Thursday, March 08, 2018

O QUE FAZER QUANDO OS MENINOS COM DISLEXIA CHUTAM O BALDE?

Certa vez eu atendi um estudante universitário com dislexia. Lá pelas tantas o moço se queixou que o pai dele havia "chutado o balde", que o pai "não estava mais nem aí pra ele". Que antes o pai o acompanhava e pagava os tratamentos para ele e que agora, além de não querer mais pagar, o pai nem se dispunha a acompanhá-lo na consulta.

Aí eu ponderei com o jovem: "Quanto o seu pai gasta com você por mês?" E ele foi me contando que ele morava com o pai, que o pai lhe pagava a faculdade e o seguro saúde, que o pai lhe dava dinheiro para transporte, refeições na faculdade, roupas etc. Aí nós fomos fazendo as contas e vimos que o pai gastava facilmente alguns milhares de Reais por mês com o filho com o qual supostamente não se importaria. Quem é pai sabe o quanto os filhos universitários custam...

A história desse jovem exemplifica um desfecho muito comum em indivíduos que apresentam dificuldades persistentes de aprendizagem desde a idade escolar. Lá pelas tantas, eles começam a ficar frustrados, desanimados ou então revoltados. Alguns realmente chutam o balde. Outros não querem mais saber de psicóloga, psicopedagoga, fonoaudióloga etc. nem pintadas de ouro na frente deles.

O que fazer com esses jovens? Como tratá-los? Uma das questões mais difíceis é decidir o momento de passar de uma abordagem restituidora para uma abordagem compensatória nas intervenções

O tratamento da dislexia  (e da discalculia também) deve se basear inicialmente em uma filosofia de restituição ou aquisição funcional. O objetivo é melhorar a acurácia e a fluência de leitura no caso da dislexia Ou a memorização dos fatos aritméticos no caso da dislexia.

Só que lá pelas parece que o desempenho bate num teto. Que apensar do esforó hercúleo as melhoras não ocorrem ou tornam-se muito lentas e laboriosas. Nessa hora pode ser prudente transicionar para uma abordagem compensatória.

A abordagem compensatória à dislexia pode envolver, por exemplo, o uso crescente de videoaulas ou audiolivros. Quando eu não sei alguma coisa, vou na Wikipedia.. Para mim a Wikipedia é o amansa-burro universal. Muitos jovens nem conhecem a Wikipedia. Quando eles querem saber de alguma coisa vão no YoTube: "Ah eu tenho prova de cálculo amanhã.Vou ver se alguma aula maneira no YouTube".

Que evidências existem quanto à eficácia dessas estratégias compensatórias? Poucas mas promissoras. Um estudo conduzido por Milani e cols. (2009) é ilustrativo. Trata-se, praticamente, de um estudo piloto no qual os autores observaram efeitos benéficos do uso de audiolivros em adolescentes com dislexia.

Quarenta adolescentes foram aleatorizados em dois grupos, um grupo que recebeu audiolivros e outro grupo que continuou com o "tratamento habitual". Os meninos do grupo experimental recebiam audiolivros das matérias escolares e podiam escolher um audiolivro de ficção da sua preferência. Os meninos do grupo controle recebiam livros tradicionais. O uso do material foi acompanhado por telefone ao longo de onze meses.

O uso de audiolivros não melhorou o desempenhoias nas matérias escolares. Mas houve uma melhora importante na acurácia e fluência de leitura (vide Figura 1 de Milani et al., 2009).

O resultado mais interessante foi observado no comportamento, avaliado pelo CBCL (vide Figura 3 de Milani et al., 2009). Houve uma redução acentuada na intensidade de sintomas externalizantes relatados pelos pais.


O estudo de Milani e cols. (2009) é simplesinho, mas animador. Pode ser considerado apenas um estudo piloto. Mas sugere que as estratégias compensatórias no tratamento da dislexia pode ser benéficas e desempenhar um papel ao menos no que se refere à motivação.

Referência

Milani A, Lorusso ML, Molteni M. The effects of audiobooks on the psychosocial adjustment of pre-adolescents and adolescents with dyslexia. Dyslexia. 2010 Feb;16(1):87-97. doi: 10.1002/dys.397.


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