Tuesday, October 13, 2020

POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL: RETROCESSO OU LIBERDADE DE ESCOLHA?

No dia 30 de setembro de 2020 foi lançada a "Política Nacional de Educação Especial Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida".Como tudo que acontece com o Governo Bolsonaro e, especialmente, como tudo o que acontece com educação, essa política suscitou uma polêmica. Diversos professores, pesquisadores e ativistas envolvidos com inclusão de pessoas com deficiências se manifestaram contrariamente a essa Política. Sua precupação é de que essa Política possa representar um retrocesso, sob a forma de um cerceamento do direito e das oportunidades de inclusão em escolas e classes regulares. 

Eu não sei dizer até que ponto essa preocupação é fundamentada ou não. Mas eu li e reli o documento e não encontrei nada que cerceasse a possibilidadede de inclusão em classes regulares. O que eu vi foi apenas uma expansão do leque de possibilidades de alocação escolar para promover a inclusão de jovens e adultos com deficiências dos mais variados tipos.

Não tenho a menor idéia de como essa Política será implementada. Uma suspeita importante é que ela não saia do papel. O estado, principalmente o brasileiro, é notoriamente incompentente na implantação de qualquer política. E o Governo Bolsonaro não é nenhuma exceção. É possível prever também que essa política contará com uma oposição ferrenha por setores do establishment educacional. Os mesmos setores que se opõem à Política Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências. Ou  qualquer política educacional que seja informada por evidências e/ou não seja reduzida a ativismo político.

Também não tenho procuração para defender o Governo Bolsonaro. Ao contrário, a minha frustração com o Governo Bolsonaro é crescente. Não posso, portanto, colocar a mão no fogo pela implementação dessa Política Nacional de Educação Especial. Mas simpatizo com essa Política, em função das necessidades que identifico nos pacientes e suas famílias.

Minha discussão se restringirá, portanto a dois pontos que considero os maiores avanços: a) o aumento do leque de opcões educacionais oferecidos aos alunos e suas famílias; b) o reconhecimento explícito de que se faz necessária uma política educaional para adultos com deficiências. Considero que ambos pontos são importantes avanços. Meu "lugar de fala" não é o de professor de ensino fundamental ou de pai de criança com deficiência. Meu "lugar de fala” é o de um profissional que tem 40 anos de experiência clínica atendendo jovens e adultos com deficiência intelectual, autismo e outros transtornos do neurodesenvolvimento. A experiência clínica me motivou a ler e manter um interesse permanente pela questão da inclusão.



AUMENTO DO LEQUE DE OPÇÕES


Minha experiência clínica é de que a inclusão em classe regular raramente funciona. E essa opinião é corroborada pela maioria dos pais, professores, alunos e clínicos a quem é dada oportunidade de se manifestar. A inclusão é o grande valor ético contemporâneo na educação de pessoas com deficiência. Os objetivos educacionais são promover a dignidade e a inclusão de todas as formas possíveis. Mas essas formas são múltiplas. Muitos caminhos levam a Roma. Alguns caminhos inclusivos levam à exclusão e não inclusão.


A verdade é que a inclusão em classe regular mais contribui para a exclusão do que para a inclusão. E as razões para isso são diversas. Da maneira como foi implementada no Brasil desde 1994 a inclusão se tornou compulsória, independetemente das necessidades e das preferências dos clientes, ou seja, alunos, famílias e professores. Simplesmente a inclusão em classe regular se transformou na política do bem e todas alternativas se tornaram políticas do mal. A propóstico, a moralização da questão é uma das estratégias argumentativas mais desonestas, empregada sempre que uma política precisa ser implementada de forma coerciva. Se a inclusão em classe regular fosse uma solução tipo tamanho único para o problema, sua aceitação seria universal e ela não precisaria ser forçada como foi. Nesse sentido, a nova política é uma libertação.


A política de inclusão em classe regular foi implementada de forma irresponsável no Brasil, sem qualquer forma de planejamento, sem formação de recursos humanos, sem disponbilização de recursos e sem apoio técnico aos professores. Uma verdadeira irresponsabilidade. Ao ouvir determinados relatos parentais, a impressão que eu tenho é que o governo resolveu economizar o obeso orçamento do MEC, jogando as crianças com dificuldades na classe regular e forçando a Super-teacher a se virar. Super-teacher essa que, na maioria das vezes, não consegue ensinar a ler, escrever e fazer contar nem para as crianças com desenvolvimento típico.


Mas a política de inclusão em classe regular tem também alguns vicios de origem, conforme salientado por Allison Gimour em 2018 . A política de inclusão em classe regular se baseia na perspectiva contextualista do desenvolvimento humano. A idéia do contextualismo é que as práticas e inclusão social desempenham um papel importante no desenvolvimento humano. Isso sugere, e de fato é o ideal, que aos alunos com deficiência devem ser propiciadas amplas oportunidade de convivência, integração, promovendo o desenvolvimento de forma mais normal possível. Tudo isso é ótimo. A dúvida é se a inclusão em classe regular é o ÚNICO caminho para a inclusão. As evidências indicam que, ao contrário, como qualquer outra política, a inclusão em classse regular tem seus para-efeitos, os quais não são desprezíveis.


A implementação consistente de uma filosofia educacional contextualista deveria considerar a necessidade de acomodações de interesses de todos os atores do processo: alunos neuroatípicos, alunos típicos, professores e pais. Isso, simplesmente não foi feito. É irônico que uma política formulada a partir de considerações sobre a importância do contexto social não tenha considerado justamente o contexto social. Só não parece ironia para que sabe que essa política foi “implementada” sem evidências que a apoiassem, de forma irresponsável, arbitrária, desrespeitando flagrantemente os interesses das partes envolvidas. O que dizem as evidências: 

  1. A maioria das crianças com deficiência não consegue acompanhar o currículo. Não tem como programar um currículo que seja adequado às necessidades de 100% dos alunos. Em uma turma de 30 aunos há uns dois ou três para os quais o currículo é muito fácil e há uns sete ou oito para os quais o currículo é muito difícil;
  2. Não há razões biológicas pelas quais uma criança com deficiência intelectual leve a moderada não possa se alfabetizar ou aprender as quatro operações. Mas as professoras não conseguem afalbetizar e ensinar matemática nem para as crianças ditas típicas;
  3. Quanto maior o número de alunos com necessidades especiais em uma turma, pior o desempenho dos colegas típicos. Os efeitos são pequenos, mas consistentes de um estudo para outro e estatisticamente significativos. Quanto maior o número de alunos com necessidades especiais em uma turma, menor a ênfase no currículo;
  4. Quanto maior o número de alunos com necessidades especiais em uma turma, maior a probabilidade de que a professora sofra burn-out, falte aulas, saia da regência de classe para trabalhar na biblioteca ou secretaria (o famoso desvio de função) ou, simplesmente, abandone a profissão. A inclusão irresponsável em classe regular, sem qualquer tipo de assistência técnica, é um dos prinicpais estressores para as professoras que, na sua maioria, não se julgam e não estão preparadas para o desafio;
  5. As crianças com necessidades especiais são mais vulneráveis e são vítimas de bullying nas classes regulares. Isso é estatística. E, como as professoras não aprendem manejo comportamental da disciplina, elas não sabem como lidar com esse problema ou fazem de conta que ele não existe. E os meninos com deficiência se transformam em vítimas crônicas. Basta ouvir o que as mães falam. E quem disser que eu não tenho razão, está faltando com a verdade;
  6. As teorias pedagógicas dominantes enfatizam a aprendizagem por descoberta e por colaboração. Acontece que as crianças com deficiências aprendem melhor por instrução. Para alunos com condições como TDAH e autismo, a aprendizagem colaborativa (trabalho em grupo) deve ser um conteúdo curricular e não uma estratégia para aprender outros conteúdos;
  7. Não existe um modelo educacional tamanho único que atenda às necessidades de todos alunos e de todas as famílias. Para alguns alunos, famílias e circunstâncias a escola especial pode ser melhor, para outros a escola regular. As necessidades mudam ao longo dos anos. Há crianças que não estão aproveitando muito a escolar regular, passam um tempo na escola especial e depois voltam para a escolar regular. O perfil e necessidades dos alunos e famílias precisa ser considerado. Quando a família seleciona o tipo de alocação escolar, o resultado é melhor do que quando ela é força por um modelo.

Esses são apenas alguns dos problemas de fundamentação da inclusão em classe regular. Não tenho como entrar nas questões relacionadas à sua implementação. Só posso dizer que, do modo como feita no Brasil, essa política de inclusão em classes regulares foi irresponsável, sem fundamentação evidencial, sem planejamento e apoio técnico e forçada para os alunos pais e professores de modo compulsório, sem lhes oferecer opção. A seguir vou discutir a educaçã de adultos com deficiências.




A falácia da inclusão compulsória é um comportamento semelhante ao de uma criança em idade pré-escolar que ainda não entendeu a inclusão de classes.



ADULTOS


O reconhecimento de que os adultos com deficiências tem necessidades educacionais é um dos principais avanços da Política Nacional de Educação Especial recentemente formulada. Na clinica é recorrente o problema das crianças com deficiências que fazem 18 anos e são convidadas a se retirar das escolas. Simplesmente não há qualquer política educacional para atender às necessidades educacionais dessas pessoas. Essas pessoas ficam simplesmene jogadas em casa, inativas e se deprimindo. Na maioria das vezes socialmente isoladas e sem qualquer atividade que lhes seja pessoal significativa. Isso é inclusão.


Os alunos de inclusão em classe regular não conseguem acompanhar o currículo do ensino médio. Aliás, atualmente, o currículo do ensino médio só serve para preparar (mal) para o ENEM. A inclusão em classe regular não promove qualquer formação profissionalizante. É uma fantasia de inclusão que termina quando o jovem é convidado a se retirar da escola e não encontra qualquer inserção profissional porque não sabe fazer as quatro operações e lidar com troco.


Reconhecer que o problema das necessidades educacionais de adultos com deficiências existe é importante. Mas é apenas o primeiro passo. Qualquer medida efetiva para resolver esse problema vai demandar muito esforço e dinheiro. Nada indica que isso venha a ocorrer. A “inclusão" em classe regular e a exclusão aos 18 anos é bem mais barata. Para ilustrar os pontos que discuti, vou apresentar algumas vinhetas.



VINHETAS


Um menino de sete anos tem uma encefalopatia epiléptica e deficiência intelectual mais grave. Não tem capacidade para se comunicar verbalmente e sua interação social é bastante limitada. A interação social limita-se a sorrisos, contato ocular, manifestações de desconforto e de alegria quando está sendo cuidado ou acarinhado pela mãe e pelos irmãos. A epilepsia é de difícil controle e o menino passa tendo dezenas de crises mioclônicas e de ausência ao longo do dia. Uma criança como essa não perdeu nada na escola regular. No entanto, a escola e a família são obrigadas a matriculá-la sob pena de arrumarem problemas legais. Certo dia a diretora da escola chamou a mãe e lhe disse: “Nós não temos nada para oferecer ao seu filho aqui. Mas tanto você quanto eu somos obrigados a matriculá-lo. Vamos então combinar o seguinte. Você o matricula mas deixa o menino em casa. Assim evitamos os problemas com o Conselho Tutelar e com a Promotoria da Infância e Adolescência”. Do que eu já vi e estudei, o que mais funciona para crianças com esse nível de dificuldade é a musicoterapia. É impressionante o poder que a musicoterapia tem de organisar o comportamento motor dessas crianças, aumenter seu nível de alerta e participação social e, inclusive, dimininuir a freqüência de crises. Nas escolas regulares brasileiras não tem nem professor de música, que dirá musicoterapeuta. É possível contratar um musicoterapeuta em cada escola regular? Ou se procura encontrar uma solução de verdade para o problema das crianças com deficiências mais graves ou fica-se na pacto escandalosamente mentiroso e ofensivo proposto pela diretora.


Uma menina de 13 anos tem uma deficiência intelectual moderada secundária a uma síndrome genética. Não está alfabetizada e não consegue cuidar da própria higiene, em parte por limitações físicas. Ela está na puberdade e apresenta um interesse e comportamento sexuais exacerbados. Fica tendo atitudes sedutoras e uma vez tentou beijar o namorado da irmã mais velha. A menina concluiu o ensino fundamental, apesar de não estar alfabetizada. E precisa ir, é obrigada a ir, ao ensino médico. Acontece que no bairro dela só tem ensino médio à noite. A mãe ficou apavorada e veio me procurar. A mãe estava preocupada que a menina fosse vulnerável a algum tipo de abuso sexual. Concordei com ela e escrevi um relatório dizendo que do ponto de vista neuropsicológico a meina tinha condições de acompanhar apenas o currículo do primeiro ano e que as atividades do currículo do primeiro deveriam ser priorizadas ao invés de enviá-la ao ensino médio. Também ponderei que, dada a sua vulnerabilidade, o risco era real de que ela sofresse algum tipo de abuso sexual na escola noturna. Uns dias depois recebi a visita de uma professora encarregada pelo setor de inclusão da Secretaria Municipla de Educação. A dona veio me explicar porque a minha recomendação não poderia ser atendida. Tentei argumentar com ela. Mas acabei desistindo. Desisti quando lhe falei da preocupação de que ela sofresse algum tipo de abuso. Desisti quando a dona me falou que  esse risco não existia e que “as nossas crianças de inclusão são muito bem ACOLHIDAS pelos colegas típicos”. Ao que eu respondi: “então você está me dizendo que tudo o que as mães m contam na consulta é delírio?”. Obviamente a coversa não foi adiante. Mas eu só virei a mesa quando percebi que a dona estava imbuída de uma sanha ideológico-moralista na forçação da inclusão em classe regular. Desde então não agüento mais ouvir falar em “acolhimento” e outros jargões psicopedagógicos. 


Eu tenho um rosário de histórias para desfiar. Mas essas duas vinhetas são muito ilustrativas. Sem entrar em detalhes, quantos de vocês já ouviram relatos de mães contando que seus filhos são abusados fisicamente, sexual, têm sua merenda, dinheiro e materiais furtados?


Uma vez eu estava conversando com um jovem super-dotado com autismo. Ele é super-dotado tanto intelecual quanto fisicamente. Sabe aquele homem armário, que você precisa olha para cima para conversar? É ele. Comecei a conversar com ele sobre como ele percebia o fato de ter autismo. Se isso causava alguma dificuldade para ele, se os outros meninos tentatavam abusar dele. Ele me falou que sim, que volta e meia, quando ele mudava de escola ou de turma, os colegas vinham fazer chacota ou ameaçá-lo. Quando eu perguntei o que ele fazi, ele me respondeu: “Eu chego pro cara e digo assim. Ó meu, para com isso senão eu vou te dar um pau. E funciona”. 


Já acompanhei muitos jovens com deficiência intelectual leve que estavam desadpatados em escolas regulares. Recomendei à família que colocasse esses jovens em escolas especiais. Geralmente os resultados são muito bons por algum tempo. Depois de algum tempo, a escola especial não ajuda mais a progredir e é chegada a hora de voltar para a escola regular. Um dos principais mecanismos sócio-adaptativos da espécie humana é a comparação social. As comparações sociais dos alunos de inclusão nas escolares regulares são ascendentes e demolidoras da sua auto-eficácia. Uma temporada em uma escola especial pode permitir à criança que faça comparações descendentes, as quais são promotoras da auto-eficácia. Infelizmente, a espécie humana funciona assim. Ao invés de imitar os exemplos dos que têm mais sucesso, preferimos nos consolar com o exemplo daqueles que vão pior do que nós. Para piorar, essa flexibilidade de alocação somente é acessível às famílias que podem pagar pelas raras escolas especiais que ainda resistem.


Vocês já viram algum video em sala de aula, mostrando o que acontece com as crianças com autismo? O que acontece é que elas são excluídas. Sabe aquele menino na aula de educação física que é o último a ser escolhido pelos colegas, quando é escolhido para participar do time de futebol? Era eu. E uma coisa parecida ou muito pior acontece com os meninos com autismo.



QUAL É A MELHOR POLÍTICA?


A melhor política é não forçar nenhuma política às pessoas. A melhor política é considerar que as pessoas são diferentes e que não existe um modelo tamanho único que atenda às necessidadesd e todos. Os serviços devem ser fornecidos de maneira individualizada, conforme as necessidades e possiblidades do aluno, da família e da escola. É importante entender também que as necessidades variam de uma época para outra.


Uma politica flexível é importante porque não existe uma solução ótima, tamanho único. O problema da inclusão é uma conseqüência direta da universalização da educação pública. Quando o ensino fundamental se universalizou nos países do Hemisfério Norte, na virada so Século XIX para o XX, havia dois modelos para alocar os alunos nas classes, nenhum dos quais é isento de problemas:

  1. Segregação por idade: Todas as crianças com uma determinada idade vão para uma mesma classe, independentemene das suas características intelectuais, socio-cognitivas e emocionais. Dessa forma, a idade é mantida constante. Isso garante que quase todas as crianças de uma turma estejam mais ou menos em estágios parecidos do desenvolvimento psicossocial e psicosexual. Que tenham interesses e motivações em comu. O que varia é a capacidade de os alunos acompanharem o curriculo. Qualquer currículo só atende às necessidades de 70% dos alunos. Essa é a real. Existem dados do Reino Unido mostranto, p. ex., que em uma classe do 6o. ano, o nível de habilidade em matemática varia sete anos, ou seja, do terceiro ao nono ano. A professora que se vire e as crianças que aprendam por conta o que conseguirem;
  2. Segregação por nível de habilidade: Os alunos são alocados às turmas em função do seu conhecimento ou capacidade intelectual. Esse modelo garante que o maior número possível de alunos possa acompanhar um determinado currículo, mas tem o efeito de colateral de rotulação, segregação e forçar a convivência de crianças em diferentes estágios do seu desenvolvimento.

A partir dessa análise é inevitável concluir que qualquer politica se baseia em um perfil de vantagens e desvantagens e que o bom senso indica a necessidade de oferecer alternativas e fazer um uso judicioso das alternativas.


O que eu faria se eu fosse ministro da educação e tivesse dinheiro e poder para mudar qualquer coisa. Na verdade, o ministro da educação tem um orçamento gigantesco mas tem pouco poder para mudar qualquer coisa. Na verdade eu sou mais desatrado na administração mesmo do que no futebol. Mas vamos lá, o que eu acho que poderia e deveria ser feito:


  1. É fundamental adotar um modelo de educação informada por evidências, diminuindo nível de achismo e ativismo político na educação;
  2. Há necessidade de criar centros de referência para avaliação multidisciplinar e intervenções especializadas para alunos com perfis atípicos de comportamento e desempenho;
  3. O alocamento em salas de aula deve ser flexível, de modo tal que algumas classes privilegiem o convívio social de crianças de mesma idade e outras classes privilegiem a assimilação de conteúdos curriculares por crianças com nível de habilidade semelhante;
  4. As escolas especiais continuarão sendo necessárias enquanto houver crianças com problemas mais graves no seu desenvolvimento e que não possam se beneficiar da inclusão em escolas regulares.

Para encerrar, farei um comentário sobre as APAEs. As APAEs existem no Brasil há quase t0 anos. As APAEs brasileiras são escolas especiais e, ao mesmo tempo, são uma das maiores manifestações de capital social em um país tão carente desse tipo de ativo econômico. As APAEs foram fundadas de baixo para cima, pela comunidade, numa época na qual o governo não estava nem aí para as necessidades educacionais das crianças atípicas. A capilaridade geográfica é impressionante. Só em Minas Gerais tem mais de 800 APAEs. Praticamente todo municipio mineiro tem uma APAE e em muitos munícipios a APAE é o único recurso disponível para a comunidade. Você já fez uma visita a alguma APAE e tem coragem de dizer que os meninos são excluídos lá? Que as APAEs não lhes proporcionam condições de se desenvolver e adquirir autonomia e dignidade conforme suas possibilidades?


As poucas escolas especiais públicas que existiam foram desmaneladas pelos últimos governos. É muito mais barato jogar os meninos com necessidades especiais na sala de aula, deixar que a professora se vire, e justificadora tudo isso com um discurso ideológico-moralista de quem se considera dono da virta e superior aos outros. Se as APAEs não foram destruídas nos últimos governos, não foi por falta de tentativas de o governo passar um rolo compressor por cima delas. Elas só resistiram porque têm a capilaridade que têm, porque são organizadas baixo para cima e porque são um recurso social valioso, que precisa ser reconhecido. Quando eu falo para os meus colegas europeus sobre as APAEs, eles custam a acreditar. Custam a acreditar porque estão acostumados a receber tudo do governo. Custam a acreditar porque sua atitude em relação aos brasileiros é condescendente. E de fato, nós temos muito pouco capital social. Precisamos preservar o pouco que temos.


Finalmente, essa análise que eu faço é teórica. Não sei se essa Política Nacional de Educação Especial Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida não vai acabar sendo uma grande frustração, uma grande porcaria. Entretanto, não consigo acreditar que por trás dessa política haja alguma atenção malévola de impedir os alunos com necessidades especiais de terem acesso a classes regular. Prefiro acreditar que essa política tem potencial para ampliar o leque de opções oferecidas. O seu sucesso não é garantido. Entre outras coisas depende de muito esforço e dinheiro para sua implementação. Depende também de as pessoas entenderem o que é possível e o que não é possível.

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