Sunday, May 20, 2018

A MODULAÇÃO DO SENSO NUMÉRICO MELHORA A ARITMÉTICA SIMBÓLICA?

A pesquisa sobre cognição numérica tem trabalhado com as hipóteses de que as habilidades de processamento numérico constituem um importante pré-requisito para a aprendizagem da aritmética na idade pré-escolar e escolar inicial. 
Um modelo influente sugere que a acurácia na discriminação de numerosidades não-simbólicas (analógicas) desempenha um papel importante no desenvolvimento do conceito de número e na sua associacão com numerais simbólicos, verbais e arábicos. Uma outra corrente enfatiza o papel do processamento numérico simbólico como pré-requisito para a aprendizagem da aritmética.

As controvérsias são inúmeras. Os estudos são conflitantes. As três meta-análises disponíveis indicam que as associações entre os diversos tipos de processamento numérico e o desempenho em aritmética são significativas porém fracas (da ordem de r = 0.2 a r = 0.3) (Chen et al., 2014, Fazio et al., 2014, Schneider et al., 2016). As associações são geralmente mais fortes para o processamento simbólico do que para o não-simbólico.

Diversas interrogações persistem: Quais são os mecanismos pelos quais o senso numérico não-simbólico eventualmente influencia a aprendizagem da aritmética? Existe alguma fase do desenvolvimento na qual essa influência é maior, possivelmente reduzindo-se depois? A acurácia nas representações não-simbólicas de numerosidade na idade pré-escolar é preditiva da aprendizagem ulterior da matemática? A relação entre a acurácia do senso numérico e a aprendizagem da aritmética é causal?

A resolução dessas questões exige a realização de a) estudos longitudinais para identificar se. realmente, a acurácia do senso numérico é precursora da aprendizagem da aritmética, e b) estudos experimentais para identificar eventuais relações causais.

Um estudo experimental para verificar a relação entre senso numérico e desempenho em aritmética foi conduzido por Wang e cols. (2013) com crianças de cinco anos e meio. A hipótese dos autores é que a modulação do senso numérico através de uma manipulação experimental se associasse a um melhor desempenho em aritmética simbólica comparativamente a um teste de vocabulário. O paradigma experimental utilizado foi uma tarefa de comparação não-simbólica de magnitude numérica (Figura 1). 

Figura 1 - Tarefa de comparação não-simbólica de magnitudes numéricas. A criança precisa decidir qual conjunto de pontos é maior. Três foram as condições experimentais utilizadas: a) Easy first, na qual a criança procede da discriminação de distâncias numéricas maiores (100%) para as menores (10%) através de decréscimos sucessivos; b) Hard first, na qual a criança procede da discriminação das distâncias numéricas mais difíceis para as mais fáceis; e c) Apresentação aleatória (não mostrada na figura).

A manipulação experimental consistiu em variar a ordeuldade dos estímulos.Três foram as condições experimentais utilizadas: a) Easy first, na qual a criança procede da discriminação de distâncias numéricas maiores (100%) para as menores (10%) através de decréscimos sucessivos; b) Hard first, na qual a criança procede da discriminação das distâncias numéricas mais difíceis para as mais fáceis; e c) Apresentação aleatória. A hipótese subjacente é que o aumento gradual da dificuldade produzisse um melhor resultando em virtude da adaptação do sistema de discriminação de numerosidade às exigências crescentes (histerese). 

As medidas dependentes foram as habilidades aritméticas simbólicas e o vocabulário. O desenho experimental utilizado foi o seguinte:

n = 10: Easy first, Symbolic math transfer;
n = 10: Easy first, Vocabulary transfer;
n = 10: Hard first, Symbolic math transfer;
n = 10: Hard first, Vocabulary transfer;
n = 10: Random order, Symbolic math transfer
Os resultados mostraram que a modulação do senso numérico através do treinamento do estímulos fáceis para os difíceis resultou em um melhor desempenho em aritmética simbólica (Figura 2). Não houve efeitos sobre o vocabulário.

Figura 2 - Resultados da modulação do senso numérico sobre a aritmética simbólica. O grupo que treinou discriminações numéricas não-simbólicas dos estímulos mais fáceis para os mais difíceis obteve melhores resultados em aritmética simbólica do que o grupo que treinou na ordem inversa. Não houve efeito da manipulação experimental sobre o vocabulário.

As comparações dos ajustes para as frações de Weber interna (w) entre as  três condições também foram significativas. A fração de Weber é um estimativa da acurácia do senso numérico não-simbólico, indicando a mínima diferença relativa entre dois conjuntos que o indivíduo consegue discriminar. As frações de Weber foram menores para a condição de treinamento do mais fácil para o mais difícil (w = 0,20 - maior acurácia) e maiores para a ordem oposta de treinamento (w = 0,41 - menor acurácia). As frações de Weber foram intermediárias para a ordem aleatória de apresentação dos estímulos (w = 0,33).


Conclusões

Os resultados mostram que o sistema subjacente ao desempenho na tarefa de comparação não-simbólica de magnitudes (também conhecido como sistema numérico aproximado ou ANS) é altamente dinâmico e pode ser modulado pela ordem de dificuldades apresentação dos estimulos. A modulação do senso numérico não-simbólico (ANS) pode influenciar o desempenho em aritmética simbólica,  ao menos no curto prazo. Ainda não há dados definitivos, mas a aprendizagem da aritmética em crianças de idade pré-escolar pode se beneficiar da estimulação do senso numérico. Será que o senso numérico pode ser modulado também em crianças com discalculia?


Referências

Chen, Q., & Li, J. (2014). Association between individual differences in non-symbolic number acuity and math performance: A meta-analysis. Acta Psychologica, 148, 163–172. https://doi.org/10. 1016/j.actpsy.2014.01.016

Fazio LK, Bailey DH, Thompson CA, Siegler RS. Relations of different types of  numerical magnitude representations to each other and to mathematics achievement. J Exp Child Psychol. 2014 Jul;123:53-72. doi: 10.1016/j.jecp.2014.01.013.

Schneider, M., Beeres, K., Coban, L., Merz, S., Susan Schmidt, S., Stricker, J., & De Smedt, B. (2017). Associations of non-symbolic and symbolic numerical magnitude processing with mathematical competence: A meta-analysis. Developmental Science, 20. Retrieved from http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/desc.12372/full

Wang, J. J., Odic, D., Halberda, J., & Feigenson, L. (2016). Changing the precision of preschoolers’ approximate Number system repre- sentations changes their symbolic math performance. Journal of Experimental Child Psychology, 147, 82–99.https://doi.org/10. 1016/j.jecp.2016.03.002



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