Vejam o prefácio que tive a honra de escrever para o belo livro da Profa. Flávia Heloísa dos Santos (2017) sobre discalculia do desenvolvimento.
O mercado editorial brasileiro anda aquecido na área de neuropsicologia. Além de manuais consagrados, estão começando a aparecer cada vez mais obras monográficas que permitem aprofundar o conhecimento em tópicos específicos.
Érico Veríssimo é um dos meus personagens prediletos com discalculia
Prefácio
O interesse neuropsicológico pelas
dificuldades de aprendizagem da aritmética é relativamente recente, contando
com pouco mais de meio século de existência. O interesse pelas dificuldades de
aprendizagem da leitura é muito mais antigo, remontando à virada do Século XIX
para o XX. Pode se ter uma idéia do estado atual do conhecimento quanto a esses
dois tipos de problemas fazendo uma pesquisa na PubMed. No dia 20 de outubro de
2016 a PubMed registrava 125 ocorrências para “developmental dyscalculia” e
1131 ocorrências para “developmental dyslexia”.
A demora em despertar o interesse dos
neuropsicólogos pelas dificuldades de aprendizagem da aritmética pode estar
relacionada às representações sociais da matemática. A matemática é sabidamente
um domínio do conhecimento muito difícil. Talvez o mais abstrato e difícil de
todos. Assim sendo, é até certo ponto “natural” que as pessoas experimentem
dificuldades com a aprendizagem da matemática e que essas dificuldades não
despertem maiores preocupações em pais e professores.
Uma outra influência social que pode ter
contribuído para despertar o interesse neuropsicológico pela aritmética é a
informatização e tecnificação crescente da nossa vida. Podemos dizer que
vivemos na era cognitiva, na qual a formação matemática é um ativo econômico
importantíssimo. Isso se traduz em empregabilidade e renda maior
proporcionalmente à formação matemática. O acrônimo STEM foi criado para
designar o conjunto de disciplinas ligadas à matemática e tecnologia, as quais
transformam radicalmente a nossa existência: Science, technology, engineering,
and mathematics. Pais, professores e pesquisadores estão voltando então seu
interesse para as dificuldades de aprendizagem da aritmética, em busca de
diagnóstico e intervenções eficazes.
Uma parte do interesse pelas
dificuldades de aprendizagem da aritmética pode ser atribuído também ao
progresso inerente à psicologia e ciências cognitivas, incluindo neurociências.
Uma nova área interdisciplinar de pesquisa surgiu, a cognição numérica. A
cognição numérica está fornecendo os instrumentos conceituais e metodológicos
que permitem investigar de forma científica as dificuldades de aprendizagem da
aritmética, descrevendo suas manifestações estabelecendo critérios
diagnósticos, identificando os mecanismos cognitivos, neurais e genéticos
subjacentes e permitindo desenvolver intervenções empiricamente fundamentadas.
Entretanto, se a pesquisa
cognitivo-neuropsicológica sobre as dificuldades de aprendizagem da aritmética
começou com um certo atraso relativamente às dificuldades de aprendizagem de
leitura, ela está correndo a passos largos para compensar o atraso. O descritor
MESH “dyscalculia” foi introduzido na PubMed apenas em 2012, mas desde então o
número de publicações é crescente.
A comunidade de pesquisadores sobre cognição
numérica no Brasil ainda é pequena, mas se caracteriza pela excelência. Há
grupos estabelecidos de pesquisa nas principais universidades do País e esses
pesquisadores mantém intenso contato entre si e com pesquisadores
internacionais. Apesar desses esforços e das perspectivas promissoras, ainda há
uma carência enorme de pesquisa sobre cognição numérica no Brasil, tanto
teórica quanto aplicada. É urgente, por exemplo, o desenvolvimento de mais
instrumentos de diagnóstico e intervenção.
Nesse sentido, o livro da Profa. Flávia
Heloísa dos Santos sobre “Discalculia do desenvolvimento” é uma contribuição
valiosíssima, tanto para a pesquisa quanto para a prática profissional. É uma
monografia atualizada, erudita e fundamentada nos avanços mais recentes da
cognição numérica, refletindo a sólida formação da Profa. Flávia e o seu
envolvimento de anos com a pesquisa sobre cognição numérica e dificuldades de
aprendizagem da matemática. Merecem destaque também a qualidade didática e a
sistematicidade da exposição.
É uma alegria muito grande e uma honra
poder prefaciar o livro da Profa. Flávia sobre discalculia. Agora já dispomos de
uma monografia em português que associaoa a escelência acadêmica com a
aplicabilidade clinica e educacional e que poderá ser usada em disciplinas
sobre o assunto, consultada por neuropsicólogos clínicos, educadores buscando
comensar as dificuldades de seus alunos e servir também de introdução para os
que têm interesse em pesquisar sobre o assunto.
A monografia da Profa. Flávia é tão mais
oportuna quanto oferece uma visão geral e sistemática do acúmulo de informação
bem como da qualidade e validade das evidências disponíveis para caracterizar
as diversas formas de dificuldades de aprendizagem da matemática como uma
entidade diagnosticável, para a qual são necessárias medidas específicas. Dessa
forma, o livro da Profa. Flávia Heloísa dos Santos sobre discalculia do
desenvolvimento pode ser considerado também uma contribuição ímpar para a
educação no Brasil. É reconfortante também saber que, mesmo do outro lado do
Atlântico, a Profa. Flávia continua com seu olhar e o seu carinho voltados para
o Brasil e para as dificuldades de aprendizagem das nossas crianças.
Referência
Santos, F. H. (2017). Discalculia do
desenvolvimento. São Paulo Pearson.
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