As diversas formas de aprendizagem se baseiam em
modificações da conectividade sináptica em diversas regiões do cérebro, as
quais são moduladas epigeneticamente (Kandel, 1991). P. ex., no condicionamento
de medo, a amígdala é o lócus principal de modificações sinápticas, mas o córtex
sensorial tem funções discriminantes, o hipocampo está envolvido no
condicionamento contextual e o córtex orbitofrontal na extinção e reversão de
contingências (LeDoux, 1998). De um modo em geral, o cerebelo e a amígdala são
importantes para o condicionamento pavloviano, os circuitos córtico-estriatais
para o condicionamento operante e os circuitos cortiço-hipocampais para a
aprendizagem conceitual (Shallice e Cooper, 2011).
Ainda não está claro como os avanços na neurobiologia da
aprendizagem e o sua regulação genética podem ser transladados para o contexto
escolar e para as dificuldades de aprendizagem escolar. A herdabilidade do
desempenho escolar é alta, variando entre 50% a 60% (Asbury e Plomin,
2013). A herdabilidade da inteligência e desempenho escolar variam conforme a
estrutura sócio-demográfica da população, sendo maiores em amostras maishomogêneas e menores em amostras menos homogêneas (Turkheimer et al., 2003).
A genética molecular está sendo usada para dissecar os
mecanismos envolvidos na aprendizagem escolar e nos seus transtornos (Brandler e Paracchini, 2014, Kere, 2014, Paracchini et al., 2007, 2016). Cerca de
uma dezena de genes já foram identificados e seu envolvimento confirmado em
casos de dislexia do desenvolvimento. Muitos desses genes estgão envolvido na
regulação de processos relacionados à plasticidade sináptica e aprencizagem,
tais como brotamento de espinhas dendríticas, migração neuronal e lateralização
hemisférica. Esses achados mais recentes se coadunam com observações anteriores
de Galaburda e cols. (2006), demonstrando alterações na migração neuronal e organizaçãocitoarquitetônica cortical em casos de dislexia do desenvolvimento.
Comprometimentos de alguns genes implicados na dislexia
foram também observados em casos de discalculia comórbida com dislexia (Ludwig
et al., 2013, Stefansson et al., 2014). Tais
genes poderiam constituir a chave para a compreensão de mecanismos
compartilhados entre dislexia e discalculia. Não se sabe, porém, se esses genes
estão implicados na discalculia apenas em casos de comorbidade. De qualquer
forma, os resultados sugerem que a investigação das bases genéticas da dislexia
pode servir de modelo para a pesquisa sobre discalculia.
Diversos autores sugeriram modelos de como disfunções epigenéticas
na regulação da plasticidade sinátpica poderiam estar envolvidos nos
transtornos de aprendizagem (Anderson, 2010, Dehaene e Cohen, 2007,
Mitchell, 2011). A lectoescrita e a aritmética são artefatos culturals de
invenção recente, com apenas alguns milhares de existência. Tempo esse que
provavelmente não foi suficiente para selecionar mecanismos cerebrais que
permitam a aprendizagem intuitiva da leitura, escrita e aritmética.
Além de serem artefatos culturais, a lectoescrita e a
aritmética são habilidades bem complexas. A aritmética, p. ex., compreende
formas de conhecimento conceitual (propriedades das oepraçõpes:
associatividade, comutatividade etc.), procedimental (contagem, decomposição e
algoritmos) e factual (tabuada de multiplicação). A aquisição dessas habilidades
exige anos de esforço. Há a necessidade de integrar a atividade de múltiplas
áreas corticais e subcorticais em redes criadas de novo, a partir da
experiência ontogenética e não da herança filogenética (Anderson, 2010, Dehaene e Cohen, 2007).
No caso da aprendizagem da aritmética, os estudos de
neuroimagem funcional mostram que as fases iniciais do processo ativam áreas do
córtex prefrontal dorsolateral (memória de trabalho) e sulco intraparietal (magnitude
numérica), sugerindo processamento conceitual e controlado. À medida que a
aprendizagem procede, o foco de ativação se desloca para o giro angular
esquerdo no caso da tabuada de multiplicação. Durante o processo de memorização
dos fatos e de forma passageira são registradas ativações do hipocampo esquerdo
(Menon, 2016). A ativação hipocampal só ocorre em crianças e é compatível com o
papel atribuído a essa estrutura na consolidação da memória de longo prazo
(vide Figura 1).
Figura 1 – Aprendizagem dos fatgos aritméticos. Na aprendizagem da aritmética são ativadas
inicialmente áreas relacionadas com o processamento conceitual e controlado na
memória de trabalho (A: corte prefrontal dorsolateral), processamento de
magnitude (B: sulco intraparietal). Ao longo do processo são observadas
ativações temporárias do hipocampo (C ) em crianças. Finalmente, a partir do momento
em que os fatos aritméticos são memorizados, o foco de ativação se desloca para
o giro angular esquerdo (baseado em
Menon, 2016).
Os resultados dos estudos de neuroimagem funcional são,
portanto, compatíveis com a hipótese de que a aprendizagem escolar se baseia na
capacidade da criança estabelecer conexões novas entre diversas áreas corticais
e subcorticais. Conexões essas que não são geneticamente prerogramadas, mas
dependem do esforço com o intuito de automatizar o funcionamento das novas
conexões, criadas na memória de trabalho, consolidadas pelo hipocampo e
instanciadas por múltiplas áreas corticais e subcorticais.
Segundo essa perspectiva, os transtornos de aprendizagem
tais como a dislexia e discalculia ocorrem quando os mecaniamos de regulação
epigenética da plasticidade neural e o indivíduo não consegue estabelecer ou
automatizar as novas conexões que se fazem necessárias à aprendizagem
escolar. Mitchell (2011) propôs um
modelo de como isso poderia ocorrer (vide Figura 2).
Figura 2 – Modelo diagramático dos transtornos da
conectividade cortical nos transtornos de aprendizagem escolar. a) Redes
corticais em uma criança pequena mostrando ampla responsividade a diversos
tipos de estímulo com baixa especificidade. A conectividade funcional é
sinalizada pelas linhas. Em adultos (b) as áreas corticais se segregam em duas
redes distintas (azul e amarelo), através de reforçamento seletivo das sinapses
de longa distância e poda das sinapses de curta distância. c) Uma dificuldade
para formar os padrões necessários de conectividade entre diversas áreas
corticais pode explicar transtornos tais como agnosia, dislexia e discalculia. d)
Uma hiperconectividade causa por déficits na poda sináptica pode explicar
ativações cruzadas entre áreas, tais como observados na sinestesia ou déficits
inibitórios como no autismo (reproduzido de Mitchell, 2011).
Ainda estamos bem longe de uma compreensão sistêmica da neurobiologia das dificuldades de aprendizagem. Mas as evidências estão se acumulando e se encaixando. Os transtornos de aprendizaegm escolar podem ser concebidos como síndromes de desconexão causadas por déficits nos mecanismos epigenéticos que permitem a formação das novas redes neurais necessárias para implementar algumas habilidades culturalmente adquiridas, principalmente a lectoescrita e a aritmética.
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