O termo anosognosia foi proposto por Babinski em 1914 para se referir ao fato de que muitos pacientes neurológicos, principalmente aqueles com lesões hemisféricas à direita, apresentam dificuldades para perceber conscientemente seus déficits. Uma das manifestações mais freqüentes de anosognosia é a impercepção da hemiplegia (geralmente esquerda), a qual foi descrita por Pick (1898) e posteriormente discutida por Anton (1899).
Manifestações de anosognosia, tais como a impercepção da hemiplegia, constituem geralmente um obstáculo ao processo de reabilitação neurológica. O uso de compensações ou exercícios funcionais requer a colaboração e motivação do paciente e, portanto, um certo grau de percepção do déficit.
Trabalhando na Universidade da Saúde em Toyoake, Japão, Miashita e cols. (1997) relataram os correlatos clínicos, neuropsicológicos e neurorradiológicos da impercepção da hemiplegia esquerda em pacientes com lesões hemisféricas hemorrágicas de localização subcortical.
Cinqüenta pacientes participaram do estudo (15 do sexo feminino), todos com lesões hemisféricas hemorrágicas à direita e atendidos até 30 dias após a instalação do íctus. A média de idade foi igual 58,2 anos (dp=10,6 anos). Todos os pacientes eram destros. A hemorragia foi localizada no putâmen em 28 casos e no tálamo em 22 casos.
Além de realizarem tomografia computadorizada do encéfalo e exame neurológico, os pacientes foram submetidos a uma mini-bateria de exame neuropsicológico e a um questionário sobre impercepção da heminegligência. Os testes neuropsicológicos utilizados foram: Mini-exame do Estado Mental; fluência verbal; digit span (ordem direta e inversa); teste Kana-hiroi (um teste de busca visual em que os 61 alvos são as cinco vogais japonesas apresentadas em meio a um texto narrativo com 406 letras). O diagnóstico de heminegligência visoespacial foi feito com base nos testes de bissecção de linhas, cancelamento de linhas e cópia de figuras, usando um critério que privilegiava a sensibilidade.
O questionário neuropsicológico utilizado para diagnosticar a impercepção da hemiplegia utilizou as seguintes questões: Você está com algum problema?; Por que você veio para cá?, Você está com alguma paralisia?; Você pode mover seus braços e suas pernas?; Por que você não está movendo esta mão ou pé (apontando para a parte paralisada do corpo)? A anosognosia foi considerada presente sempre que os pacientes negassem a paralisia, alegassem que não havia qualquer coisa de errado com eles, ou simplesmente dissessem que não estavam com vontade de mover o membro paralisado.
Dos 50 casos, a anosognosia foi diagnostica em 12 (24,0%). Em 9/28 casos com hemorragia putaminal foi observada anosognosia, enquanto 3/22 casos com hemorragia talâmica apresentaram anosognosia.
Não foi encontrada qualquer associação entre a presença de anosognosia e idade, sexo, modalidade de tratamento (cirúrgico ou conservador). Tampouco foram observadas associações entre a presença de anosognosia e o desempenho nos testes neuropsicológicos, considerando inclusive a presença de heminegligência ou apraxia construtiva.
O tempo médio decorrido entre o início do íctus e a avaliação comportamental foi igual a 22.26 dias para o grupo com anosognosia (dp=8.8) e 16.36 dias para o grupo sem anosognosia (dp=8.6, p < 0,05 pelo teste U de Mann-Whitney).
Do ponto de vista neurorradiológico foi observado que 1) as lesões dos pacientes com anosognosia comprometiam o membro anterior e joelho da cápsula interna, e 2) o volume de sangue era maior nos pacientes com anosognosia (média=48,2 ml, dp=27,2 ml) do que nos pacientes sem anosognosia (média=19,3 ml, dp=18,1 ml, p<0,05 de acordo com o teste U de Mann-Whitney).
A presença de anosognosia interferiu significativamente no processo de recuperação funcional dos pacientes. Para os casos com anosognosia a duração média de interação foi igual a 22,1 dias (dp=9,3 dias), enquanto os pacientes sem anosognosia tiveram alta em média após 13,6 dias (dp=11,7 dias). As atividades da vida diária foram avaliadas por meio do índice de Barthel, sendo o mesmo igual a 65.0 em média para os pacientes com anosognosia (dp=30,3) e igual a 85,0 em média para os pacientes sem anosognosia (dp=20.6, p<0,05 de acordo com o teste U de Mann-Whitney). Trinta e seis pacientes foram observados no follow-up. A anosognosia havia desaparecido após três meses em todos os casos.
Comentário: O estudo é de natureza eminentemente clínica, caracterizando-se pela sua simplicidade e relevância das informações obtidas. A impercepção da hemiplegia pode ser observada em até cerca de um quarto dos pacientes com hemorragias hemisféricas subcorticais à direita. A extensão do sangramento foi o único fator associado com o surgimento de anosognosia. A presença de anosognosia revelou-se um fator prognóstico na recuperação funcional. Os pacientes com anosognosia demoraram mais tempo a receber atenção neuropsicológica, necessitaram de tempos mais longos de hospitalização e apresentaram menos autonomia no que se refere ao funcionamento cotidiano. O desaparecimento dos sintomas de impercepção após três meses em cerca de 2/3 dos casos sugere que, ao menos quando causada por hemorragia, a presença de anosognosia tem maior potencial para interferir na fase aguda do processo de reabilitação.
Referência Bibliográfica
Maeshima, S., Dohi, N., Funahashi, K., Nakai, K., Itakura, T. & Komai, N. (1997). Rehabilitation of patients with anosognosia for hemiplegia due to intracerebral hemorrhage. Brain Injury, 11, 691-697.
Manifestações de anosognosia, tais como a impercepção da hemiplegia, constituem geralmente um obstáculo ao processo de reabilitação neurológica. O uso de compensações ou exercícios funcionais requer a colaboração e motivação do paciente e, portanto, um certo grau de percepção do déficit.
Trabalhando na Universidade da Saúde em Toyoake, Japão, Miashita e cols. (1997) relataram os correlatos clínicos, neuropsicológicos e neurorradiológicos da impercepção da hemiplegia esquerda em pacientes com lesões hemisféricas hemorrágicas de localização subcortical.
Cinqüenta pacientes participaram do estudo (15 do sexo feminino), todos com lesões hemisféricas hemorrágicas à direita e atendidos até 30 dias após a instalação do íctus. A média de idade foi igual 58,2 anos (dp=10,6 anos). Todos os pacientes eram destros. A hemorragia foi localizada no putâmen em 28 casos e no tálamo em 22 casos.
Além de realizarem tomografia computadorizada do encéfalo e exame neurológico, os pacientes foram submetidos a uma mini-bateria de exame neuropsicológico e a um questionário sobre impercepção da heminegligência. Os testes neuropsicológicos utilizados foram: Mini-exame do Estado Mental; fluência verbal; digit span (ordem direta e inversa); teste Kana-hiroi (um teste de busca visual em que os 61 alvos são as cinco vogais japonesas apresentadas em meio a um texto narrativo com 406 letras). O diagnóstico de heminegligência visoespacial foi feito com base nos testes de bissecção de linhas, cancelamento de linhas e cópia de figuras, usando um critério que privilegiava a sensibilidade.
O questionário neuropsicológico utilizado para diagnosticar a impercepção da hemiplegia utilizou as seguintes questões: Você está com algum problema?; Por que você veio para cá?, Você está com alguma paralisia?; Você pode mover seus braços e suas pernas?; Por que você não está movendo esta mão ou pé (apontando para a parte paralisada do corpo)? A anosognosia foi considerada presente sempre que os pacientes negassem a paralisia, alegassem que não havia qualquer coisa de errado com eles, ou simplesmente dissessem que não estavam com vontade de mover o membro paralisado.
Dos 50 casos, a anosognosia foi diagnostica em 12 (24,0%). Em 9/28 casos com hemorragia putaminal foi observada anosognosia, enquanto 3/22 casos com hemorragia talâmica apresentaram anosognosia.
Não foi encontrada qualquer associação entre a presença de anosognosia e idade, sexo, modalidade de tratamento (cirúrgico ou conservador). Tampouco foram observadas associações entre a presença de anosognosia e o desempenho nos testes neuropsicológicos, considerando inclusive a presença de heminegligência ou apraxia construtiva.
O tempo médio decorrido entre o início do íctus e a avaliação comportamental foi igual a 22.26 dias para o grupo com anosognosia (dp=8.8) e 16.36 dias para o grupo sem anosognosia (dp=8.6, p < 0,05 pelo teste U de Mann-Whitney).
Do ponto de vista neurorradiológico foi observado que 1) as lesões dos pacientes com anosognosia comprometiam o membro anterior e joelho da cápsula interna, e 2) o volume de sangue era maior nos pacientes com anosognosia (média=48,2 ml, dp=27,2 ml) do que nos pacientes sem anosognosia (média=19,3 ml, dp=18,1 ml, p<0,05 de acordo com o teste U de Mann-Whitney).
A presença de anosognosia interferiu significativamente no processo de recuperação funcional dos pacientes. Para os casos com anosognosia a duração média de interação foi igual a 22,1 dias (dp=9,3 dias), enquanto os pacientes sem anosognosia tiveram alta em média após 13,6 dias (dp=11,7 dias). As atividades da vida diária foram avaliadas por meio do índice de Barthel, sendo o mesmo igual a 65.0 em média para os pacientes com anosognosia (dp=30,3) e igual a 85,0 em média para os pacientes sem anosognosia (dp=20.6, p<0,05 de acordo com o teste U de Mann-Whitney). Trinta e seis pacientes foram observados no follow-up. A anosognosia havia desaparecido após três meses em todos os casos.
Comentário: O estudo é de natureza eminentemente clínica, caracterizando-se pela sua simplicidade e relevância das informações obtidas. A impercepção da hemiplegia pode ser observada em até cerca de um quarto dos pacientes com hemorragias hemisféricas subcorticais à direita. A extensão do sangramento foi o único fator associado com o surgimento de anosognosia. A presença de anosognosia revelou-se um fator prognóstico na recuperação funcional. Os pacientes com anosognosia demoraram mais tempo a receber atenção neuropsicológica, necessitaram de tempos mais longos de hospitalização e apresentaram menos autonomia no que se refere ao funcionamento cotidiano. O desaparecimento dos sintomas de impercepção após três meses em cerca de 2/3 dos casos sugere que, ao menos quando causada por hemorragia, a presença de anosognosia tem maior potencial para interferir na fase aguda do processo de reabilitação.
Referência Bibliográfica
Maeshima, S., Dohi, N., Funahashi, K., Nakai, K., Itakura, T. & Komai, N. (1997). Rehabilitation of patients with anosognosia for hemiplegia due to intracerebral hemorrhage. Brain Injury, 11, 691-697.
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