas a escolha das referências citadas depende também de fatores subjetivos. Os autores sempre preferem citar os amigos do que os não-amigos ou adversários. Isto é humano. Mas convém não abusar. O autor não pode transmitir a impressão de estar sendo muito enviesado na escolha das referências citadas. Pega mal. É melhor não dar bandeira dos próprios viéses.

Auto-citação
A auto-citação é um recurso interessante para aumentar o indíce H de um autor. Mas, novamente, é importante ter cuidado. A auto-citação pode despertar aversão do leitor e enviesá-lo contra o texto, diminuindo a sua aceitação. De novo, é melhor ser discreto, não demonstrar muito a própria vaidade. O profile não pode ser nem muito high nem muito low. Apenas na medida.

Língua nativa
Preferencialmente citar trabalhos redigidos em inglês. A regra é assim. Se o autor considera que o trabalho é bom, vai redigí-lo e publicá-lo em inglês, para atingir uma audiência maior. Se o autor considera que o trabalho é  bom, vai publicá-lo em um periódico indexado e revisado por pares, para aumentar a acessibilidade e para ganhar um selo de qualidade. Os trabalhos publicados em língua nativa são geralmente de qualidade inferior. P. ex., estudos com resultados negativos. Se o interesse for por estudos com resultados negativos, então é importante buscar sistematicamente trabalhos publicados nas línguas nativas dos autores. Citações em língua nativa são justificáveis, p. ex., quando se trata da adaptação e validação de um procedimento de teste para uma uma determinada língua, país etc. Também podem e devem ser citados trabalhos em língua nativa que abordem alguma questão  cultural ou sócio-econômico-demográfica específica. De um modo geral, publicações em língua nativa são o cemitério dos resultados de pesquisa. Ninguém dá bola. A razão é que o público alcançado geralmente é menor, tem uma qualificação inferior, a circulação dos periódicos não é adequada etc.

Precisão
As citações e referências devem ser corretas. Citações e referências trocadas, omissas ou erradas são inadmíssiveis. É causa de reprovação sumária. Na época dos bancos digitais e dos programas computacionais de administração de citações os erros não têm mais vez. São pecado mortal.

Timing
Um dos erros mais comuns cometidos pelos alunos é não pegar a referência na hora em que é citada. Isto é mortal. Muitas vezes o aluno marca com XXX ou outra marca qualquer e deixa para procurar depois. Isto é, realmente, mortal. Na maioria das vezes o cara esquece de procurar. Na hora em que vai revisar deixa passar. Na hora da revisão do texto muitos autores já estão com a paciência esgotada. Já revisaram o troço tantas vezes que não agüentam mais. A atenção vacila e os erros passam batidos. Vale mais à pena interromper o fluxo da escrita na hora e pegar a referência correta na hora. Ou então, na hora de revisar, algumas semanas mais tarde, o cara não se lembra mais de qual citação queria fazer. Aí ferrou mesmo. Uma estratégia boa, pra quem não gosta de mexer com software, é correr na PubMed, copiar a referência e colar na lista. A formatação pode ficar pra depois. Isto evita dissabores futuros. Com o orientador, com a banca examinadores e com os referees que vão ler o artigo submetido. Acreditem em mim.

Leitura metodologicamente orientada
Para aprender a escrever ciência é preciso primeiro aprender a ler ciência. Ler ciência significa orientar metodologicamente a análise dos textos. Sempre se perguntar sobre a validade do trabalho. Se os objetivos e hipóteses estão formulados claramente, se o delineamento escolhido é adequado. se as variáveis confundidoras foram adequadamente controladas, se as medidas são precisas e válidas, se a amostra é adequada (representatividade, poder estatístico), se a análise foi adequada para a natureza dos dados, se os resultados são consistentes entre si e com a literatura, se as conclusões são apoiadas pelos dados etc. Uma boa estratégia é identificar o(s) argumento(s) principais. Um argumento consiste de premissas e conseqüências, situadas num determinado estado de conhecimento. A relação entre as premissas e conseqüências deve ser lógica. Também é importante identificar qualificadores, ou situações em que a relação premissas-conseqüências é atenuada, bem como contra-argumentos. A síntese de um argumento é geralmente expressa sob a forma de uma hipótese, formulada de forma condicional: "Se... então..." Só entendemos um artigo quando identificamos as hipóteses principais subjacentes e o seu contexto argumentativo. Só estamos em condições de escrever e citar se formulamos de forma explícita os argumentos/hipóteses pertinentes ao nosso trabalho. Não tem como fazer citações corretamtente sem conhecer metodologia e sem respeitar a lógica.