Recebi essa semana o meu exemplar
do livro das Profas. Janice Pureza e Rochele Fonseca (2016) propondo um programa para
as professoras estimularem as funções executivas dos seus alunos.
Reproduzo abaixo o prefácio que
tive a honra que escrever.
As funções executivas são o fantasminha na máquina que "faz o mexe" na hora que precisa.
Precisamos tratar bem o nosso fantasminha.
Prefácio
A escola representa um desafio para
as crianças por diversos motivos. As
demandas da escola são múltiplas, cognitivas, emocionais e comportamentais.
Entre tantas outras coisas, a criança aprende a identificar relações
sistemáticas entre seu esforço e o resultado atingido, as notas.
O gosto pelo estudo é uma
habilidade adquirida. Ninguém nasce gostando de estudar. O envolvimento em
atividades escolares, como o para casa ou a preparação para uma prova, exige
que a recompensa seja postergada. A criança precisa compreender que abre mão de
uma gratificação imediata menor, como o brinquedo, a TV, a internet ou o
vídeo-game, por uma gratificação maior, porém projetada no futuro.
Além de se projetarem no futuro, as
recompensas associadas ao estudo são de natureza bastante abstrata, tais como
boas notas e aprovação dos adultos. Ou, eventualmente, ser aprovado no ENEM em
um futuro percebido como bem longínquo.
Do ponto de vista cognitivo, as
tarefas escolares são intrinsecamente desafiadoras. A aprendizagem de fatos e
conceitos, a aquisição de habilidades demandam atenção deliberada e esforço.
Recursos de processamento no executivo central da memória de trabalho são
exigidos em todas as etapas do processo de aprendizagem escolar.
Quando a criancinha está aprendendo
a contar, ela enfrenta uma tarefa de atenção dividida, que lhe exige alocar
recursos de forma estratégica na monitorização da série verbal que vai sendo
recitada, na correspondência um a um entre os numerais recitados e os objetos
que estão sendo contados e com o significado quantitativo dos símbolos e
procedimentos empregados.
A todo instante a aprendizagem
escolar faz a criança se confrontar com desafios cognitivos. Um pouco mais
adiante na sua vida a criança, precisa se haver com os fatos aritméticos. A
aprendizagem da tabuada de multiplicação exige capacidade de representação
temporária dos problemas, processamento em busca da solução correta, inibição
de respostas irrelevantes errôneas etc.
Todos esses processos ilustram demandas por processamento controlado ou
executivo.
Além de postergar a recompensa,
muitas crianças precisam lidar com a frustração por não conseguirem acompanhar
o currículo. Os motivos são variados. O principal deles é a variabilidade
gaussiana das habilidades cognitivas na população. Um currículo escolar padrão
pode atender adequadamente as necessidades de cerca de dois terços dos alunos
em uma classe.
Para alguns poucos alunos o
currículo será muito fácil. Para um grupo maior, muito difícil. Essas crianças
precisam então manejar as questões emocionais e motivacionais complexas
relacionadas à inadequação do currículo padrão às suas necessidades
individuais. Isso impõe à criança novas demandas por auto-regulação,
Um currículo percebido como muito
fácil é desmotivador. O engajamento diminui quando a tarefa é percebida como
pouco desafiadora. Por outro lado, um currículo percebido como além da própria
capacidade é aterrador. A ansiedade de desempenho consome recursos de
processamento cognitivo na memória de trabalho, os quais se fazem necessários
para a aprendizagem.
A dificuldade em lidar com os
problemas motivacionais e emocionais relacionados à inadequação curricular pode
ter efeitos comportamentais. Algumas crianças passam a se comportar mal,
agitando ou emitindo comportamentos desobedientes, desafiadores ou agressivos.
Outras crianças passam a se esquivar das atividades escolares como forma de
evitar a decepção. As dificuldades comportamentais, por sua vez, agravam os
problemas de aprendizagem.
Os desafios colocados pela
aprendizagem escolar são crescentes. A escolarização começa cada vez mais cedo,
a quantidade de informação a ser assimilada cresce exponencialmente, sem falar
na competição inerente à economia de mercado. Os pais pressionam por desempenho
escolar e as crianças e professoras precisam corresponder à demanda.
Na sociedade da informação a
educação da população constitui o principal ativo econômico. Junto com a
compreensão leitora e a aritmética, as funções executivas ou habilidades de
auto-regulação e pensamento estratégico constituem alguns dos principais pré-requisitos para o
sucesso social e profissional.
Se as habilidades de auto-regulação
e funcionamento executivo já são importantes para as crianças com
desenvolvimento típico, mais importantes ainda elas se tornam para as crianças
que apresentam algum tipo de dificuldade de aprendizagem ou comportamento. As
dificuldades com o funcionamento executivo constituem um fator de risco para os
problemas de aprendizagem e comportamento.
A capacitação de educadores em
técnicas de estimulação do desenvolvimento das funções executivas assume então
importância redobrada. Esse é o desafio dos educadores, quer sejam pais ou
professoras. Felizmente a psicologia cognitiva avançou muito no conhecimento
sobre os mecanismos auto-regulatórios subjacentes à aprendizagem escolar, como
fica demonstrado nessa obra. O progresso é tanto que já permite propor
programas de intervenção fundamentados em modelos conceituais válidos e
evidências empíricas consolidadas.
É com essas considerações em mente
que eu me sinto extremamente honrado e feliz em poder saudar e recomendar o
manual que as Profas. Janice Pureza e
Rochele da Paz Fonseca e suas
colaboradoras elaboraram com extremo cuidado para auxiliar as
professoras a estimularem o desenvolvimento das funções executivas de seus
alunos.
O Programa CENA de capacitação de
educadores em neuropsicologia da aprendizagem com ênfase em funções executivas
e atenção é referenciado em um arcabouço conceitual extremamente atualizado. O
rigor metodológico seguido pelas autoras garantiu a construção de um produto
muito bem acabado. A natureza didática do texto e a aplicabilidade prática das
atividades propostas tornam o CENA atraente para uso no ambiente escolar.
Tenho certeza de que a adoção do
CENA reverterá em importantes benefícios para a formação das professoras na
área de ciências cognitivas, repercutindo sobre a prática escolar e
contribuindo para melhorar a educação no Brasil. Estou convicto de que o CENA
auxiliará as professoras e os alunos a correspondem aos desafios cognitivos
colocados pela sociedade do conhecimento.
Referência
Pureza, J. R. & Fonseca, R. P.
(2016). CENA. Programa de capacitação de educadores sobre neuropsicologia da
aprendizagem com ênfase em funções executivas e atenção. Ribeirão Preto:
BookToy.
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