Diz o provérbio que se conselho fosse bom, ninguém
daria de graça. Qual é o sentido então de argumentar que um aconselhamento
precisa ser parte integral da avaliação neuropsicológica? O aconselhamento
neuropsicológico não consiste em um processo de ficar palpitando na vida dos
outros, mas sim de ajudar o cliente a compreender melhor sua situação,
desenvolver uma explicação cientificamente fundamentada e social e pessoalmente
aceitável da natureza dos seus problemas e recursos, ao mesmo tempo em que
identifica as alternativas viáveis de desenvolvimento e suas conseqüências.
Idealmente, o aconselhamento neuropsicológico é uma modalidade breve e não diretiva de intervenção. O aconselhamento neuropsicológico tem suas limitações,
mas geralmente é muito eficaz.
Em algumas situações, entretanto, o neurosicológo
precisa ser um pouco mais diretivo com seus clientes. Qual seria então o principal
conselho?
O principal conselho é: não punir as crianças, não
pressionar, não xingar e não bater. Esse argumento é desenvolvido em um artigo
que publicamos no periódico Pedagogiaem Ação.
Reproduzo a secção pertinente abaixo.
COMO LIDAR COM AS DIFICULDADES DE C OMPORTAMENTO E APÇRENDIZAGEM?
As dificuldades de comportamento e aprendizagem,
muitas vezes não apropriadamente reconhecidas, e as abordagens educacionais
inadequadas são um importante fator agravante de sintomas e déficits, podendo
contribuir para as dificuldades que pais e professoras enfrentam no
estabelecimento de uma disciplina eficaz (Haase et al., 2009).
Independentemente da faixa etária e etiologia, as queixas, relacionadas a
comportamentos agressivos e/ou desafiadores e desobedientes constituem
problemas recorrentes enfrentados por familiares de pessoas com transtornos
neuropsiquiátricos (Haase et al., 2012).
A tradição behaviorista em psicologia desenvolveu
um conjunto de conceitos e métodos, os quais podem ser aplicados com sucesso
aos problemas comportamentais no contexto neuropsicológico (Kazdin, 1994). O
diagnóstico comportamental se baseia na análise funcional. A família aprende a
realizar o chamado ABC do comportamento. É instituída um monitorização do
comportamento problemático, procurando precisá-lo descritivamente e
caracterizando sua freqüência de ocorrência. Para cada ocorrência do
comportamento problemático (B) são registrados e analisados os antecedentes (A)
e as conseqüências (C). O behaviorismo parte do pressuposto de que os
comportamentos são eliciados por eventos ambientais e reforçados pelas suas
conseqüências. Um comportamento inadequado pode ter sua freqüência reduzida
controlando os seus antecedentes ou eliciadores, mas a técnica mais eficaz de
modificação do comportamento é alterar sistematicamente as suas conseqüências.
A caracterização das conseqüências no modelo ABC
constitui a chave para identificar a função do comportamento, ou seja, a
contingência que explica a relação entre o comportamento, seus antecedentes e
suas conseqüências. A análise funcional do comportamento tem demonstrado que os
comportamentos inadequados das crianças se associam a um repertório restrito de
funções, entre as quais estão 1) a necessidade de acesso a reforçadores tais
como atenção, comunicação ou tangíveis, 2) a esquiva ou evitação de punições ou
estímulos aversivos, e 3) a auto-estimulação por excesso ou falta de estímulos.
A análise funcional permite identificar em um
grande número de famílias de crianças portadoras de transtornos do
neurodesenvolvimento um ciclo vicioso de
interações, na maioria das vezes coercivas, as quais incentivam os
comportamentos desadaptativos em detrimento dos adaptativos (Gauggel, Konrad
& Wietasch, 1998, vide Figura 1). O perfil de desempenho da criança pode
ser caracterizado em termos de déficits e excessos comportamentais. Entre os
déficits podem ser descritos a apatia, dependência e dificuldades cognitivas
etc. Os excessos são ilustrados pela agressividade, teimosia, desobediência
etc. As dificuldades da criança representam para a família uma perda de acesso
a reforçadores. A criança é percebida como menos digna, não correspondendo mais
às idealizações prévias. Os familiares reagem de forma ambivalente, com raiva e
frustração, por um lado, e superproteção e incentivo à dependência por outro. A
atenção dos familiares se concentra nas dificuldades. Os comportamentos
adequados e habilidades eventualmente preservados são ignorados. Essa atenção
seletiva para os problemas e negligência das potencialidades da criança
constitui uma forma de reforçamento diferencial, a qual apenas agrava as
dificuldades do paciente, formando um ciclo vicioso.
Figura 1 – Ciclo vicioso das interações em famílias
de pessoas com transtornos neuropsiquiátricos (Modificado a partir de Gauggel,
Konrad & Wietasch, 1998).
Sem exagerar, é possível afirmar que os mecanismos
de reforçamento diferencial dos comportamentos inadequados e déficits podem ser
observados em praticamente todas as famílias de crianças portadoras de
transtornos neuropsiquiátricos. Esta constatação deriva da experiência clinica
e torna a abordagem comportamental extremamente relevante para a promoção do
bem estar nestas famílias e do desenvolvimento das crianças. Sempre é possível
intervir psicologicamente para reforçar o sistema familiar e modificar a
adaptabilidade dos comportamentos, desde que exista uma mãe ou um pai disposto
a trabalhar cooperativamente com a equipe de profissionais. Os procedimentos de
modificação do comportamento são implementados com a ajuda de um co-terapeuta,
geralmente um familiar, utilizando um delineamento quase-experimental de casos
isolados, o qual permite avaliar a eficácia das intervenções (Horton &
Miller, 1994).
Um dos modelos mais bem sucedidos de intervenção
comportamental para crianças com transtornos do desenvolvimento é o programa de
treinamento de pais (PTP) desenvolvido no Laboratório de Neuropsicologia do
Desenvolvimento da UFMG (Pinheiro & Haase, 2012, Pinheiro et al., 2006). O
PTP consiste de uma intervenção cognitivo-comportamental breve, com duração de
12 semanas, para capacitar os pais a manejar problemas disciplinares e
comportamentos indesejáveis em crianças portadoras de transtornos de
desenvolvimento ou lesões cerebrais (de Freitas, Carvalho, Leite & Haase,
2005, de Freitas, Dias, Carvalho & Haase, 2008, Haase, de Freitas, Natale
& Pinheiro, 2002). O PTP trabalha a partir de uma filosofia pedagógica
não-coerciva. O objetivo principal do programa é capacitar os pais a trabalhar
colaborativamente com seus filhos, diminuindo o número de comportamentos
adversativos e aumentando os comportamentos pró-sociais dos filhos. Os pais
aprendem a disciplinar os filhos através do incentivo e cooperação, sem
recorrer ao uso de punições.
Referência
Haase, V. G., Oliveira, L. F. S., Pinheiro, M. I.
S., Andrade, P. M. O., Ferreira, F. O., de Freitas, P. M., Jaeger, A., &
Teodoro, M. M. (2016). Como a neuropsicologia pode contribuir para a eeucação
de pessoas com deficiência intelectual e;ou autismo? Pedagogia em Ação, PUCMinas.
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