Saturday, October 05, 2019

CIÊNCIA COGNITIVA DESTRONANDO MITOS EDUCACIONAIS

A educação contemporânea e eivada por mitos, que não resistem a uma exame parcimonioso à luz das evidências científicas (Christodoulou, 2014, Willingham, 2011) Alguns mitos especialmente importantes dizem respeito ao papel do conhecimento e da instrução na educação. Esses mitos podem ser expressos de diversas maneiras. Abaixo estão sintetizadas algumas formas sob as quais eles aparecem.

PAPEL DO CONHECIMENTO

  • "A educação não deve se reduzir à mera transmissão de conhecimento".
  • "As tecnologica informáticas mudaram tudo. Não há mais necessidade de memorizar, uma vez que todo o conhecimento está disponível na internet".
  • "A decoreba de fatos impede a compreensão".
  • "Mais do que adquirir fatos, as crianças precisam adquirir habilidades de raciocínio crítico".
  • "Transmitir conhecimento é doutrinação".

PAPEL DA INSTRUÇÃO

  • "Não se deve ensinar a uma criança aquilo que ela poderia compreender por conta própria".
  • "A instrução é um método passivo de aprendizagem".
  • "A instrução tolhe a criatividade". 
  • "A aprendizagem deve ser significativa no contexto de vida da criança". 
  • "A aprendizagem deve ocorrer principalmente por experimentação e descoberta, através da colaboração com os pares".
  • "Atividades em projetos são o melhor meio de aprender".
  • "As crianças são curiosas e criativas, quando confrontadas com problemas formulam e testam hipóteses, como se fossem pequenos cientistas, até inferirem a solução e os conceitos subjacentes".

A persistência desses mitos contrasta com sua fragilidade quando examinados face às evidências científicas. Sealy (2019) publicou um belo texto na revista EducatioNext, examinando a relevância dos conceitos de memória episódica e semântica para a educação (vide tradução aqui). A tese da autora é que a aprendizagem que dura é o conhecimento, que depende da memória semântica.

A memória episódica é contextualizada no tempo e no espaço e centrada no self. A memória episódica é emocional e motivacionalmente carregada e sua aquisição depende de vivências marcantes (episódios). Mas, assim como ela vem, a memória episódica vai. A memória episódica é amarrada ao contexto e à perspectiva subjetiva, não servindo de base para generalização, ou seja, abstração e transferência de um contexto para outro.

A memória semântica, incluindo conhecimento conceitual e factual, é menos charmosa porque não é contextualizada e não é emocional e subjetivamente carregada. O desenvolvimento da memória semântica requer esforço repetido. Mas a memória semântica é a única forma de conhecimento que permite a abstração e a generalização de um contexto para outro. A memória semântica e adquirida através de uma série de episódios de estudo, dos quais não persistem lembrancas. Uma característica importante da memória semântica é que não temos uma noção conscientes de como aprendemos, mas esse é o tipo de conhecimento que persiste e tem aplicabilidade na vida.

Ou seja, décadas depois de sair da escola, permanecem apenas as memórias episódicas mais vívidas, aquelas adquiridas no contexto de episódios marcantes. As demais memórias episódicas se esvaem. Mesmo as memórias episódicas que permanecem são de pouca utilidade. Uma característica saliente da memória episódica é que ela é dependente do contexto e precisa sempre ser reconstruída a partir de pistas contextuais. A memória episódica é também reconstrutiva, ou seja, pistas contextuais atuais auxiliam a reconstruir os fragmentos nebulosos disponíveis. Ao contrário, a memória semântica é acessível num átimo, tem relevância prática para as situações da vida e permite assimilar nova informação ao mesmo tempo em que se acomoda à nova informação adquirida.

Eu só tenho um reparo ao texto de Sealy (2019). Ela restringe a discussão à distinção entre memória episódica e semântica. Mas algumas coisas às quais ela se refere, como p. ex., algoritmos de cálculo, não dependem apenas da memória semântica, mas também da memória procedimental. Mas esse é apenas um detalhe, cujo correção tornaria o texto tecnicamente melhor, mas não mudaria a mensagem.
Acho que uma concepção mais adequada dos tipos de conhecimento relevantes para a aprendizagem escolar deveria incluir: a) conceitos, como a propriedade comutativa da adição e multiplicação ou o valor posicional; b) fatos como a tabuada de multiplicação; c) procedimentos como os algoritmos de cálculo; d) hábitos ou condicionamentos como a capacidade para postergar a recompensa.

Os episódios marcantes, as atividades divertidas e atraentes na escola, são importantes do ponto de vista motivacional. Mas são os conceitos, fatos, procedimentos e hábitos que as pessoas continuam usando pela vida afora, após sairem da escola.

Referências

Christodoulou, D. (2014). Seven myths about education. London: Routledge / The Curriculum Centre.


Willingham, D. T. (2011). Por que os alunos não gostam da escola? Respostas da ciência  cognitiva para tornar a sala atrativa e efetiva. Porto Alegre: ARTMED.



COMO O ESTUDO DA MEMÓRIA DESTRÓI MITOS EDUCACIONAIS


Qual é a melhor maneira de ajudar as crianças a se lembrarem das coisas? Não são "experiências memoráveis"

Clare Sealy


Tradução de Vitor Geraldi Haase

Quando olhamos para trás, para o nosso tempo escola, nossas lembranças mais fortes são provavelmente uma mistura de grandes ocasiões: viagens de campo, peças teatrais e torneios esportivos, além de eventos mais pessoais emocionalmente carregadoss. Coisas que aconteceram e que foram realmente engraçadas ou tristes ou que nos fizeram sentir empolgadas, interessadas, entusiasmadas ou zangadas. Não tendemos a lembrar vividamente, se é que o conseguimos, como aprendemos os conteúdos de matemática, inglês ou ciências. Talvez nos lembremos de histórias engraçadas de lições que deram errado, ou ainda nos ressintamos com as injustiças do passado - "mas eu não estava falando" - ou tenhamos uma vaga reminiscência de estar no laboratório de ciências, com trechos fugazes de lembranças dessa ou daquela experiência. Tudo isso nos leva a formular a hipótese inteiramente razoável de que, se queremos que os alunos se lembrem do que lhes ensinamos, precisamos tornar nossas lições mais parecidas com os eventos pontuais, especiais espetaculares. Ou, pelo menos, selecionar atividades especialmente selecionado porque são envolventes, emocionantes e possivelmente incomuns. Eventos memoráveis, nessa visão, devem formar o modelo para a criação de lições memoráveis.

Por mais razoável que pareça, isso é um mito. É um mito porque a memória humana funciona de duas maneiras diferentes, ambas igualmente válidas, mas uma das quais é muito melhor em transferir o que aprendemos para novos contextos. Essa transferência é um pré-requisito essencial para a criatividade e o pensamento crítico.

As duas formas de memória são conhecidas como memória episódica e semântica. Memória episódica é a memória dos 'episódios' de nossa vida - p. ex., nossa memória autobiográfica. Isso não exige esforço de nossa parte, simplesmente "acontece". Não precisamos nos lembrar conscientemente do que aconteceu ontem. Essas memórias acontecem automaticamente. Mas há uma desvantagem. Assim como a memória episódica “vem fácil", ela também "vai fácil”. Se você tentar se lembrar do que almoçou ontem, provavelmente se lembrará. Se você tentar se lembrar do que comeu no almoço há um ano - a menos que tenha sido uma data muito significativa e um almoço particularmente digno de nota -, você não fará ideia.

A memória semântica, por outro lado, envolve muito mais trabalho. Temos que fazer um esforço para criar memórias semânticas. Esse é o tipo de memória que usamos quando estudamos algo conscientemente, porque queremos lembrá-lo. Ao contrário da memória episódica, a aprendizagem semântica não apenas "acontece". O lado positivo, no entanto, é que o esforço envolvido resulta em uma memória duradoura.

Você já frequentou um curso em que realmente gostou de ouvir o palestrante, achou o assunto interessante e o apresentador divertido e envolvente. No entanto, quando você tenta explicar a alguém no dia seguinte sobre o que era o curso, tudo o que resta é uma vaga impressão de suas emoções durante o dia, tingida com fragmentos de conteúdo? Você sabe que o curso foi realmente bom, mas não pode explicar realmente sobre o que era, além de afirmações mais gerais. Isso ocorre porque, nesse ponto, suas memórias são principalmente episódicas e já estão desaparecendo. É provável que isso tenha acontecido se você apenas ouviu o orador em vez de fazer algumas anotações e se não precisou realizar atividades durante o dia que o fizeram pensar muito sobre o conteúdo. Mas, mesmo que você tenha lido, a menos que releia essas anotações algum tempo depois, ou leia o PowerPoint, ou os blogs que eles mencionaram, ou planeje uma reunião da equipe para contar aos outros o que aprendeu, a menos que você se esforce revisitando a mensagem, por mais inspiradora que tenha sido a mensagem na época, sua memória de detalhes reais desaparecerá rapidamente - deixando você na melhor das hipóteses boas lembranças de um dia agradável e interessante.

A memória episódica é altamente contextual - as memórias episódicas são associadas às experiências sensoriais e emoções que experimentamos à época da sua aquisição. Então, quando relembramos nosso curso, lembramos do ar-condicionado defeituoso, do almoço maravilhoso, dos artigos de papelaria sofisticados. Irritantemente, podemos lembrar essas coisas mais fortemente do que realmente queremos lembrar. Os professores provavelmente já tiveram essa experiência com as aulas. Quando os professores pedem aos alunos que se lembrem do que estavam aprendendo no dia anterior, eles lembram todo tipo de coisa: que você usou Post-it Notes, que Maria estava atrasada, que você serviu café e que Pedro fez uma piada hilária. O conteúdo real da lição? Memórias disso são muito mais fracas.

Essas pistas sensoriais e emocionais são acionadas quando tentamos recuperar uma memória episódica. O problema é que, às vezes, os alunos lembram das tags contextuais, mas não do aprendizado real. A memória episódica está tão ligada ao contexto que não serve para lembrar as coisas quando esse contexto não está mais presente. Isso significa que a memória episódica tem sérias limitações em termos de sua utilidade como principal estratégia para educar as crianças, pois tudo o que é lembrado está tão ligado ao contexto em que foi ensinado. Isso não cria uma aprendizagem flexível e transferível que possa ser exercida em diferentes contextos e circunstâncias. No entanto, é essa transferibilidade que é o pré-requisito essencial para a criatividade e o pensamento crítico.

Felizmente, também temos a memória semântica. A memória semântica não tem as limitações da memória episódica. As memórias semânticas são livres de contexto. As memórias semânticas foram liberadas do contexto espacial/temporal  e emocional em que foram adquiridas pela primeira vez. Depois que um conceito é armazenado na memória semântica, ele é mais flexível e transferível entre diferentes contextos. A memória semântica é central, portanto, para o aprendizado de longo prazo, aprendizado que pode ser usado em novos contextos para resolver problemas inesperados. Memória semântica é o que usamos quando resolvemos problemas ou somos criativos. Isso envolve a aplicação de algo aprendido em um contexto a outro contexto novo. As memórias episódicas, por outro lado, não são flexíveis e não são transferidas facilmente, porque estão ancoradas em detalhes.

Isso explica a frustração que os professores sentem no início de cada ano escolar, quando as crianças parecem não ter absolutamente nenhuma pista do que deveriam ter aprendido no ano anterior. Não é que o professor anterior tenha mentido ou se iludido ao dizer que as crianças entenderam frações. O professor anterior apenas não havia percebido que esse entendimento ainda não estava consolidado na memória semântica e ainda era altamente dependente da memória episódica. Era, portanto, altamente dependente de fortes pistas contextuais para ser lembrado. Mude a criança para uma sala de aula diferente, com um professor diferente, sentado ao lado de colegas de classe diferentes e, sem o contexto familiar, e o aprendizado simplesmente não poderá ser lembrado. Isso é mau o suficiente quando as crianças mudam de uma classe para outra, mas o problema é grandemente amplificado quando as crianças mudam de escola, como passar da escola primária para a secundária. Aqui o contexto é imensamente diferente, prédio diferente, caminho diferente para a escola, uniforme diferente. Muito do que era familiar, se foi. Não é de admirar que os professores secundários geralmente pensem que os professores primários superestimam o que seus ex-alunos sabem. Com tanto contexto familiar removido, apenas o que tiver sido armazenado com segurança na memória semântica poderá ser transferido para a vida no ensino médio.

A formação de memórias semânticas requer trabalho e prática. Diferentemente das memórias episódicas, elas não simplesmente "acontecem". Se você quer se lembrar de algo, precisa pensar sobre isso, não apenas experimentá-lo. O psicólogo cognitivo Daniel Willingham explica que “a memória é o resíduo do pensamento”. Quanto mais você pensa sobre algo, maior a probabilidade de se lembrar desse conteúdo. Portanto, os professores precisam garantir que as aulas ofereçam aos alunos a oportunidade de pensar nas coisas que realmente queremos que lembrem, em vez de outras coisas estranhas. Precisamos que eles pensem na mensagem da lição, e não no meio que usamos para ensiná-la. É aqui que as lições "divertidas" podem impedir involuntariamente a aprendizagem. Se o meio escolhido para ministrar a lição é muito intrusivo, é nele que os alunos focam, e não no que quer que seja, realmente queremos que eles aprendam. Por exemplo, lembro-me de alguém sugerindo o uso de pistolas de água para ensinar as crianças sobre ângulos. Esta não é uma sugestão sem algum mérito. Gosto particularmente da maneira como aqui o ângulo é ensinado verticalmente como trajetória, e não apenas horizontalmente, como é mais comum em papel, lápis e transferidor. Talvez o autor desta sugestão seja um professor muito mais habilidoso do que a maioria. Mas não consigo deixar de pensar que muitas crianças estariam pensando mais em oportunidades de acidentalmente esguicharem Joãozinho de propósito do que na natureza de ângulos agudos. Mesmo uma atividade menos aventureira - um jogo de matemática, por exemplo - corre o risco de estimular as crianças a pensarem mais sobre as regras do jogo do que sobre a matemática real. Isso não constitui um problema quando um professor decidir sacrificar uma lição para aprender as regras de um jogo que será usado repetidamente ao longo do ano. Mas isso é altamente problemático se os professores não estiverem atentos às possibilidades de que eles possam estar involuntariamente sabotando o aprendizado, tornando o meio de aprendizado mais proeminente do que a mensagem real. Quando os professores planejam as aulas, precisam estar atentos ao que as crianças vão pensar durante cada parte da aula, e não ao que elas estarão sentindo ou fazendo. Planejamos atividades que garantam que as crianças pensem bem nas coisas certas? Caso contrário, não é surpreendente quando as crianças se lembram muito pouco além dos limites dessa lição específica.

Alguns tipos de atividades envolvem reflexão, mas nem sempre sobre as coisas centrais que queremos que as crianças entendam. Por exemplo, fazer experimentos científicos práticos envolve muito planejamento, o que fazer em seguida, monitorar o que está acontecendo etc. De fato, os elementos práticos requerem tanta energia mental que podem não restar muitos recursos cognitivos para realmente pensar nos conceitos que o experimento deve transmitir. Quando o Ofsted, o Escritório Britânico de Padrões em Educação, investigou o ensino de ciências nas escolas primárias, descobriu que muitas escolas tentavam erroneamente ensinar os conceitos de ciência quase inteiramente por meio de experimentos práticos:

"O equívoco aqui é que 'trabalhar como um cientista' se torna o mecanismo para o ensino de conhecimentos e conceitos. No entanto, abordar o ensino de ciências dessa maneira leva a um problema recorrente em que os alunos se envolvem nessas lições mais com o experimento memorável do que com o conhecimento subjacente que deveriam aprender. Por exemplo, quando os inspetores interrogavam os alunos durante as visitas, os mesmoss conseguiam se lembrar facilmente da tarefa realizada, mas tinham dificuldades para explicar como os processos que estavam investigando realmente funcionavam."

O que não quer dizer que as crianças não devam fazer experimentos científicos, mas que os professores precisam estar cientes de que é improvável que os alunos obtenham entendimento dos conceitos científicos, a menos que os experimentos sejam conduzidos depois que esses conceitos já foram ensinados. Uma vez que os conceitos científicos estejam consolidados, as crianças são muito mais capazes de realmente "pensar como cientistas", com o benefício adicional de que a atividade prática consolida a compreensão do aprendizado anterior.

O mesmo vale para atividades que exigem que as crianças pesquisem informações por conta própria. Se isso for feito como uma maneira de obter informações em primeira instância, é improvável que o esforço cognitivo de localizar as informações corretas deixe poucos recursos de processamento para as crianças realmente se lembrarem muito do que descobriram. As crianças vão pensar sobre onde podem encontrar o que precisam descobrir e se o que estão lendo é relevante, em vez de realmente pensar no que descobrirem. Se lembrar o que foi descoberto é importante - e presumivelmente é,ou então por que perder tempo descobrindo isso - os professores precisam ter em mente que será necessário gastar tempo extra, antes ou depois das atividades de pesquisa, refletindo sobre os conteúdos encontrados.

Esse problema surge mais uma vez no ensino de matemática através da resolução de problemas. Alguns professores acreditam que tarefas enriquecidas, como investigações em que as crianças descobrem relacionamentos por si mesmas, são uma maneira muito melhor de ensinar do que instruir explicitamente às crianças como fazer as coisas. Descobrir é visto como mais criativo, exigindo mais imaginação, mais interessante e, portanto, muito mais provável que as crianças realmente entendam a matemática conceitualmente, em vez de apenas regurgitar um procedimento. No entanto, embora as tarefas enriquecidas tenham seu lugar, elas são completamente inadequadas para o estágio inicial de aprendizado, quando as crianças encontram um conceito pela primeira vez. Se queremos que os nossos filhos se tornem solucionadores críticos e independentes de problemas, precisamos ensiná-los com cuidado e explicitamente para que a memória semântica possa começar a se formar. Por mais intuitivo que pareça, as crianças não se tornam solucionadoras independentes de problemas, resolvendo problemas de maneira independente. Isso ocorre porque quando as crianças estão tentando resolver problemas antes de saberem a matemática necessária para isso, gastam considerável energia mental rastreando o que devem resolver com relação ao que descobriram até agora, tanto que, mesmo quando eles tiverem sucesso, terão esquecido o que realmente fizeram a caminho de finalmente encontrar a resposta!

Há muita pesquisa que mostra que o ensino é muito mais eficaz quando o professor explica explicitamente o material em etapas pequenas e cuidadosamente pensadas, dando às crianças muitas oportunidades de praticar antes de avançar para o próximo pequeno passo. Isso é particularmente verdadeiro na fase inicial da aprendizagem de aquisição de conhecimento. Por exemplo, consulte os "Princípios da Instrução" de Barak Roshenshine, "No que consiste o ensino ótimo" de Coe e cols., ou "O que funciona: práticas baseadas em evidência  para melhorar o desempenho acadêmico na Nova Gales do Sul", do Centre for Education and Statistics of New South Wales, Australia.

Mesmo que as lições se dividam em pequenos passos e envolvam as crianças pensando muito sobre as coisas certas, os professores ainda podem ter a seguinte experiência muito familiar. No final de uma sequência de lições sobre um tópico específico, um professor sente-se razoavelmente confiante de que a maior parte da classe aprendeu a fazer o que quer que estivesse aprendendo - o algoritmo espacial para aprender as operações de multiplicação com números de vários algarismos, por exemplo. As crianças podem ter um desempenho razoável em uma avaliação no final da unidade. No entanto, quando o tópico é revisitado algumas semanas depois, não apenas as crianças não se lembram de como usar o algoritmo espacial, mas também nãose lembram de ter ouvido falar dele antes! Essa situação pode deixar os professores desanimados e se perguntando onde erraram.

A menos que os professores planejem oportunidades para revisar os conceitos novamente mais tarde, em algum momento bem posterior à aprendizagem do conceito, é provável que a memória semântica ainda não seja forte o suficiente para fazer o trabalho que precisamos. Precisamos multiplicar as oportunidades que os alunos têm para pensar muito sobre as coisas importantes que queremos que eles aprendam. Estamos dando aos alunos a oportunidade de pensar sobre os conceitos em um ambiente menos contextualizado? Não é tão difícil utilizar o algoritmo espacial no meio de uma lição em que o professor recém modelou como fazê-lo. Para construir uma forte memória semântica, os alunos precisam de oportunidades para fazer as coisas quando o ensino específico de como fazê-las é menos recente. Eles também precisam de oportunidades para realizá-las quando menos pistas contextuais são fornecidas. Quando, por exemplo, eles não foram informados: "para resolver isso, você precisará multiplicar usando o algoritmo espacial".

Nas aulas, os professores fornecem todos os tipos de pistas e sugestões, garantindo que as crianças dão as respostas certas. Isso é bom como um primeiro passo, mas, a menos que os professores também tenham estratégias que permitam que os alunos superem a mera execuçào das tarefas, pouco poderá realmente ser mantido a longo prazo. Em um artigo de 2015 na Perspectives on Psychological Science, Nicholas Soderstrom e Robert Bjork explicam a diferença entre desempenho e aprendizado. Desempenho é o que podemos ver acontecendo durante o ensino. Aprender, por outro lado, é algo invisível que se passa na cabeça das crianças. Não podemos observar a aprendizagem, apenas podemos inferir. Frustrantemente, o desempenho atual é um péssimo guia para saber se o aprendizado realmente aconteceu ou não. Professores correm o risco de serem enganados pelo desempenho atual e pensarem que ocorreu uma mudança na memória semântica de longo prazo (também conhecida como aprendizado).

Não é incomum as pessoas discordarem dessa ênfase na construção da memória semântica. Às vezes as pessoas argumentam "mas não me lembro de nada que aprendi na escola". Quando as pessoas dizem isso, o que geralmente querem dizer é "não tenho fortes lembranças episódicas de como aprendi coisas específicas na escola". Isso é realmente uma coisa boa pelo qual eles deveriam ser gratos. Não queremos ter que lembrar o contexto ao lado do conteúdo - isso realmente impediria nossa capacidade de pensar. Não temos lembranças de como aprendemos muito do que aprendemos na escola e, no entanto, dispomos do conhecimento. Isso ocorre porque a memória episódica da lição real desapareceu há muito tempo, enquanto a memória semântica formada por pensar muito sobre o conteúdo - embora talvez com certa relutância na época - perdure. É por isso que as pessoas sabem sobre triângulos e oxigênio, Anne Boleyn e Henry VIII, números quadrados e formação de lagos, mistura de cores e Lady Macbeth. As pessoas se lembram de como aprenderam sobre essas coisas? Provavelmente não, ainda assim elas dispõem do conhecimento (ou de quase todo) e, embora uma pessoa não pense na formaçào de lagos há décadas, apenas à sua menção, a memória vem sem esforço. Essa é a beleza da memória semântica. A memória semântica não é, e não precisa ser, amarrada aos detalhes circunstanciais da memória episódica. Não precisamos ter boas lembranças de sentar em rodinha no tapete, enquanto a professora nos contou tudo sobre triângulos para saber sobre triângulos. Você tem, como Solomon Kingsnorth tão gloriosamente disse, "um guia turístico privado do universo, vivendo dentro do seu cérebro", o qual é instantaneamente disponível.

O que você conhece molda o que vê. Você ou eu podemos olhar para uma montanha e apenas ver ... uma montanha. Um geólogo pode olhar para as montanhas de maneira bastante diferente, assim como um ciclista em super forma. Um vê a montanha como nós, mas também vê formações rochosas, o outro estima a marcha que precisa engatar para subir. Ter uma memória semântica ricamente abastecida é, como Ian Leslie colocou no livro "Curious", ter acesso a "uma realidade aumentada, tudo o que você vê é coberto por camadas adicionais de significado e possibilidade".

Se você conhece o tipo de coisas listadas acima - Anne Boleyn e Henry VIII, ou a formação de lagos, por exemplo - você é privilegiado pelo conhecimento. Você teve a oportunidade de pensar muito sobre coisas que você não conhecia e, portanto, tem um vasto repositório de memória semântica disponível, prontamente disponível sempre que você quiser. No entanto, é fácil demais ignorar esse privilégio e subestimar amplamente o quanto sabemos de fato e quanto nossa educação nos beneficiou. Como não nos lembramos como aprendemos o que sabemos, não nos lembramos do esforço investido em ensinar. Podemos supor que as coisas realmente importantes que conhecemos foram aprendidas depois que saímos da escola, sem perceber que foram as memórias semânticas adquiridas na escola que criaram as fundações sobre as quais pudemos construir tão proveitosamente mais tarde. Se as coisas não fossem assim, nossa capacidade de pensar teria diminuído bastante. Poderíamos ter ido a uma escola que achava mais importante fornecer experiências interessantes e emocionantes, e que, embora possa ter sido divertido, pode ter nos legado uma capacidade empobrecida de pensar ou ser verdadeiramente criativo, especialmente se nosso acesso ao conhecimento era limitado em casa. Precisamos tomar consciência do privilégio que foi o acesso ao conhecimento, antes de decidirmos impor nossas próprias agendas, tomando decisões que privem as crianças de sua parte justa da rica herança cultural que nosso mundo oferece e a que têm direito.

A memória episódica pode parecer, à primeira vista, a mais "humana" das duas formas de memória, a memória de pessoas, sentimentos e lugares que nos fazem ser quem somos. A memória semântica parece mais fria, mais robótica. No entanto, é nossa incrível capacidade de armazenar em nossa memória semântica o aprendizado adquirido culturalmente que nos torna tão bem-sucedidos como espécie. O principal objetivo da educação é construir uma poderosa memória semântica, transmitir o conhecimento acumulado ao longo dos séculos de uma geração para a outra; como ler e escrever, como as histórias funcionam, como usar o raciocínio matemático para resolver problemas, a ciência com seu incrível poder preditivo e a miríade de outros conceitos, idéias e práticas. Isso não quer dizer que construir memória semântica seja o único objetivo da educação. Queremos ajudar a formar indivíduos emocionalmente maduros e moralmente responsáveis. Isso envolverá pensar no tipo de lembrança episódica que tentamos construir para nossos filhos. Se tratarmos nossos filhos com bondade e respeito, eles terão lembranças episódicas de como foi ser tratado com bondade e respeito, o que torna mais provável que eles também tratem os outros com bondade e respeitem a si mesmos. Paralelamente à construção do capital cultural na memória semântica, devemos também construir capital social, moral e espiritual. Enquanto a construção da memória semântica desempenhará um papel importante nisso, o mesmo ocorrerá com o desenvolvimento da memória episódica, pois para essas dimensões vitais da experiência humana, recordar o contexto emocional talvez seja ainda mais crucial.

Isso tampouco significa que não deva ser almejado criar o tipo de experiências memoráveis ​​que tocam e movem, e assim por diante. Tais eventos especiais que pontuam a rotina diária da vida escolar são os festivais, os torneios, a festa do fim do ano letivo etc. Eles são especiais porque são pouco frequentes e exigem muitos recursos e são diferentes. Eles contrastam com a familiaridade cotidiana do feijão-com-arroz da vida escolar comum. Mas o cotidiano é o nosso principal objetivo.

Para que eu não crie mais mitos, deixe-me fazer algumas ressalvas.

Quando educamos crianças que têm experiência de vida limitada e que não têm memórias episódicas ricas, será ainda mais importante fornecer o tipo de experiências ricas - viagens à beira-mar, ao teatro e galerias de arte, para ver montanhas, cidades, florestas em primeira mão. Para muitas crianças, essa exposição é parte integrante da vida familiar. Para outras, a experiência além do contexto imediato é praticamente inexistente. Nesse caso, devemos tentar fornecer às crianças os tipos de experiência em primeira mão que ampliam os horizontes. As crianças muito pequenas, independentemente de seus antecedentes, por definição, têm uma experiência de vida menos rica; portanto, precisam de experiências mais memoráveis como uma espécie de pacote de boas-vindas ao mundo.

Também é importante não exagerar a separação entre memória episódica e semântica. Há um grau de sobreposição entre as duas. Elas não são compartimentos estanques. Por exemplo, em um experimento, as pessoas foram solicitadas a listar utensílios de cozinha. Primeiro, os participantes se baseavam no conteúdo de sua memória semântica, mas quando essa estratégia se esgotou, elas passaram a pensar especificamente em suas próprias cozinhas e a se lembrar do que havia lá. Elas Incrementaram sua lembrança da memória semântica com memórias episódicas específicas ao contexto.

Emoções fortes fazem as coisas ficarem na memória episódica, assim como a novidade. Portanto, realizar algum tipo de evento menos rotineiro, inovador ou emocionante para encerrar o aprendizado de algo pode complementar a memória semântica - uma viagem ao final de um projeto de trabalho, por exemplo. Voltando ao exemplo inicial de ensino do conceito de ângulo usando pistolas de água. Talvez fazer isso depois de uma série de lições mais tradicionais possa ser uma boa maneira de colher os benefícios de ambas as formas de memória. Da mesma forma, fazer experimento científico que prove um conceito aprendido é recomendável. Não se trata de uma escolha dicotômica simples entre sempre fazer apenas um ou outro. Tampouco é o caso de que a memória episódica seja de algum modo "ruim" ou inferior. É apenas diferente. É muito mais provável que a construção deliberada da memória semântica resulte em conhecimento duradouro, flexível e transferível do que colocar a maior parte de suas energias na cesta episódica. Por isso a formação de memória semântica deve ocupar a maior parte do tempo que as crianças passam na escola. Mas nem todos os momentos de todos os dias. Conhecer as limitações de ambas as formas de memória pode nos ajudar a fazer escolhas mais sábias e produtivas.


Clare Sealy trabalhou 30 anos como professora da escola primária, 22 dos quais como diretora da Escola Primária St Matthias em Tower Hamlets, no extremo leste de Londres. Recentemente, ela deixou a direção da escola para se tornar coordenadora de currículo e padrões em Guernsey. Ela tem um blog chamado PrimaryTimery. Seus interesses maiores interesses dizem respeito à aplicação da ciência cognitiva na sala de aula, repensando a avaliação para a aprendizagem e o desenvolvimento do currículo. Este artigo é baseado em um capítulo que ela escreveu para The ResearchEd Guide to Education Myths: An evidence-informed guide for teachers (John Catt Educational, 2019, $15, 160 pages).

Wednesday, September 25, 2019

AS CRIANÇAS APRENDEM SOZINHAS?

O pomo da discórdia entre as concepções "tradicional" e "progressista" da educação diz respeito ao papel do conhecimento, da instrução e da autoridade (Enkvist, 2014). A educação progressista nega veementemente a importância dessas três componentes do ensino. Vou fazer um breve comentário sobre o papel da instrução.

Existem vários construtivismos (Matthews, 2002). Se uma forma de construtivismo for criticada, nunca é a forma ideal. A forma criticada consiste apenas do "construtivismo real", que nunca chegou a ser implementado adequadamente, apesar de influenciar a formação pedagógica no Ocidente há mais de cinqüenta anos. 

E o que diz o construtivismo sobre a instrução? Uma boa idéia pode ser pegar no pé do Piaget. Vejam a citação de um artigo de 1953 do Piaget na Scientific American, apresentando seu trabalho para o público norte-americano. 

(Piaget, 1953, p. 74)

Ah, mas issso não era o que Piaget realmente pensava. Trata-se apenas de uma citação retirada de contexto. Não tem nada de citação tirada do contexto! Trata-se, nada mais, nada menos, do que o primeiro parágrafo de um artigo de divulgação através do qual ele pretendia introduzir suas idéias nos EUA.

Ah, mas Piaget estava bêbado nesse dia! Então não vale. Provavelmente Piaget vivia bêbado então, porque noutro dia ele escreveu que “each time one prematurely teaches a child something he could have discovered for himself the child is kept from inventing it and consequently from understanding it completely” (Piaget, 1970, p. 715). 

Poderíamos colecionar um monte de citações como essas duas, de Piaget e de seus discípulos. A verdade é que Piaget e o construtivismo dele derivado atribuem um grande valor à iniciativa da criança no processo de aprendizagem e desprezam o papel da instrução. Isso seria ótimo. Aprender por conta própria é bem mais divertido. Quando se consegue.

A questão que se coloca então é: "As crianças aprendem por conta própria?" A resposta é: depende de qual conteúdo/habilidade e de qual criança. Geary  (2008) introduziu uma importante distinção entre habilidades cognitivas biologicamente primárias e habilidades cognitivas biologicamente secundárias. A linguagem oral é uma habilidade primária. A criança desenvolve a linguagem oral à medida que convive com um comunidade de falantes. A linguagem oral não precisa ser ensinada. A criança é pre-motivada e pre-programada para "adquirir" a linguagem oral.

A linguagem escrita é um artefato cultural, inventado simultaneamente em vários pontos do Globo há cerca de 5000 anos, em um momento crucial da história evolutiva da Espécie. A criança não é pre-motivada e não é pre-programada para aprender a linguagem escrita. A aprendizagem da linguagem escrita depende de três a quatro anos de trabalho laborioso (Dehaene, 2009), para o qual não existe motivação intrínseca (Geary, 2008). A linguagem escrita é uma exaptação, um aproveitamento de mecanismos de processamento de informação evoluidos para implementar a linguagem oral e o processamento de padrões visuais complexos (Dehaene, 2009). 

Algumas crianças aprendem a linguagem escrita espontaneamente. A maioria necessita de instrução e treino. A aprendizagem de habilidades cognitivas biologicamente secundárias, tais como a língua escrita, depende do desenvolvimento de uma motivação cognitivamente mediada (Geary, 2008). Aprender a ler e escrever não é intrinsecamento motivador. Pode, até mesmo, ser bastante frustrante. As recompensas por aprender a ler e escrever são projetadas no futuro e a criança precisa regular seu comportamento por metas abstratas, projetadas em um futuro longínguo e incerto. Adquirir gosto pela leitura e escrita depende então do sucesso na tarefa. 

Todas as crianças aprendem a ler e a escrever espontaneamente, a partir da sua própria atividade e  suas hipóteses quanto às relações entre linguagem oral e escrita? Algumas sim. As mais inteligentes e estimuladas, as menos agitadas. E também aquelas que, apesar de terem deficiência intelectual, apresentam interesses e habilidades muito intensos e restritos, como se observa na hiperlexia (Ostrolenk et al. 2017). 

Aprender por conta própria é muito bacana e muito motivante, quando se consegue. O problema é que nem todas as crianças conseguem. Em dez anos no Ambulatório Número do LND-UFMG, nós atendemos 19 adolescentes com inteligência normal e cursando o final do Ensino Fundamental II, que eram analfabetos. Não tinham a menor idéia de que e como as letras representam os sons. E foram sendo promovidos ano após ano sem que ninguém se preocupasse em ensiná-los a ler. 

Algumas crianças têm dificuldades para aprender por conta própria devido às suas dificuldades intelectuais. Metade da população tem inteligência abaixo da média (Murray 2006). Mas as dificuldades temperamentais e sociais também desempenham um papel. P. ex., apesar de não ser considerado um transtorno de aprendizagem, o desempenho escolar de crianças com TDAH situa-se abaixo daquele das crianças típicas (Pondé et al., 2012). Isso se deve, provavelmente, ao fato de que as crianças com TDAH têm dificuldades para abrir mão de recompensas menores imediatas (brincar) em favor de recompensas maiores e abstratas, projetadas no futuro (passar no ENEM). 

O que dizem as pesquisas pedagógicas? Hattie (2009) realizou uma meta-síntese de mais de 800 estudos meta-analíticos sobre a eficácia dos métodos de ensino. A conclusão foi que as abordagens ao ensino caracterizadas por um componente instrucional são muito superiores às outras.

Ignorar isso, não adotando estratégias instrucionais de ensino, é colocar as crianças que têm dificuldades de aprendizagem em uma situação de tripla desvantagem: uma vez por terem dificuldades cognitivas, uma segunda vez por terem dificuldades de temperamento e uma terceira vez por serem pobres e não terem acesso à instrução. E por acesso à instrução eu não me refiro aqui simplesmente ao direito ou dever de freqüentar a escola, mas ao direito da criança ser instruída e ao dever dos professores instruirem.

A pedagogia não carece de evidências (Willingham, 2011). A dificuldade está em incorporar essas evidências à prática. A resistência, em grande parte, é política, inspirada em autores como Freire (1974), que insistem em instrumentalizar a pedagogia para a luta de classes. Um dos argumentos freqüentemente esgrimidos diz respeito à liberdade de cátedra. Uma pedagogia baseada em evidências representaria, segundo esssa perspectiva, um cerceamento à liberdade do professor. Pergunto então: O médico tem direito de ignorar as evidências científicas nas suas decisões diagnósicas e terapêuticas? 

Incorporar evidências à prática profissional não é trivial. Tem toda uma área do conhecimento que se dedica a isso, a pesquisa translacional. Nem sempre é possível fundamental integralmente a prática nas evidências. A prática baseada em evidências corresponde mais a uma postura ética, um objetivo a ser alcançado. As evidências nem sempre estão disponíveis ou são facilmente operacionalizáveis. Mas rejeitar as evidências a priori é uma forma de perversão. E os mais afetados são os mais pobres. Aqueles que dependeriam da escola para subir na vida.

Referências

Dehaene, S. (2009). Reading in the brain. the science of how we read. New York: Penguin.

Enkvist, I. (2014). Repensar a educação. São Paulo: Bunker.

Freire, P. (1974). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Gearcy, D. C. (2008). An evolutionary informed education science. Educational Psychologist, 43, 179-195.

Hattie, J. C. (2009). Visible learning. A synthesis of over 800 meta-analyses relating to achievement. London: Routledge.

Matthews, M. R. (2002).  Constructivism and science education: a further analysis. Journal of Science Education and Technology, 11, 121-134.

Murray, C. (2008). Real education. Four simple truths for bringing America’s schools back to reality. New York: Three Rivers.

Ostrolenk, A., Forgeot d'Arc, B., Jelenic, P., Samson, F,. Mottron, L. (2017). Hyperlexia: systematic review, neurocognitive modelling, and outcome. Neuroscieince and Biobehavioral Reviews, 79, 134-149.

Piaget, J. (1953). How children form mathematical concepts Scientific American, 189, 5, 74-79.

Piaget, J. (1970). “Piaget’s Theory,” in Mussen, P . (Ed.) Carmichael’ s manual of child psychology (vol. 1). New York: Wiley.
Pondè, M. P., Cruz-Freire, A. C., & Silveira, A. A. (2012). Relationship between learning problemas and attention deficit in childhood. Journal of Attention Disorders, 16, 505-509.

Willingham, D. T. (2011). Por que os alunos não gostam da escola? Respostas da ciência cognitiva para torar a sala de aula atrativa e efetiva. Porto Alegre: ARTMED.

Monday, September 16, 2019

Saturday, June 01, 2019

Vamos agitar?

Gosto de pensar que os principais fatores de risco ambientais para TDAH são: a) ser filho único; b) morar em apartamento; c) ter que aturar a escola. Pois não é que as pesquisas do Jaak Panksepp sobre a neurociência afetiva da brincadeira (PLAY) podem apoiar minha hipótese?

Panksepp propôs e investigou a estrutura anátomo-funcional de sete sistemas cerebrais responsáveis pelas emoções primárias (Panksepp e Biven, 2012). As emoções primárias constituem estratégias evolutivamente estáveis e são adaptativas no sentido de que: a) promovem a aprendizagem, conferindo valência afetiva aos eventossão integradas em estruturas subcorticais e b) promovem o desenvolvimento do neocórtex em interação com a experiência. A atividade dos sistemas emocionais primários se acompanha de manifestações rudimentares de consciência, comprovadamente observáveis em mamíveros, as quais cpodem constituir a origem de toda atividade mental.

Um dos principais sistemas emocionais primários identificados por Panksepp é o sistema responsável pela brincadeira social (PLAY). A ativação do sistema de PLAY promove a aprendizagem social, incluindo a formação e manutenção de vínculos, imprescindível para o funcionamento adaptativo de mamíferos na idade adulta.

Ratinhos exibem uma série de atividades lúdicas, muito semelhantes às brincadeiras turbulentas (rough-and-tumble play) observadas em crianças humanas (Panksepp & Biven, 2012). Essas brincadeiras são acompanhadas de vocalizações ultrasônicas de 50 kHz, denominadas de chirps. As chirps são interpretadas como uma expressão de bem-estar subjetivo dos animaizinhos. A freqüência e intensidade da emissão de chirps e da brincadeira turbulenta em ratinhos é preditiva do seu desempenho cognitivo na idade adulta. Veja um video mostrando o trabalho de Panksepp sobre a brincadeira e as chirps em ratinhos.


Lesões do córtex prefrontal direito em ratinhos promovem um aumento da emissão de chirps e da rough-and-tumble play (Panksepp et al., 2003). Os resultados dessas lesões do córtex prefrontal direito em ratinhos podem ser consideradas um modelo animal para o TDAH. Os estudos de neuroimagem mostram de forma consistente, que uma das principais alterações observáveis no TDAH humano é uma maturação cortical mais lenta (Shaw et al., 2007). Os modelos neurológicos mais antigos já propunham que a atividade "excessiva" poderia refletir uma falta de modulação cortical sobre estruturas subcorticais (Barkley, 2014).

Entretanto, o mais genial desse estudo do Panksepp é que uma hora de "ludoterapia" por dia, durante sete dias, reduziu os comportamentos agitados nos animaizinhos com lesões prefrontais (Panksepp et al., 2003).

Os resultados de Panksepp reforçam várias hipóteses: a) a brincadeira é importante para o desenvolvimento de mamíferos; b) a brincadeira promove o desenvolvimento do córtex prefrontal; c) talvez estejamos lidando de forma completamente errada com os comportamentos relacionados ao TDAH.

O que os pais e as escolas fazem quando a criança é agitada e não quer estudar? Geralmente os adultos tendem a administar algum aversivo para a criança, do tipo xingar, colocar de castigo etc. Essas coisas nunca funcionam. Se funcionassem, o problema não existiria.

Uma segunda alternativa, freqüentemente adotada, é utilizar alguma medicação estimulante dos circuitos dopaminérgicos no córtex prefrontal, tais como o metilfenidato. Isso faz mais sentido. Mas quais são as conseqüências a longo prazo do uso desse tipo de medicação? Até agora não apareceu nada de concreto e esses remédios são utilizados desde 1978. Mas, é importante não esquecer que todos os fármacos alteram os padrões de expressão gênica no organismo (Carrey e Wilkinsnon, 2011). Pode acontecer algum surpresa desagradável, lá pelas tantas.

Uma atitude prudente seria começar manejando comportamentalmente os comportamentos. Os resultados do Panksepp com a "ludoterapia" de ratinhos lesados fornece uma base biológica para essa recomendação. A experiência com o treinamento comportamental de pais indica que uma disciplina consistente e branda, associada a "recreios especiais" sistemáticos reduz significativamente os comportamentos hiperativos (Chacko et al., 2014). O uso de medicamentos poderia ser reservado para aqueles casos mais graves ou para situações nas quais a família não consegue implementar um programa de treinamento de pais.

Mas por que não promover, deliberadamente, a brincadeira turbulenta? Ela é muito importante para o desenvolvimento cortical de mamíferos. É importante considerar também que a brincadeira turbulenta é normativa, especialment na idade pré-escolar. Algumas crianças podem se comportar de forma agitada e desinteressada em relação à escola simplesmente porque ainda são imaturas e precisam brincar mais e não menos.

A agitação perturba os adultos. A escola é um inferno para os meninos agitados. Nos últimos anos a coisa só piorou porque estão querendo proibir os meninos de serem meninos (Sommers, 2001; veja um video com Christina Hoff Sommers, mostrando como as escolas estão combatendo a masculinidade). A expectativa pedagógica contemporânea é de que os meninos não se comportem mais de modo masculino. Ou seja, nada de lutinhas, de arminha, de polícia-e-ladrão, de guerrinha, de luta de travesseiros etc. A masculinidade virou tóxica e isso afeta mais os meninos agitados.


Fico me lembrando da infância dos meus filhos e da minha própria. Um dos meus filhos era bem agitado. Ele nunca tomou remédito porque na Hora H, a minha mulher não me deixava levá-lo ao médico, ou eu não a deixava levá-lo. Ele era especialista em agitar. Era muito divertido quando ele chegava para os irmãos e dizia assim: "Vamos agitar?". Não preciso dizer qual era o efeito. Mesmo assim, ou justamente por causa disso, hoje meus três filhos são jovens que se iniciam na vida adulta de forma adaptattiva, responsável, e creio eu, são felizes. Cada um à sua maneira.

Meu caso era o seguinte. Eu estudava no Grupo, que ficava a duas quadras da minha casa. A aula terminava às 12:00. Quando meu pai chegava em casa às 13 horas para almoçar, eu já tinha terminado o dever. Às 13:30, meu irmão e eu escapulíamos para o mato. Só voltávamos para casa à noite. Entre outras, nossas brincadeiras eram as seguintes: a) fazer casinha de Tarzan nas árvores; b) formar bandos rivais para uma guerra que nunca acontecia: c) tomar banho no lageado no inverno, ou na piscina da cidade no verão; d) dar tiro de carbureto; e) dar tiro de chumbinho nas vacas para vê-las corcovear; e) fazer circo; e) andar quilômetros de bicicleta; f) caminhar 13 Km até a cidade vizinha; g) invadir os terreiros alheios para furtar frutas; h) fazer rinha de cascudo etc. Pescar também era uma opção. Só que o meu irmão e o resto dos meninos fugiam de mim quando queriam pescar. Eles diziam que eu não parava de falar e, com isso, espantava os peixes. 

Certa vez, teve uma turma que tomou banho na caixa d'água do Grupo. Juro que eu não estava lá. Uma época, meu irmão pegou a mania de dar tiro com umas garruchas velhas, todas enferrujadas, que tinha lá em casa. Ele as carregava com pólvora e chumbinho pelo cano, socava bem e mandava bala. É fácil de perceber que eu não recomendaria algumas das nossas atividades para meus filhos ou meus alunos. Mas nós sobrevivemos. Acho que só não fui diagnosticado na época porque não tinha esse tal de TDAH. Mas, também, porque eu não parava em casa. Isso durou até a época em que eu peguei a mania de ler. Daí, eu não saia mais de casa.  

Referências

Barkley, R. A. (2014). History of ADHD. In R. A. Barkley (ed.) Attention-deficit hyperactivity disorder. A handbook for diagnosis and treatment (pp. 3-50). New York: Guilford.

Carrey, N., Wilkinson, M. (2011). A review of psychostimulant-induced neuroadaptation in  developing animals. Neuroscience Bulletin, 27, 197-214.

Chacko, A., Allan, C. C., Uderman, J., Cornwell, M.,Anderson, L., & Chimiklis, A. (2014). Training parents of youth with ADHD. n R. A. Barkley (ed.) Attention-deficit hyperactivity disorder. A handbook for diagnosis and treatment (pp. 513-536). New York: Guilford.
Sommers, C. H. (2001). The war against boys. How misguided feminism is harming our young men. New York: Simon and Schuster.
Panksepp, J. Biven, L. (2012). The archaeology of mind. Neuroevolutionar origins of human emotion. New York: Norton.

Panksepp, J., Burgdorf, J., Gordon, N.,Turner, C. (2003). Modeling ADHD-type arousal with unilateral frontal cortex damage in rats and beneficial effects of play therapy. Brain and Cognition, 52, 97–105.
Shaw, P., Eckstrand,, K., Sharp, W., Blumenthal, J., Lerch, J. P., Greenstein, D., Clasen, L., Evans, A., Giedd, J., Rapoport, J. L. (2007). Attention-deficit/hyperactivity disorder is characterized by a delay in cortical maturation.  Proceedings of the National Academy of Sciences, USA, 104, 19649-19654.

Friday, May 31, 2019

A neurociência afetiva de Jaak Panksepp

Jaak Panksep (1943-2017) foi um neuroscientista americano de origem estoniana, que cunhou o termo neurociência afetiva (Davis & Panksepp, 2017, Panksepp e Biven, 2012). Durante 50 anos, Panksepp investigou o comportamento emocional de diversos tipos de animais, usando métodos de estimulação elétrica cerebral, manipulações farmacológicas e lesões. A partir desse trabalho, ele desenvolveu uma teoria neurocientífica das emoões. A seguir resumo alguns dos fundamentos dessa teoria.


Emoções primárias são implementadas por sistemas cerebrais arcaicos, conservados em diversas espécies de vertebrados. Esses sistemas cerebrais correspondem a estratégias evolutivamente estáveis que promoveram a sobrevivência e reprodução no ambiente ancestral de diversas espécies.

Os sistemas mais arcaicos - presentes em répteis e, talvez, em peixes - são relacionados a SEEKING (exploração de recursos ambientais), LUST (identificação de parceiros potenciais e reprodução), RAGE (competição por e defesa de recursos) e FEAR (fuga e evitação de ameaças à integridade física).

Nos mamíferos evoluiram sistemas emocionais sociais relacionados a CARE (cuidado parental), PANIC (manutenção do contato e vínculos sociais) e PLAY (atividades sociais relacionadas à formação de vínculos). 

Cada uma dessas emoções é implementada por um sistema "arcaico" neuroanatomica e neuroquimicamente bem caracterizado e integrado no nível subcortical de organização do SNC. Pankepp utiliza letras maiúsculas para designar os nomes desses sistemas, de forma a indicar que se trata de um sistema neural específico, distinto do uso folk-psicológico dos termos relacionados a emoções.

A ativação de cada um desses sistemas corresponde a um estado de consciência, um sentimento, por mais primitivo que seja em mamíferos não-humanos. Tanto em humanos quanto em outros mamíferos, as evidências para a existência de sentimentos são indiretas. Em humanos, os sentimentos são expressados verbalmente. Nos outros mamíferos, a existência de sentimentos é inferida a partir de estudos com auto-estimulação elétrica, condicionamento de preferência ou aversão por locais e vocalizações específicas (1). 

Três níveis de consciência emocional podem ser diferenciados. Os processos primários correspondem a processos não-noéticos (não-cognitivos), provavelmente de caráter difuso e rudimentar, mas dotados de uma valência específica (positiva ou negativa). Os processos secundários são noéticos e se referem ao papel das amoções na aprendizagem por recompensa ou punição. Finalmente, os processos secundários são auto-noéticos e correspondem à capacidade auto-reflexiva dos humanos, dependente de uma linha do tempo mental que permite recuperar o passado, manter o presente (ainda que por alguns instantes) e antecipar o futuro, bem como refletir sobre os próprios pensamentos e sentimentos (Wheeler et al., 1997). 

A teoria não apenas propõe que os animais não-humanos são dotados de consciência e sentimentos, ela propõe também que as emoções estão na origem da consciência e de toda atividade mental. Os processos cognitivos são derivativos de processos emocionais arcaicos,  drivados dos sistemas accionais e implementados por estruturas subcorticais, os quais são integrados e elaborados de forma mais abstrata no córtex.

Os sistemas emocionais são inatos, mas também são sistemas adaptativos, que permitem a aprendizagem e promovem a fitness. As manifestações emocionais primárias são inatas no sentido de que sua expressão é independente da experiência prévia do organismo. A valência emocional permite a aprendizagem por meio de condicionamento, através do qual novos estímulos e eventos são associados a significados emocionais específicos.

As emoções primárias são integradas em níveis subcorticais. As manifestações emocionais persistem após decorticação em animais e podem ser eliciadas de forma seletiva por estimulação de localizações subcorticais ou manipulações farmacológicas específicas. Em humanos, há evidências de que crianças com malformações graves do neoencéfalo exibem manifestações emocionais primárias (Shewmon et al., 1999). A propósito, as manifestações emocionais de uma criança com uma malformação neocortical grave foram registradas pela família em um blog. As fotos do sorriso social da menina são enternecedoras.

Panksepp considera também que, ao nascimento, o neocórtex é uma tabula rasa. Essa afirmação precisa, na minha opinião, ser reformalda. Panksepp baseia sua afirmação em evidências obtidas por Sur de que o neocórtex visual e auditivo pode ser reorganizado em função de transposições das vias sensoriais correspondentes ao nascimento (Sur e Rubinstein, 2005). Por outro lado, há evidências de que a celularidade e conectividade do neocórtex sofrem influências de um protomapa genético que especifica padrões relativamente específicos de organização (Rakic, 2009). As evidências indicando tanto plasticidade quanto um protomapa do desenvolvimento neocortical indicam que esse processo ocorre de forma epigenética. Ou seja, o desenvolvimento do neocórtex é um processo resultante da interação entre uma blueprint genética e a experiência.

A abertura relativa do desenvolvimento neocortical à experiência tem conseqüências importantíssimas. Correspondendo ao processo de neotenia, o cérebro humano nasce relativamente imaturo. As últimas etapas do desenvolvimento cerebral, relacionadas, principalmente, ao estabelecimento da arquitetura cortical (celularidade e conecitividade) ocorrem após o nascimento. Dessa forma, são susceptíveis não apenas a variações interindividuais genéticas mas também experienciais. 

Ou seja, a experiência e a cultura influenciam o desenvolvimento do neocórtex. Isso pode explicar porque é tão difícil detectar a assinatura neural das emoções primárias em humanos através dos métodos de relato verbal ou de neuroimagem atualmente disponíveis (Barrett, 2017). 

Então, segundo a narrativa de Panksepp, as emoções são implementadas por sistemas neurais inatos, de origem filogenética muito antiga, os quais são implementados por estruturas subcorticias. Mas, apesar de corresponderem a estratégias evolutivamente estáveis, ou justamente por causa disso, os sistemais emocionais são adaptativos. Um função importante das emoções é conferir valência emocional aos novos eventos, permitindo a aprendizagem associativa. 

A intensa evolução da socialidade em mamíferos e do neocórtex em primatas, principalmente humanos, confere possibilidades de refinamento, regulação mais reflexiva da atividade emocinal, sob a forma de sentimentos nuançados. O controle cortical permite refinar e expressar ou não os sentimentos, direcionando sua expressão de forma estratégica, promotora da fitness.

Finalmente, ocorrem variações interindividuais na expressão desses sistemas emocionais, as quais emergem a partir de complexas interações epigenéicas (Montag et al., 2016). Essa variabilidade interindividual pode estar na origem das diversas manifestações psicopatológicas.

Segunda essa perspectiva, as diversas entidades psicopatológicas podem ser concebidas como redes de endofenótipos emocionais. Ou seja, como redes de fenótipos intermediários epigeneticamente desenvolvidos que influenciam de forma estável ao longo do ciclo vital padrões de expressividade emocional e susceptibilidade a eventos estressores (Burgdorf et al., 2011, 2017). O estudo das bases neurais desses sistemas emocionais está contribuindo para uma melhor compreensão da fisiopatogenia e nosologia das doenças mentais e desenvolvimento de tratamentos biológicos mais eficientes (processos emocionais primários). Ao mesmo tempo, a teoria fundamenta as práticas psicoterápicas baseadas em estratégias comportamentais de condicionamento (processos emocionais seduncários) e de reestruturação cognitiva (processos emocionais terciários).


(1) Uma dos assuntos mais interessantes investigados por Panksepp são as vocalizações ultrasônicas de 50 Khz ou chirps, emitidas por roedores em situações com valência emocional negativa ou, principalmente, positiva (Burgdorf et al., 2011, 2017). Quando separados da mãe, os bebês roedores emitem vocalizações de distress, as quais são atenuadas por baixas doses de opióides. Quando estão brincando, sendo acariciados ou recebendo cosquinhas, os filhotes emitem risinhos ultrasônicos. A freqüência desses risinhos ultrasônicos é preditiva do desempenho cognitivo na idade adulta.


Referências

Barrett,  L. F. (2017). The theory of constructed emotion: an active inference account of interoception and categorization. Social, Cognitive and Affective Neuroscience, 12(11):1833. (doi: 10.1093/scan/nsx060..

Burgdorf, J., Panksepp, J., Moskal, J. R. (2011). Frequency-modulated 50 kHz ultrasonic vocalizations: a tool for uncovering the molecular substrates of positive affect. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 35, 1831-1836.

Burgdorf J., Colechio E.M., Stanton P., Panksepp J..  (2017). Positive Emotional Learning Induces Resilience to Depression: A Role for NMDA Receptor-mediated Synaptic Plasticity. Current Neuropharmacology, .15, 13-10.

Davis, L. K. Panksepp, J. (2017). The emotional foundations of personality: a neurobiological and evolutionary approach. New York: Norton.

Panksepp, J. Biven, L. (2012). The Archeology of Mind. New York, NY. 
Rakic, P. (2009). Evolution of the neocortex: a perspective from developmental biology. Nature Reviews Neuroscience, 10, 1724-1735.
Montag C, Hahn E, Reuter M, Spinath FM, Davis K, Panksepp J. The Role of Nature and Nurture for Individual Differences in Primary Emotional Systems: Evidence from a Twin Study. PLoS One. 2016 Mar 21;11(3):e0151405. doi: 10.1371/journal.pone.0151405.
Shewmon, D. A., Homes, G. L., Byrne, P. A. (1999). Consciousness in congenitally decorticate children: developmental vegetative state as self-fulfilling prophecy. Developmental Medicine and Child Neurology, 41, 364-374.
Sur, M., Rubinstein, J. L. (2005). Patterning and plasticity of the cerebral cortex. Science, 310, 805-810.
Wheeler, M. A., Stuss, D. T., Tulving, E. (1997). Toward a theory of episodic memory: the frontal lobes and autonoetic consciousness. Psychological Bulletin, 121, 331-354.