A chamada “medicalização do ensino” é muito criticada. Mas a
verdade é que as crianças e jovens com transtornos de aprendizagem apresentam
uma morbidade médica elevada. As doenças mais prevalentes na infância e adolescência,
tais como asma, diabete, enxaqueca, epilepsia rolândica, lesões focais pré- e
perinatais previamente não-reconhecidas se associam a dificuldades de
aprendizagem. O risco de associação de transtornos de aprendizagem com essas
doenças sugere a necessidade de uma investigação médica, principalmente neurológica
mas também genética, em muitas crianças com dificuldades de aprendizagem
escolar.
O avanço das técnicas de genética molecular está mostrando
também que muitas crianças com transtornos de aprendizagem apresentam síndromes
genéticas previamente não reconhecidas. A variabilidade fenotípica das síndromes genéticas é muito
grande. A probabilidade de diagnóstico é maior quando a criança apresenta deficiência
intelectual e/ou alguma malformação mais grave que requeira tratamento cirúrgico.
Se a criança não apresenta deficiência intelectual associada
a probabilidade de diagnóstico é menor e as dificuldades podem se manifestar
apenas quando a criança entra na escola e começa a apresentar dificuldades.
De um modo em geral,
as síndromes de Klinefelter, Noonan e distrofia muscular progressiva tipo
Duchenne etc. apresentam um perfil de maior comprometimento da linguagem oral
e/ou dislexia. As dificuldades de aprendizagem de matemática fazem parte do fenótipo
cognitivo da síndrome de Turner, síndrome do sítio frágil no cromossoma X (FMR1)
em meninias, síndrome velocardiofacial (Del22q11.2), síndrome de Williams etc.
A Figura 1 ilustra uma dissociação entre a síndrome de Klinefelter (com diminuição
do QI verbal) e a síndrome de Turner (com diminuição do QI de execução).
Figura 1 – Dupla-dissociação entre QI verbal comprometido na
síndrome de Klinefelter e QI de execução comprometido na síndrome de Turner. QI
determinado através do WPPSI aos 4/5 anos de idade e comparado com o dos irmãos
(Pennington et al., 1982).
Muito freqüentes são também as seqüelas do efeito do uso de bebidas
alcoólicas durante a gravidades. A síndrome e os efeitos fetais alcoólicos podem
se manifestar como deficiência intelectual e
hiperatividade. Nos casos mais graves ocorre um transtorno misto de
aprendizagem da leitura/escrita e aritmética.
Não há evidências indicativas de que todas as crianças dificuldades
de aprendizagem escolar precisem ser encaminhadas para uma avaliação médica, neurológica ou genética.
Mas o refinamento das técnicas diagnósticas tem contribuído para identificar
uma contribuição crescente de etiologias específicas, médicas e ambientais, para
os transtornos de aprendizagem. Precisamos desenvolver critérios que nos
auxiliem a identificar as crianças que precisam ser encaminhadas para uma
avaliação médica.
REFERÊNCIA
Pennington,
B. F., Bender, B., Puck, M., Salbenblatt, J., & Robinson, A. (1982). Learning
disabilities in children with sex chromosome anomalies. Child Development, 53,
1182-1192.
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