Em 1899, nas suas famosas "Talks to teachers on psychology", William James considerou que a psicologia é uma ciência de base e que a pedagogia é uma arte. A pedagogia é a arte de aplicar (entre outros) os conhecimentos da psicologia à transmissão do legado cultural de uma geração à outra, à formação (Bildung) dos cidadãos das gerações futuras.
James já alertava para o fato de que é impossível deduzir da psicologia, de forma direta e fácil, qualquer prescrição relevante para a pedagogia. No linguagar moderno, dizemos que a psicologia aplicada à educação requer toda uma atividade de pesquisa translacional.
O mesmo se aplica à neurociência. É crescente o interesse pela chamada neurociência educacional. Ou seja, pelas potenciais aplicações da neurociência cognitiva à educação. De novo, não existe um caminho direto, simples.
Entretanto, se em mais de cem anos ainda estamos tateando a respeito de como informar cientificamente a pedagogia, isso não significa que esse não seja uma missão nobre, ainda que, talvez, impossível.
A informação da prática profissional por evidências científicas não é mais impossível na pedagogia do que na medicina. A idéia subjacente à medicina baseada em evidências é que as decisões diagnósticas e terapêuticas sejam baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis.
O problema é que as "melhores evidências disponíveis" nem sempre correspondem a todas evidências necessárias para reduzir substancialmente a margem de incerteza que caracteriza algumas decisões diagnósticas. Permanece, entretanto, o fato de que a medicina baseada em evidências corresponde a um ideal ético, ainda que inatíngivel na sua plenitude.
O ideal da saúde baseada em evidências é que os profissionais se mantenham informados e atualizados e que procurem incorporar uma filosofia de teste de hipóteses à sua prática. Cada cliente, cada atendimento deve ser conduzido como um experimento científico com n = 1, no qual procura-se levantar e testar exaustivamente hipóteses diagnósticas e terapêuticas, com o melhor controle possível de variáveis e a partir da base mais sólida de conhecimentos que estiver disponíveis.
Prática baseada em evidências não significa aplicar mecanicamente diretrizes. A aplicação mecânica de diretrizes é justamente o contrário da prática baseada em evidências. Fundamentar a prática em evidências significa aplicar o espírito científico às decisões diagnósticas e terapêuticas. E o que é espíirito científico? O teste de hipóteses, através do qual são formualdas possíveis relações de causa-efeito, ou intervenção-conseqüências, e as diversas possibilidades são testadas através de um rigoroso controle de variáveis. Testadas como? No caso do diagnóstico, através de exames laboratoriais, testes neuropsicológicos etc. As hipóteses que resistirem ao teste serão conservadas como diagnósticos possíveis. No caso de terapias, considerando o diagnóstico, as características do cliente, a base de informações cientificas disponível e a experiência prévia do clinico.
Nós ainda estamos bem longe desse ideal no que se refere à educação. O pior é que há resistência quanto à aplicação do método científico em pedagogia. Um artigo publicado na Austrália por Lucinda McKnight e Andy Morgan ilustra perfeitamente essa resistência ao enfoque científico em pedagogia.
Os autores argumentam que a educação baseada em evidências é impossível e nefasta. Os argumentos apresentados são do seguinte naipe:
1. Os ensaios controlados e randozimados são apenas um tipo de evidência. Mas eles não dizem qual tipo é o melhor;
2. A educação baseada em evidências poderia ser um tipo de bullying, considerando que a ciência é fálica. Essa afirmação é, simplesmente, ridícula. Não merece comentários;
3. A medicina baseada em evidências se aplica à população e não a indivíduos. Afirmar que a medicina baseada em evidência se dedica à população e não ao indivíduo reflete um desconhecimento da epidemiologia clinica. A epidemiologia clinica é justamente a disciplina de base da área de saúde, cujo objetivo é transladar os métodos desenvolvidos na epidemiologia para a clinica. A epidemiologia clínica é o sustentáculo científico da medicina baseada em evidências. A medicina baseada em evidências é o preceito ético da epidemiologia clínica;
4. As evidências cientícas originam seitas e gurus. Essa afirmação também não merece comentários. Como se as práticas não-científicas também não gerassem seitas. Aliás, a criação de seitas é a coisa mais anti-científica que existe.
5. A prática baseada em evidências incorre no risco de conflitos de interesse. De novo, como se a prática não-científica também não pudesse ser usada para encobrir interesses escusos.
Fico estupefato ao ler esse tipo de afirmações. Não consigo me furtar à suspeita de que a rejeição à ciência seja o motivo real subjacente. A rejeição à ciência pode refletir, por um lado, uma posição de conforto de quem não quer se esforçar para melhorar sua prática profissional. Ou pode, por outro lado, refletir as convicções de quem prefere fundamentar sua prática em escolhas ideológicas e não em evidências.
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