Sunday, May 13, 2018

FUNCÕES EXECUTIVAS E APRENDIZAGEM DA ARITMÉTICA: IMPORTÂNCIA DO MONITORAMENTO

As funções executivas desempenham um papel importante na aprendizagem da aritmética em todas as fases do desenvolvimento. Vejamos alguns exemplos:

1) A discriminação da magnitude numérica de dois conjuntos de objetos requer a inibição das dimensões irrelevantes à comparação, concentrando a atenção na numerosidade;

2) A contagem funciona como uma tarefa de atenção dividida. Quando está aprendendo a contar, a criancinha precisa coordenar a recitação da série verbal dos números com cada um dos objetos constituintes do conjunto, de forma a estabelecer correspondências biunívocas;

3) A resolução das operações aritméticas simples requer que a criança mantenha na memória de trabalho os itens do problema ao mesmo tempo em que utiliza alguma estratégia, como p. ex. contagem, para encontrar a solução. 

4) A contagem nos dedos fornece uma representação material das quantidades envolvidas, aliviando a sobrecarga de memória de trabalho enquanto a crianças está aprendendo a realizar as operações aritméticas simples;

5) A memorização dos fatos aritméticos requer que a criança mantenha na memória de trabalho os elementos do problema, associando-os à solução correta e simultaneamente inibindo as repostas concorrentes incorretas;

6) A resolução de cálculos multidigitais através dos algoritmos do sistema arábico requer recursos de memória de trabalho verbal e visoespacial para a retenção dos resultados intermediários e transferências entre colunas;

7) Finalmente, a memória de trabalho também é importante para a resolução de problemas aritméticas verbalmente formulados, subsidiando a manutenção das informações enquanto as mesmas são integradas e transformadas em um modelo matemático da solução.

Os exemplos mencionados ilustram a importância da memória de trabalho e, principalmente, do seu componente executivo, em todas as fases da aprendizagem da aritmética. A criança precisa reter as informações numéricas, verbais e visoespaciais ao mesmo tempo que as processa de forma integrada, inibindo respostas prepotentes, ativando e alternando entre diferentes estratégias, refrescando os conteúdos da memória de trabalho à medida que o processo se desenrola e, finalmente, monitorizando a atividade para evitar, detectar e corrigir erros.

A aprendizagem da leitura se caracteriza por uma hierarquia mais simples de processamento. Após aprender a ler as palavras isoladas, a criança se concentra progressivamente na compreensão das mesmas, integrando-as na construção do significado textual. A aprendizagem da aritmética é estruturada através de um maior número de níveis de complexidade hierarquicamente organizados. A maestria de um determinado nível é pré-requisito para a progressão ao nível imediatamente superior na hierarquia. 

Cada um dos níveis de aprendizagem da ecaritmética impões demandas à capacidade de memória de trabalho e funcionamento executivo. A passagem de um nível para outro impõem demandas que colocam a memória de trabalho no seu limite de processamento. Mal a criança acaba de automatizar um conjunto de conceitos, procedimentos e estratégias, sua memória de trabalho é desafiada pelo seguinte. Não surpreende que a matemática seja a matéria mais difícil e assustadora do currículo.

O monitoramento da atividade mental é um dos processos executivos mais importantes recrutados na aprendizagem da aritmética. Para compreender novos conceitos ou aprender a realizar qualquer procedimento novo a criança precisa se esforçar, mantendo sua atenção focada na tarefa, tentando impedir a ocorrência de erros, monitorando sua ocorrência e corrigindo-os sempre que necessário.

Junto com a impulsividade, desatenção e déficits na memória de trabalho, as disfunções dos processos de monitoramento têm sido implicadas nas dificuldades de aprendizagem da leitura e aritmética de crianças com TDAH. A função executiva monitoração de erros pode ser uma conexão importante para explicar a comorbidade entre discalculia, dislexia e TDAH.

Tarefas que impõem demandas de monitoramento da atividade mental costumam ativar áreas mediais do córtex prefrontal, nas porções anteriorers dos giros do cíngulo e para-cingular. Um padrão especifico de resposta denominado de error-related negativity foi detectado nessas regiões em estudos com potenciais evocados. Resposta essa que se encontra alterada em indivíduos com TDAH.

Diversos paradigmas experimentais têm sido empregados para investigar os processos executivos relacionados ao monitoramento. Na tarefa de desempenho continuado, o indivíduo simula um operador de radar, monitorando dois tipos de estímulos, um mais freqüente e outro mais raro. Quando ocorre o estímulo raro, o indivíduo precisa emitir uma resposta específica. Pode-se aumentar a complexidade da tarefa, usando dois estimulos raros. Quando ocorre o estímulo raro A, o indivíduo precisa emitir uma resposta. Ao contrário, quando ocorre o estímulo raro B, o indivíduo precisa suprimir a tendência de resposta.

O papel do monitoramento na aprendizagem escolar pode ser simulado através de tarefas de aprendizagem associativa  implícita por feedback learning. Nessas tarefas, o indivíduo precisa inferir através de mensagens de feedback qual é a regra ou contingência que aíssocia um ou mais tipos de estímulos com uma resposta correta.

As crianças somente conseguem aprender incorporando o feedback negativo a partir da pré-adolescência. Até essa faixa etária, só o feedback positivo funciona. Indivíduos com TDAH apresentam muita dificuldade com paradigmas de feedback learning.

Peters e cols. (2017) investigaram se o desempenho de um grupo de adolescentes em uma tarefa de laboratório de feedback learning era preditivo do desempenho em leitura e aritmética dois anos depois.

Os resultados foram afirmativos. O desempenho dos adolescentes na tarefa de feedback learning se associou com o desempenho em leitura e matemática dois anos depois e os efeitos persistiram após controle estatístico dos efeitos da memória de trabalho e inteligência.

Peters e cols. também descobriram associações especificas entre os padrões de ativação neural e as duas formas de a aprendizagem escolar (Figura 1). A ativação do córtex prefrontal dorsolateral (CPFDL) se associou com o desempenho em leitura e a ativação da área motora presuplementar e giro do cíngulo anterior se associou com o desempenho em aritmética.


Figura 1 - Correlações entre os padrões específicos de ativação nueral durante feedback learning  com o desempenho em leitura (DLPFC) ou matemática (preSMA/ACC) no estudo de Peters e cols. (2017).


A Figura 2 mostra a localização das áreas cujos padrões de ativação se associaram especificamente com o desempenho em leitura ou aritmética.


Figura 2 - Representação esquemática das áreas corticais ativadas durante feedback learning e especificamente associadas com o desempenho em leitura (DLPFC) ou matemática (preSMA/ACC) no estudo de Peters e cols. (2017). (Figura retirada de Zanolie e Crone, 2018.)



TAKE HOME MESSAGE

Déficits no monitoramento da atividade mental podem interferir com a incorporação de feedback sobre o desempenho, prejudicandoé a aprendizagem da aritmética e da leitura.

Os déficits no monitoramento e aprendizagem por feedback são comuns no TDAH e podem explicar as dificuldades de aprendizagem da leitura e aritmética em indivíduos com essa condição.

Programas de intervenção baseados no treinamento do monitoramento e incorporação de feedback precisam ter sua eficácia investigada no tratamento da discalculia, dislexia e TDAH.

Referências


Peters, S., Van der Meulen, M., Zanolie, K., & Crone, E. A. (2017). Predicting reading and mathematics from neural activity for feedback learning. Developmental Psychology53(1), 149.

Zanolie, K., & Crone, E. A. (2018). Development of cognitive control across childhood and adolescence. Stevens' Handbook of Experimental Psychology and Cognitive Neuroscience4, 1-24.



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