Thursday, June 29, 2017

TÉDIO NA ESCOLA

A freqüência de ocorrência de sentimentos de tédio na sala de aula contrasta com a ideologia oficial. A cartilha sócio-construtivista e paulo-freireana reza que os objetivos maiores da educação escolar dizem respeito à formação da cidadania e ao desenvolvimento do pensamento crítico. Segundo essa perspectiva a educação escolar não pode se reduzir à transmissão de conhecimento ou aquisição de habilidades (Haase et al., 2015). Ao invés disso, a escola deve promover o engajamento ativo dos estudantes, preferencialmente em grupos, com situações problema que lhes permitam desenvolver habilidades críticas ou construir o conhecimento de forma autônoma. A aprendizagem por descoberta e cooperação deve promover a criatividade e capacidade de iniciativa, contrastando com a decoreba mecânica de um amontoado de fatos e habilidades que podem não fazer sentido para o aluno.

Dada a influência das idéias sócio-construtivistas e  paulo-freireanas no Mundo inteiro e no Brasil em particular, seria de se esperar que o engajamento dos alunos com as atividades escolares e a motivação para o desempenho fossem altos. Na prática não é isso que acontece. Até 50% dos alunos relatam que o tédio é uma experiência cotidiana em sala de aula (vide revisão em Macklem, 2015). Os motivos pelos quais os alunos sentem-se entediados são diversos. Em um survey conduzido com 81000 estudantes da High School em 103 escolas de 27 estados norte-americanos, 81% dos alunos entediados declararam que os materiais didáticos não eram atraentes, 42% consideraram que não viam relevância no trabalho escolar. Para 33% as atividades escolares não eram suficientemente desafiadoras e 26% achavam que o trabalho acadêmico era muito difícil.
 

A partir da minha experiência como pai, clinico e docente do ensino superior, as respostas dos estudantes convidam a fazer algumas observações. A falta de atratividade dos materiais didáticos é um fato notório. Os materiais didáticos cada vez mais se caracterizam pela adoção da ideologia politicamente correta. Só se preocupam em pregar a ecologia, a paz mundial, a igualdade, a diversidade de gênero etc. Nâo é surpreendente que sejam pouco atrativos, principalmente para os meninos. Os materiais escolares não fornecem “adrenalina” suficiente para os meninos. Não pode ser à toa que a evasão escolar seja maior entre os meninos do que entre as meninas.  Que menino gosta de cultivar bons sentimentos e discutir a relação?

Em parte, a falta de relevância é um problema estrutural. Se os jovens tivessem a experiência dos adultos, isso não ocorreria. A dificuldade advém do fato de que é impossível fazer transplante de juízo. Nâo há como transplantar juízo da cabeça dos mais velhos para a cabeça dos mais jovens. Os jovens precisam adquirir sua própria sabedoria através da experiência. Os jovens são hedonicamente enviesados e imediatistas. Por vezes pagam um preço alto por isso (Haase, 2009). Mas, o que fazer? É da vida. Dar mais “adrenalina” na escola para a garotada ajudaria.

O problema é agravado pelo fato de que para um grande contingente de crianças a escola, de fato, é irrelevante. A escola não lhes ensina habilidades que qualifiquem os alunos para o mercado de trabalho, que os habilitem a receber um salário maior na Sociedade do Conhecimento. Theodore Dalrymple (2015) captou muito bem essa situação no seu livro “A vida na sarjeta”. Para muitas pessoas pobres não faz diferença alguma aprender uma profissão e trabalhar. Para os indivíduos do sexo masculino, os rendimentos propiciados pelas atividades criminosas são incomparavelmente mais altos do que qualquer salário para um profissional com baixa qualificação. Para os indivíduos do sexo feminino, os rendimentos salariais propiciados por um emprego regular são baixos comparativamente ao bolsa família e não compensam o esforço.

Finalmente, para quase 60% dos alunos o currículo é inadequado. O currículo é percebido como muito difícil por 26% e muito fácil por 33% dos alunos. A inadequação curricular decorre de dois fatos. O primeiro deles é estrutural e diz respeito aos critérios de segregação dos alunos nas classes. Ao longo do processo de universalização do ensino fundamental e médio adotou-se o critério de alocar os alunos em classes ou anos escolares pela idade e não pelo nível de habilidade. Ora, se a idade é mantida constante, o nível de habilidades varia. O resultado é que para um grupo de crianças o currículo será muito fácil e para outro muito difícil.

Com isso eu não estou dizendo que as crianças devessem ser segregadas por nível de habilidades e não por idade. A segregação por nível de habilidade criaria discrepâncias entre os alunos por faixa etária e, conseqüentemente interesses. Ao mesmo tempo, contribuiria para segregar e estigmatizar os alunos que tivessem dificuldades. Com isso não digo também que os alunos com dificuldades não sejam estigmatizados nas salas de aula nas quais convivem com crianças sem dificuldades de aprendizagem... O problema não é tão simples assim.

O meu argumento é que o nível de habilidades, principalmente a inteligência, mas também habilidades especificas como o processamento fonológico, senso numérico e capacidade de auto-regulação etc. devem ser considerados na individualização do currículo. A individualização do currículo é dificultada pelo fato de que a ideologia politicamente correta não aceita que a inteligência e o perfil individual de habilidades possam desempenhar um papel na motivação e desempenho escolar (Dweck, 2017).

A ideologia do politicamente correta e a conseqüente negligência das diferenças individuais podem, portanto, ter conseqüências trágicas para a motivação e desempenho escolar. Os alunos com mais facilidade se entendiam com um currículo aquém das suas possibilidades. Os alunos com mais dificuldade se entediam com um currículo além das suas possibilidades. O viés contrário à instrução, treinamento e aquisição de informação e habilidades básicas torna o currículo irrelevante. A ênfase na ideologia politicamente correta torna o currículo aversivo.

Quais são os possíveis remédios? Obviamente, não tenho a pretensão de apresentar soluções definitivas. Quero apenas “problematizar”. Também não sou professor do ensino fundamental ou médio. Entretanto, como professor do ensino superior, a minha experiência indica que uma forma fantástica de dar “adrenalina” para os alunos é engajá-los em projetos de iniciação científica ou extensão. Nesses projetos os alunos adquirem habilidades de resolver problemas, de estudar e se auto-ensinar, de se preparar para o mercado de trabalho, de trabalhar em equipe etc. Ou seja, de se engajar e se preparar para o mundo real.

O efeito motivador da participação na iniciação científica pode ser compreendindo a partir de um modelo de duas dimensões do engajamento e motivação proposto por Larson (2000). Em milhares de entrevistas com jovens, esse autor descobriu que os mesmos se sentem entediados em situações nas quais a motivação intrínseca da tarefa é baixa e o nível de concentração exigido ou controle externo é alto, como p. ex., em sala de aula. Os jovens relatam maiores níveis de bem-estar em situações como ficar à toa com colegas, nas quais a atividade é intrinsecamente motivadora e nível de concentração ou controle externo exigido é baixo. Níveis quase tão elevados de bem-estar são relatados em situações como prática esportiva e participação em projetos sociais, que são intrinsecamente motivadoras e, ao mesmo tempo, permitem ao jovem auto-regular o esforço atencional dispendido. Recomendar que as atividades escolares propiciem mais “adrenalina” para os jovens pode parecer wishful thinking. Mas a experiência com a iniciação científica ensina que o troço funciona.

Que outras recomendações poderiam ser feitas a partir das evidências disponíveis? O currículo deveria se tornar mais relevante para os jovens, propiciando-lhes a oportunidade de adquirir habilidades que efetivamente fizessem alguma diferença nas suas vidas. Tais como aprender a  ler as palavras, interpretar textos e fazer contas. Que lhes oportunizassem uma melhor qualificação profissional e, portanto, a perspectiva de uma vida decente ainda que “pequeno-burguesa”. Ao invés disso a escola fica insistindo com idéias grandiosas e românticas de transformação da realidade social, negligenciando a aquisição de informação e habilidades. O resultado não poderia ser outro: alunos entediados e que não aprendem.

Finalmente, tem a questão da adaptação curricular. Individualizar o currículo em função do perfil de habilidades e temperamento do aluno exigiria um investimento maciço em serviços de apoio às professoras, incluindo qualificação profissional das professoras, serviços diagnósticos e atividades diferenciadas extra-curriculares. Um passo importante seria parar com essa bobajada de “anti-medicalização” do ensino (Frias & Júlio-Costa, 2013) e criar uma estrutura estatal que efetivamente atendesse tanto  às necessidades dos alunos com mais facilidade quanto dos alunos com mais dificuldade.

É engraçado como o Estado Brasileiro é pródigo em criar direitos constitucionais para os mais diversos segmentos da população. Chegou-se ao cúmulo de criar a “bolsa bandido”. A  bolsa bandido funciona assim: o cara não  aprende na escola, cai na bandidagem, é preso e o estado sustenta sua família. Ao mesmo tempo o estado tem se negado sistematicamente a criar um arcabouço jurídico e institucional que garanta uma assistência curricular diferenciada para as crianças superdotadas e para as crianças com dificuldades de aprendizagem associadas a TDAH, dislexia e discalculia etc. As razões são ideológicas. Todas as iniciativas legislativas visando criar essa infraesturura assistencial enfrentaram ferrenha oposição dos sindicatos de professores e não prosperaram. Os resultados são a ignorância, a falta de qualificação para a Sociedade do Conhecimento e o tédio em sala de aula. Tédio esse que leva à desmoralização, revolta e evasão escolar. 

P. S. Freqüentemente eu também preciso lidar com a questão do tédio em sala de aula. Fico aqui deitando falação, mas eu mesmo muitas vezes não sei como lidar com o tédio dos alunos. Suspeito que grande parte do tédio advém do fato de o meu discurso é politicamente incorreto. Ou seja, eu seria "do mal" o que automaticamente desqualificaria o meu discurso. Pode ser também que eu seja muito prolixo, que fale muito complicado ou que não tenha clareza de expressão. Enfim, a coisa é mesmo complicada. E não são apenas os alunos que freqüentemente se sentem desmotivados... É da vida. Tem que aprender a lidar com isso.


Referências

Dalrymple, T. (2015). A vida na sarjeta. O ciclo vicioso da miséria moral. São Paulo: É Realizações.

Dweck, C. (2017). Mindset: A nova psicologia do sucesso. Rio de Janeiro: Objetiva.

Frias, L., & Júlio-Costa, A. (2013). Os equívocos e acertos da campanha “não à medicalização da vida”. Psicologia em Pesquisa UFJF, 7, 3-12.

Haase, V. G. (2009). O desenvolvimento humano como busca de felicidade. In V. G. Haase, F. O. Ferreira & F. J. Penna (Orgs.) Aspectos biopsicossociais da saúde na infância e adolescência (pp. 601-635). Belo Horizonte: COOPMED (ISBN: 978-85-7825-003-4).

Haase, V. G., Júlio-Costa, A., & Lopes-Silva, J. (2015). Por que o construtivismo não funciona? Evolução, processamento de informação e aprendizagem escolar. Psicologia em Pesquisa UFJF, 9, 62-71.

Larson, R. W. (2000). Toward a psychology of positive youth development. American Psychologist, 55, 170-183.

Macklem, G. L. (2015). Boredom in the classroom. Addressing student motivation, self- regulation, and engagement in learning. New York: Springer.

Yazzie-Mintz, E. (2010, June). Charting the path from engagement to achievement: A report on the 2009 high school survey of student engagement. Bloomington, IN: Indiana University Center
for Evaluation and Education Policy (CEEP) (http://hub.mspnet.org/index.cfm/20806).

Sunday, June 25, 2017

A VALIDADE DA NEUROIMAGEM FUNCIONAL

O apelo midiático da neuroimagem functional, principalmente da ressonância magnética funcional é inegável. Não menos chamativa é a ignorância ou má-fé com que o assunto é coberto pela imprensa. Por vezes se estabelece um conluio entre jornalistas que não entendem nada do assunto e cientistas inescrupolosos que desejam marquetear seu trabalho. O público sai mal informado.

Na maioria das vezes as notícias são exageradas no sentido positivo. As figurinhas coloridas geradas pelos métodos de neuroimagem exercem uma apelo poderoso e transmitem a falsa sensação de que tais padrões refletem a ativação em tempo real do cérebro engajado em uma dada tarefa.

Mas, ocasionalmente, a repercussão é negativa. Como é o caso de uma notícia divulgada em 2016 no El País e que ressurge periodicamente no FaceBook. Tanto os vieses positivos quanto negativos na cobertura da mídia refletem uma ignorância muito grande quanto às potencialidades e dificuldades associadas com os métodos de neuroimagem funcional.

Os métodos de neuroimagem funcional permitem registrar diferenças no fluxo sangüíneo e consumo de oxigêncio em áreas cerebrais específicas associadas à realização de diferentes tarefas cognitivas. Tais métodos representam um avanço extraordinário no nosso conhecimento. Pela primeira vez estamos em condições de analisar, ainda que de modo imperfeito, como o cérebro é ativado por diferentes tarefas cognitivas e estados psicológicos. Há pouco tempo ainda, as únicas informações disponíveis sobre os correlatos neurais de processos psicológicos dependiam da análise dos padrões de comportamento de pacientes com lesões cerebrais específicas. A neuroimagem funcional permite que tais correlações sejam investigadas in vivo e de forma não-invasiva.

Mas os cientistas não são ingênuos a ponto de supor, ou mal-intencionados a ponto de vender, a idéia de que os métodos de neuroimagem funcional não têm suas limitações ou ameaças à validade. A ciência é um empreendimento precário. Sua força advém do princípio da replicabilidade e teste de hipóteses. Os resultados científicos são precários e provisórios, modificáveis à medida que os conhecimentos vão se acumulando. É desse ceticismo saudável e da abertura a resultados negativos dos testes de hipóteses e refinamento metodológico que a ciência deriva seu caráter cumulativo.

As limitações da neuroimagem funcional são por demais conhecidas dos neurocientistas. A validade dos métodos de neuroimagem funcional advém da sua consiliência com outras fontes de evidência e acomodação às teorias vigentes. Nenhum método é absolutamente válido, por si só. A validade depende da sua convergência com outras observações e com a teoria. Algumas ameaças à validade da neuroimagem funcional são discutidas a seguir. Todas são nossas velhas conhecidas.

1. Os métodos de neuroimagem funcional não investigam diretamente a atividade neuronal. Eles investigam o fluxo sangüíneo e o consumo de glicose e oxigênio regionais. Refletem, portanto, apenas de forma indireta a ativação neuronal. Sua validade se baseia na pressuposição amplamente demonstrada de correlação entre o fluxo sangüíneo, consumo de glicose e oxigênio e atividade neuronal. Modificações puramente informacionais nos padrões de atividade neuronal, que fossem independentes de variações energéticas, não seriam captadas pelos métodos de neuroimagem funcional.

2. Os métodos de neuroimagem funcional não fornecem nenhuma medida direta de qualquer processo psicológico. O que todos eles fazem é comparar a atividade relacionada a uma determinada tarefa com a atividade em “repouso” ou com a atividade durante a realização de outra tarefa. Nâo existe grau zero de ativação na neuroimagem funcional. Mesmo em “repouso” o cérebro continua ativo. O que os pesquisadores conseguem fazer é comparar padrões de ativação em diferentes estados psicológicos.

3. A variabilidade interindividual nos estudos de neuroimagem funcional é muito grande. Diferentes participantes utilizam-se de estratégias distintas para resolver as tarefas propostas e estratégias diferentes podem gerar padrões de ativação bem distintos.

4. A variabilidade interindividual e as diferentes estratégias potencialmente empregadas dificultam aos estudos de neuromagem funcional identificar quais áreas cerebrais são cruciais para a implementação de uma determinada tarefa. Apenas a análise neuropsicológica de pacientes cérebro-lesados e os métodos de indução de lesões temporárias por estimulação (magnética ou elétrica) transcraniana permitem identificar as áreas cerebrais crucialmente envolvidas com um determinado processo psicológico. Os métodos de neuroimagem funcional atuam mais no contexto da descoberta, contribuindo para gerar hipóteses correlação estrutura-função. Os métodos neuropsicológicos é que atuam no contexto da verificação, contribuindo para a invalidação das hipóteses levantadas pela neuroimagem.

5. Os métodos de neuroimagem funcional são limitados quanto à sua resolução espacial. Os métodos de neuroimagem registram a ativação de agregados de milhões de neurônios, não conseguindo discriminar os padrões de ativação de áreas vizinhas muito próximas entre si.

6. Uma das principais limitações dos métodos de neuroimagem funcional diz respeito à resolução temporal. Os métodos atuais não permitem diferenciar eventos que ocorrem numa janela temporal de dezenas a centenas de milissegundos. Há evidências psicológicas de que essa janela temporal inferior a um segundo é extramemente relevante para a cognição e o comportamento. Os padrões de ativação distribuídos mostrados nas belas neuroimagens podem, portanto, refletir tanto ativação simultânea de diferentes grupos neuronais geograficamente dispersos, quanto ativação seqüencial de grupos neuronais distintos.

7. Finalmente, há os problemas estatísticos. As cores usadas nas imagens representam a probabilidade de que a ativação de uma dada área se associe à tarefa e não ao acaso. Como nos estudos de neuroimagem são realizadas análises repetidas da ativação de milhares de voxels (áreas com um milímetro cúbico) surge um problema estatístico bem complexo. A realização de análises estatísticas sobrepostas, ou seja, o cálculo das probabilidades para diferentes regiões, inflaciona o risco de obter resultados falsos positivos. Se o critério estatístico usado for muito frouxo, todas as áreas cerebrais podem ser consideradas como ativadas por uma dada tarefa, aparecendo um resultado falso positivo. Por outro lado, se o critério estatístico for muito estrito, resulta um efeito falso negativo. Ou seja, um efeito existente pode não ser detectado.

A reportagem do El País faz um escarcéu superficial, mal-intencionado e pouco informativo para o público em geral a partir de uma crítica metodológica do programa SPM, o principal software estatístico usado para analisar e construir os métodos de neuroimagem (Eklund et al., 2016). Isso é café pra lá de requentado. E em nenhum momento os autores do artigo repercutido declaram que seus resultados "invalidam 15 anos de pesquisa com neuroimagem funcional". Isso saiu da cabeça do jornalista.

E não invalidam por uma razão muito simples. A validade da neuroimagem funcional não se fundamenta apenas em um pacote ou estratégia de análise estatística. O processo de validação é muito mais amplo e complexo. Como mencionei acima, a estratégia usada é de validação convergente. A neuroimagem funcional é ótima para gerar hipóteses. Tais hipóteses são retidas se elas forem consilientes com os resultados de outros métodos (psicologia cognitiva, neuropsicologia, neurocirugia, eletroencefalografia, potencais evocados, simulações em computadores, teoria da evolução, antropologia, genética etc.) e consistentes com um arcabouço teórico mais amplo. As hipóteses geradas pela neuroimagem funcional são retidas apenas quando apoiadas por outras fontes independentes de evidência.

Tudo isso não quer dizer que o uso da neuroimagem funcional não possa nem deva ser aperfeiçoado. Infelizmente, a imprensa parece mais interessada em causar sensação e criar fake news do que informar propriamente o indistinto público. Até o Donald Trump foi citado na tal reportagem do El País. Nâo sei o que ele tem a ver com o assuntoo. Acho que entrou na dança porque, supostamente, é especialista em fake news.


Referência

Eklund A, Nichols TE, Knutsson H. Cluster failure: Why fMRI inferences for spatial extent have inflated false-positive rates. Proc Natl Acad Sci U S A. 2016 Jul 12;113(28):7900-5.

Sunday, June 11, 2017

NEM A SUPER TEACHER DÁ CONTA

Um grande contingente de alunos não gosta da escola.  A evasão escolar foi identificada como umimportante fator de risco para a criminalidade. Qual é o papel das professoras na aversão e fracasso escolar?

Aqui vou defender o lado das professoras. Grande parte das dificuldades atuais se origina do fato de que as demandas às professoras só aumentaram nos últimos anos, sem que houvesse uma formação correspondente. A coisa toda começa pela definição da missão da escola. O pensamento politicamente correto pressupõe que os objetivos da escola não se restringer a ensinar, mas são mais amplos, compreendendo a educação do cidadão de forma mais ampla. Ao invés de apenas transmitir conhecimento de uma geração para outra, a missão da escola deveria ser o desenvolvimento da capacidade de pensamento crítico.

Isso é muito bonito na teoria. Na prática a coisa é bem diferente. Atualmente a escola não dá conta nem de ensinar o básico, ou seja, a ler as palavras, compreender um texto e fazer as contas. Com é possível desenvolver o pensamento crítico se o aluno não consegue compreender o que lê?

Teoricamente, a aprendizagem pela descoberta e colaboração, em situações contextualizadas de resolução de problemas relevantes para a criança é enfatizada. A ênfase se desvia da memorização de conhecimento para o processo de construção social do conhecimento. A descoberta e interação socialmente contextualizada deveriam estimular a autonomia e curiosidade do aluno. Novamente, isso só funciona na teoria. Na prática, a falta de vocabulário, ou seja de conhecimento memorizado de mundo, é um dos principais obstáculos a compreensão leitora pelas crianças pobres.

Conceber a missão da escola como educação e não apenas como ensino coloca demandas às professoras que são estranhas à sua formação e à capacidade de processamento e atuação humanos. Vejam o caso da inclusão. A partir de uma estimativa conservadora, pode-se esperar que a prevalência de necessidades especiais na população escolar situe-se em torno de 10% a 20%. Isso significa que em uma classe de 30 alunos a professora precisará atender em torno de seis alunos de inclusão: com dislexia, discalculia, TDAH, deficiência intelectual, autismo etc. Isso sem falar nas dificuldades visuais, auditivas, ansiedade, transtornos de conduta etc.

O sistema educacional fornece algum tipo de suporte para as professoras, com o intuito de subsidiá-las na consecução dessa nobre missão? Nenhum. Nadica de pitibiribas. As crianças de inclusão são jogadas nas salas de aula e a professora que se vire. Sem qualquer tipo de apoio, supervisão ou formação adequada.

E o que é pior ainda, a formação das professoras é inadequada. A orientação epistemológica da formação das professoras passa longe do método científico, da pesquisa quantitativa, do teste de hipóteses, da psicologia cognitiva e comportamental, das neurociências etc. A formação das professoras é politicamente enviesada e anti-científica. Quando a professora cai no mundo real da sala de aula, ela experimenta uma dissonância cognitiva brutal,  que evoluiu para o total desamparao. A professora percebe que não recebeu uma formação adequada para enfrentar os desafios que lhe são impostos. As professoras precisam então sair correndo atrás de cursos de aperfeiçoamento e especialização, na tentativa de suprir as lacunas da sua formação.

Mas não podemos esquecer do contexto social em que a escola funciona. É crescente o número de famílias desestruturadas e disfuncionais. A missão de educar as crianças é dever e direito da família. O papel da escola é complementar. A missão da escola não é substituir a família. Pedir isso das professoras é demais. Nem a Super Teacher dá conta. Talvez fosse mais vantajoso fazer uma downsizing do papel da escola, enfantizando mais o ensino de habilidades básicas e deixando um pouco de lado objetivos louváveis e ambiciosos, porém inatingíveis. O fracasso na consecução dos objetivos propostos é um agravane do desamparo, desmotivação e revolta.